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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

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"Amor Perfeito" - Natalia de Oliveira

Olá Leitores!
Esse é mais um conto de minha autoria. aproveitem!



“Amor perfeito”

(Natalia de Oliveira)


Eu consigo”, pensou Toddy Downey servindo-se de mais um milho da tigela fumegante, “E sei que com o tempo a morte dela vai ser um mistério até para mim.” - Stephen King (Janela Secreta, Jardim Secreto).

       Nenhuma mulher merece tanta confiança á ponto de deixar um homem cego.” Nathan Heweet havia lido essa frase muito tempo atrás em um livro (ou havia visto em um filme, não sabia ao certo) e nunca esquecera. Na verdade, essa frase pipocava em sua cabeça, ali sentado naquele bar, depois de ter entornado meia garrafa de Whisky. Nunca antes aquela simples frase lhe fez tanto sentido como agora. O motivo pelo qual estava sentado no balcão daquele bar beira-de-estrada ás duas da manhã, secando (pela primeira vez na vida) uma garrafa de whisky era bem simples: estava decidindo se se mataria ou mataria Elizabeth.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

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Branca de neve e Chapéuzinho Vermelho que nada! Quero mesmo é o Flautista!

Olá Leitores!
Serio, de todas as historias de crianças e contos infantis, os pais e as empresas cinematograficas como a Disney ficam batendo na mesma tecla da Branca de Neve ou da Chapéuzinho Vermelho? Será que sou só eu que está de saco cheio dessas mesmas historias para nossas pobres crianças?
Só de 2010 para cá acho que saíram três filmes com esse mesmo tema e eu nunca vi fazerem nada com uma das minhas historias de criança favorita, O Flautista de Hamelin.
Para quem não se lembra dessa historia incrivel, eu vou refrescar-lhe a memoria:
A cidade de Hamelin, na era medieval, vivia um serio problema de super população de ratos, era rato saindo por tudo o que era fresta. Eles não sabiam mais o que fazer para se livrar da praga. Eis que de repente chega na cidade um homen estranho, um flautista que afirmava conseguir acabar com a praga por intermédio da magica de sua musica, mas que isso teria um preço, um saco de ouro.
O prefeito aceitou a proposta do estranho e como o combinado, o flautista hipnotizou todos os ratos da cidade, conduzindo-os até o rio no qual eles se jogaram e se afogaram. Quando o Flautista foi pegar o pagamento que lhe era de direito, o prefeito voltou atrás e deu um belo de um calote no flautista.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

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"Não mexa com quem está quieto." por Natalia de Oliveira

Olá leitores!!!
Como hojé é dia das bruxas, aqui vai mais um dos meus contos de Terror.


"Não mexa com quem está quieto"

     A hora da saída da escola era um caos de sons e cores. Os vários alunos da escola São Jorge no ABC paulista ainda estavam no portão, jogando conversa fora, era praticamente um ponto de encontro dos alunos de salas diferentes. Meninos, meninas, usando a camisa polo azul com o logo da escola, que compunha o uniforme da escola, conversavam é sombra das arvores da calçada, alguns esperando o ônibus, alguns esperando os pais, alguns só matando o tempo com os amigos.

     Larissa descia a escada que levava á calçada, um pouco atrasada por ter que resolver o problema com a passagem de ônibus na secretaria da escola. Já alcançava a calçada quando avistou Janaína e Pedro, seus amigos. Apressou o passo em direção á garota de cabelos loiros compridos que lembrava uma Barbie, e do rapaz magro e alto de cabelos castanhos claros.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

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"Negocios são negocios" por Natalia de Oliveira


Negócios são Negócios
 


     - Põe mais uma dose aqui! – Nathan disse para Russ depois de secar o quinto copo de whisky.

     - Cara, você não acha que já está bom por hoje?- Russ, o barman disse com tom ameno enquanto secava um copo com um pano de prato branquíssimo.

     - Eu to dizendo para encher a porra desse copo. – Nathan disse ríspido.

     Russ olhou com pena para Nathan, seu amigo (freguês) de longa data. O rapaz não tinha mais do que vinte e cinco anos de idade, mas parecia mais, por causa de seu cabelo que exibia já alguns fios brancos, suas olheiras crescentes e sua feição cansada, de quem levou uma surra da vida.

     Nathan não tinha uma vida boa, isso até Russ podia ver e frequentava o Russel’s Bar á um bom tempo, fazendo de lá seu confessionário. Nathan era um bom homem, mas as coisas teimavam em dar errado em sua vida. Fora expulso de casa por seu pai quando era ainda adolescente por ter se metido com amizades erradas. Comeu o pão que o diabo amassou e conheceu Mariene uma das únicas coisas boas que já havia acontecido com ele e se casaram. Um tempinho depois, ele chegou em casa mais cedo e a encontrou com o zelador porto-riquenho do prédio. Ele não disse nada, apenas fechou a porta, saiu do prédio e foi até o Russel’s e entornou sozinho uma garrafa de whisky, quando chegou, ela disse que era culpa dele por ser tão distante e inútil e que queria o divorcio. Como estavam casados á um bom tempo, ela tinha direito á metade de tudo que era dele. Por consequência bebera ainda mais e seu chefe estava prestes á demiti-lo por chegar quase todos os dias bêbado. É, isso que era classe.

     Russ olhou para Nathan e pegou a garrafa de Jack Daniels.

     - Olha, cara, eu vou colocar mais uma pra você mas depois disso você vai para casa. Já passou da hora de fechar, se você não reparou só tem você e eu aqui. Você vai para casa, vai dormir, vai tomar vergonha nessa cara e dar a volta por cima.

     Russ encheu o copo com aquele abençoado liquido dourado com uma expressão muito reprovadora.

     - Assim, você não vai cativar seu clientes.

     Nesse momento eles ouviram o telefone tocando lá longe, no escritório. Russ olhou para trás e olhou para Nathan.

     - Eu vou atender o telefone e quando eu voltar eu vou fechar o bar, está me entendendo?

     - Como você é chato.

     - Cara, quando você fica bêbado, você fica intragável.

     Russ balançou a cabeça, guardou a bebida em baixo do balcão e sumiu por uma porta que ficava atrás do balcão. Nathan ficou sozinho com seu copo de alegria no silencio do bar vazio. Por que as coisas eram assim? Por que tudo dava errado para ele? Imaginava se havia caído da arvore do azar e batera em todos o galhos no caminho. Sua vida era uma droga e essa era a única verdade que conhecia.

     - É uma verdade, mesmo. – uma voz soou atrás dele, grave, fazendo-o se virar.

     Olhou para o bar e viu num canto, havia um homem em uma mesa, na penumbra. Estava muito quieto e ele teria passado totalmente desapercebido se ele não tivesse falado, tanto que Russ achou que só estavam ele e Nathan no bar.

     - O que? – Nathan disse forçando a vista para poder ver melhor o homem.

     Ele ficou em silencio, então ele se levantou e veio caminhando na direção do balcão, onde estava Nathan. O homem era alto e com boa aparência, se vestia muito bem, com um terno que Nathan teve certeza que era mais caro do que todas essas biritas juntas. Era muito bonito e tinha uma expressão serena. Ele se aproximou e se sentou ao lado de Nathan.

     - Dia difícil? – ele disse com sua voz macia. Seus olhos eram faiscantes, mas Nathan não conseguiu identificar a cor.

     - Parece? – Nathan bebeu um gole da bebida.

     - Quem nunca passou por isso, não é?

     - Eu te ofereceria uma bebida, mas. . .

     - O que é isso, faço questão.

     Do nada, apareceu na mão do homem, uma garrafa de vidro estranha, não fazia parte do acervo de Russ e parecia velha e o estranho homem completou o copo de Nathan. Bem, ele estava bêbado, mas ele percebeu que isso foi para lá de estranho.

     - Obrigado. – ele disse ressabiado.

     Nathan sorveu um gole do liquido que lhe desceu queimando mais do que o normal. O homem riu e com o rabo de olho ele viu que os dentes dele eram um tanto pontudos.

     - Mas o que é isso?

     - Uma coisinha da minha terra. – ele sorriu e fez uma pausa – Para beber desse jeito, você deve estar com algum problema.

     - Você sempre chega assim nas pessoas?

     - Só quando elas precisam de mim.

     - E eu preciso?

     - Todo mundo precisa, mais cedo ou mais tarde. – ele disse com um sorriso compreensivo.

     - Qual o seu nome? – Nathan disse ressabiado.

     - Eu tenho vários, mas meu nome, Nathan, não é importante. O importante, - ele tornou a encher o copo de Nathan que só então reparava que não tinha dito qual era seu nome. – é que estamos tendo uma ótima conversa. Agora, me diga o que aflige seu coraçãozinho?

     Nathan achou aquilo estranho, mas a voz daquele homem era tão convidativa, que quando percebeu estava fazendo uma dissertação sobre a sua vida, que pareceu durar horas. Contou tudo sobre sua vida miserável, a esposa infiel, o chefe marosco e como tudo dava errado em sua vida.

     - Mas então, diga-me, o que você quer? – o homem disse.

     - Que as coisas fossem diferentes, ué. – disse em tom irônico. – Que eu acordasse um dia e tudo estivesse diferente, que a vagabunda da minha esposa não me causasse mais problemas, que meu chefe não me perturbasse mais e que eu não tivesse que me preocupar se vou ter um lugar para morar amanha. Daria qualquer coisa por isso.

     - Feito.

     - O que? – nesse momento o copo que estava em sua mão se quebrou em lascas, fazendo um corte em sua mão.

     - Droga!

     - Permita-me.

     O homem tirou um pedaço de pano de linho de dentro do bolso e colocou sobre o corte somente, tirando logo em seguida.

     Ele se levantou e colocou o pedaço de pano de volta no bolso.

     - Mas. . .

     - Agora me vou, foi um prazer fazer negócios com você.

     - Mas que negócios? – ele disse mais interessado em pegar um guardanapo que estava ali no balcão para estancar o sangue que saia de sua mão.

     Quando ele virou-se outra vez, o homem não estava mais lá e não ouvira o som da porta se abrir. Olhou para o bar e uma sensação horrível lhe passou, um frio na espinha, uma sensação horrorosa.

     - Tudo bem? – Nathan ouviu a voz de Russ atrás de si e deu um pulo com o susto.

     - Russ, onde você estava? Você viu aquela cara? Ficamos conversando por horas.

     - Do que esta falando? Só sai por um minuto. E que cara? Não tem ninguém aqui. – disse com um tom intrigado.

     - Mas. . . – ele tentou dizer mas estava tão confuso quanto poderia estar.

     - Você está bêbado, isso sim, vai para casa. Ele disse por fim.

     Sem dizer mais nada, Nathan saiu do bar e voltou para casa com um sensação estranha no estomago, com se algo muito errado tivesse acontecido, só não sabia o que. Ele voltou para casa e dormiu no sofá como fazia desde o dia que pegava a esposa com o zelador. Teve um sonho muito estranho com aquele homem do bar, onde tudo o que via eram os dentes e os olhos faiscantes.

     Acordou na manhã seguinte com uma dor de cabeça muito forte, tanto que não abriu os olhos de começo. Esperou alguns minutos e abriu os olhos relutantemente. Colocou-se sentado e ia esfregar os olhos, mas deteve-se pois viu que sua mão estava vermelha, não vermelha, empapada de sangue. Olhou para a outra mão, também estava cheia de sangue. Levantou-se de um pulo e viu que sua camisa e sua calça de dormir também estavam cheias de sangue. Apalpou-se á procura de algum ferimento e não encontrou nada.

     - Ah, meu Deus!

     Afastou-se e olhou para o chão, havia uma trilha de sangue que levava até o sofá. Com o coração aos pulos foi seguindo a trilha de sangue e percebeu que ela vinha da escada lá de cima.

     - Não, por favor não. – ele tremia enquanto subia a escada.

     Lentamente ele foi seguindo a trilha de sangue e com uma dor no peito viu que a trilha vinha do quarto de Mariene. Ele abriu a porta e olhou lá dentro e caiu de joelhos desesperado. Mariene estava deitada na cama, havia sangue por toda parte, ela fora atacada no meio da noite e a faca ainda estava lá jogada no meio do quarto.

     Ele se aproximou da esposa, ela estava nua na cama, com os braços amarrados na cabeceira, o corpo estava todo perfurado, estava morta, bem morta.

     - Você não pode morrer agora, não pode! – ele pulou na cama e começou a tentar a desatar os nos que prendiam os braços de Mariene, mas não conseguia. Nesse momento ele ouviu o som de sirenes de policia se aproximando. Mas que droga!

     Os policiais que o encontraram disseram que ele estava totalmente descontrolado, banhado em sangue e não dizia coisa com coisa. Fora preso e acusado do assassinato de Mariene, pois a faca tinha suas digitais, ele estava na cena do crime e o pior, ele tinha motivo.

     Ele não se lembrava do que acontecera, estava bêbado demais para se lembrar, mas uma coisa sabia, ele não tinha feito aquilo. Por mais que odiasse Mariene, não teria coragem para mata-la, se o tivesse, teria matado ela no dia em que flagrara a traição, tentara argumentar isso, mas só piorara as coisas.

     Alguns dias depois, um guarda foi á sua cela, alguns dias antes do julgamento. Nathan estava deitado olhando para o teto.

     - Ai, estripador, tem visita pra você.

     Ele se levantou e seguiu o guarda através dos corredores da delegacia até a sala de visitas e quando entrou não tinha ninguém lá dentro.

     - Ei, não tem ninguém aqui. – disse para o guarda que não lhe deu atenção e fechou a porta, trancando-o. Ele caminhou pela sala estranhando tudo isso. Passou pela mesa comprida e voltou até a porta para chamar o guarda quando ouviu algo.

     - E então, as coisas estão diferentes? – ouviu uma voz familiar e virou-se.

     Sentado numa das cadeiras da mesa, estava aquele homem do bar. Ele deu um pulo e se bateu na parede com o susto.

     - O que você tá fazendo aqui? – disse exasperado.

     - Eu vim te ver.

     - Guarda! Me tira daqui! – ele gritou se batendo na porta.

     - Que falta de educação. Eu faço o que me pediu e não recebo nem um obrigado.

     Ele parou e virou-se, ele estava ofegante.

     - Foi você? – disse por entre dentes e por resposta recebeu um sorrisinho.

     - Ela gritou um pouco, muito, - ele riu. – Devia ter visto a sua cara enquanto você esfaqueava ela, quantas vezes? Trinta?

     - Eu não fiz aquilo!

     - Ah, fez sim. Tudo o que eu fiz foi insuflar um pouco de coragem e criatividade nessa sua cabeça.

     - Quem é você?

     - Vai me dizer que você não sabe? – ele disse exibindo um sorriso odioso.

     Nathan caiu de joelhos encolhido no canto tremendo.

     - Isso não é verdade, isso não é verdade.

     O homem levantou-se e veio caminhando em sua direção com passos lentos.

     - Lembra do que você disse aquela noite?  - ele então imitou a voz de Nathan, não era parecida era a voz de Nathan – “Que as coisas fossem diferentes, ué”. – disse em tom irônico. – “Que eu acordasse um dia e tudo estivesse diferente, que a vagabunda da minha esposa não me causasse mais problemas, que meu chefe não me perturbasse mais e que eu não tivesse que me preocupar se vou ter um lugar para morar amanha. Daria qualquer coisa por isso.”

     - Eu não. . .

     - Fizemos um trato, lembra? – do bolso, ele tirou o pedaço de pano de linho o jogou na cara de Nathan que o pegou com nojo e o leu com desespero o conteúdo que estava escrito em uma caligrafia finíssima.

     Era um contrato, realmente, dizendo que em troca dos serviços do Diabo, ele ficaria com sua alma. Isso mesmo, com a alma, um contrato muito bem elaborado alias, com uma mancha de sangue no espaço da assinatura. O mesmo pano de linho com o qual ele limpara sua mão cortada.

     - Você é o Diabo?! – ele exclamou.

     - Que nome antiquado! – ele meneou a cabeça.

     - A minha alma. . . você quer a minha alma?

     - Como você pode ver no contrato, é isso mesmo.

     - Você trapaceou! – Nathan esbravejou.

     - Negócios são negócios. – ele sorriu. – O mundo gira em torno das oportunidades, você vê uma e agarra.

     - Meu Deus!

     - O nome não é exatamente esse.

     - Você matou a minha esposa.

     - Era isso o que você queria.

     - Não era, você distorceu minha palavras.

     - Eu não tenho culpa que você não especificou exatamente o que você queria. Mas veja por esse lado, na atual situação, você não tem mais a vagabunda, nem chefe, e nem vai mais se preocupar se vai ter uma casa amanha.

     - Seu desgraçado!

     - Tenha uma boa, vida. Daqui alguns meses virei buscar o que me pertence, sabe, os advogados serão osso duro no seu julgamento.

     Ele sumiu esvanecendo-se no ar. Nathan começou a gritar como um louco e a se bater na porta. Os guardas chegaram e foram necessários cinco deles para controla-lo. Nathan foi internado na ala psiquiátrica da penitenciaria, esperando o dia do julgamento, no qual seria pedida a pena de morte.




domingo, 16 de setembro de 2012

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"Maldita bonequinha de porcelana", de Natalia de Oliveira


Maldita bonequinha de porcelana
 

     "- Jules! Jules! – a voz de Megan ecoava pelos corredores da imensa casa, seguida de um acesso de tosse, como sempre.

     - Já vou, tia! – Jules respondeu gritando da cozinha no andar de baixo, estava muito atarefada preparando a refeição para sua tia.

     Jules era uma garota jovem de vinte e três anos, no auge da juventude, mas que estava perdendo toda essa fase desde que sua tia ficara doente á cinco anos e parara sua vida para cuidar dela.

     Megan era uma mulher vivida, com seus sessenta e poucos anos, de poucos amigos e muitos problemas, fã do cigarro desde os treze anos, o que lhe causara sua atual situação de insuficiência respiratória, e quando o problema se tornou serio o bastante para ficar presa á um cilindro de oxigênio, teve que chamar ajuda.

     Falemos claramente, Jules só cuidava da tia velha por que não havia outro parente vivo que o fizesse, e por esse motivo sentia-se presa á ela, assim como o cilindro. Seus pais haviam morrido num acidente na mesma época em que Megan ficara seriamente doente, então tudo isso acabara se tornando uma troca de favores, “Você cuida de mim, e eu deixo você morar aqui..”. Era mais ou menos assim.

     - Jules! – a voz estridente da velha ecoou mais uma vez.

     É, no começo pareceu boa ideia, ela teria um lugar pare ficar e ainda teria um dinheirinho por cuidar da tia velha, mas com o tempo foi percebendo que não seria assim tão fácil, na verdade, não fazia a mínima ideia de onde estava se metendo.

     A velha era louca! Quando surtava, ficava pior do que criança: não queria tomar os remédios, ficava chamando Jules por motivo nenhum no meio da noite, a comida estava insossa, o radio alto demais, o luz forte demais, tinha travesseiro de menos, e por ai vai. Era um inferno.

     Isso não era tudo, não, havia ainda sua sinistra e empoeirada coleção de bonecas de porcelana da era vitoriana, que ela não permitia que ninguém tocasse com as mãos sujas, em especial, uma bonequinha que ela insistia em manter no criado mudo, sua preferida. Tinha os cabelos avermelhados e grandes olhos cinza, usava um vestidinho lilás com babados brancos de renda, uma coisa pavorosa. Naquela época, os artesãos faziam as bonecas parecidas com sua donas, meninas ricas que pagava praticamente uma fortuna por uma boneca, e a antiga dona devia ter sido uma criaturinha esquisitinha, Jesus.

     A boneca em si era bem comum, o que chamava a atenção dela era sua expressão. Ao contrario das varias bonecas do recinto que tinham um sorrisinho afetado, a boneca do vestidinho lilás tinha uma expressão seria, não, vazia seria uma palavra melhor, com seus olhinhos olhando para o vazio, seu nariz arrebitado e seus lábios rosados sem expressão alguma. Megan era obcecada por ela.

     - Jules! – Megan chamou outra vez.

     - Já estou indo! – Jules respondeu alto e então falou baixo – Sua velha inútil e impaciente, já vou levar sua sopa, espero que se afogue nela.

     A garota arrumou a sopa na bandeja que usualmente levava ao quarto de Megan todos os dias e quando pegou a bandeja nas mãos um pensamento lhe ocorreu: Odiava Megan, simplesmente isso, odiava Megan, odiava que ela estivesse atravancando sua vida, odiava sua coleção de bonecas, sua voz, seu cheiro, odiava ela.

     Subiu a escada que levava ao segundo andar da casa, o andar dos quartos, carregando a bandeja com o almoço, e conforme aproximava-se do quarto, sentia o cheiro dos remédios invadindo o ambiente, aquele cheiro enjoativo de hospital.

     A porta estava aberta e Jules entrou direto só para se deparar com aquela imagem tão familiar: uma cama de hospital, o cilindro de oxigênio ao lado da cama a mesinha de cabeceira com os vários remédios e claro, a bonequinha de porcelana também estava lá.

     Megan estava sentada na cama, com seu cabelo grisalho arrepiado, suas olheiras profundas em torno dos olhos e sua costumeira palidez.  O tubo de oxigênio preso em seu nariz.

     - Finalmente, mais um pouco e isso não seria mais um almoço, seria um jantar. – disse com sua boca enrugada e banguela.

     Jules ajeitou a bandeja no suporte ao lado da cama e o empurrou em direção á cama de forma que se encaixasse. Enquanto Megan se alimentava, Jules sentou-se na poltrona ao lado da cama, esperando que ela terminasse e também, caso ela se engasgasse estaria ali para socorrê-la.

     Enquanto Jules esperava sua mente vagou. Pensou que Megan era uma pessoa ruim, que tratava mal a única pessoa que ela tinha, isso não era normal. Pensava se ela não tinha medo de terminar seus dias sozinha. Não, claro que não, Jules estaria lá, limpando sua baba até o ultimo momento.

     “. . . até o ultimo momento. . .”, essa frase ecoava em sua mente, e de repente teve consciência de que talvez isso demorasse muito, muito mesmo. Começou a imaginar quanto tempo mais Megan viveria daquele jeito, quem sabe por anos, sugando sua juventude como uma vampira. Haveria alguma diferença? Alguém poderia dizer com certeza qual das duas estava agonizando em um mar de sofrimento?

     - Nunca vi comida mais insossa. – Megan afastou o prato violentamente fazendo um pouco da sopa derramar no lençol que, adivinhe só, Jules teria que lavar.

     Como sempre, Jules se segurou, fechou os olhos e respirou fundo.

     - O medico disse que pelo seu problema de pressão alta, você teria que diminuir o sal.

     - Se eu quisesse comer comida de hospital eu estaria em um e não precisaria de você, sua inútil. – disse mais ríspida.

     Outra vez Jules se segurou, essa era sua vida: ouvir essas barbaridades calada só pelo fato de morar de favor naquela casa. Era cada humilhação que ás vezes sentia vontade de. . .

     Respirou fundo e olhou em seu relógio de pulso, eram uma e meia da tarde, hora dos remédios de Megan. Jules levantou-se da poltrona, retirou a bandeja e o suporte, encostando-os na parede. Foi em direção á gaveta dos remédios mais fortes, pegou-os e levou até a cômoda, do outro lado do quarto para preparar a medicação. Naquele momento, ela tinha que tomar três comprimidos e uma injeção de um remédio que á muito havia desistido de pronunciar o nome. Primeiro deu á Megan os comprimidos que ela tomou com uma careta, mas tomou, então Jules voltou á cômoda para preparar a injeção.

     “Eu odeio essa velha!” Jules gritava dentro de si. Por quanto tempo mais aguentaria isso? Olhou para a seringa lacrada no pacotinho e de repente um pensamento a assaltou. Lembrou-se de certa vez ter assistido um documentário, “Os crimes quase perfeitos”, sobre crimes que teriam passado batido pelas autoridades se apenas um detalhe não tivesse dado errado e lembrou-se de um em particular, um homem que matara a esposa com uma injeção de ar, sim, uma injeção de ar. Na época se perguntou como que uma injeção de ar podia matar, e o especialista do documentário disse que realmente teria sido um crime perfeito, se o assassino não tivesse confessado, pois é limpo, fácil, não deixa rastro químico e no máximo, a necropsia diria que fora um ataque do coração. A arma é facilmente descartada, realmente, um crime perfeito.

     E se Jules fizesse isso? Como o perito disse, era limpo, seu lixo estava cheia de seringas com o mesmo DNA, uma a mais, uma a menos, não faria diferença. Megan era uma velha doente, presa a um cilindro de oxigênio que poderia muito bem morrer de “causas naturais” á qualquer momento.

     Tudo isso Jules pensou numa fração de segundo. Meu Deus, como pôde, era a vida de alguém, alguém miserável, mas era alguém.

     - Vamos logo, com isso. Nossa que garota lerda! Não faz nada direito, nada que presta.

     Decidiu-se. Abriu o pacotinho da seringa e puxou o ar. Sentiu uma espécie de embrulho no estomago, mas agora que tinha começado não iria parar. Se aproximou de Megan, aquela criatura deplorável com o cabelo grisalho arrepiado e sua cara feia de sempre. Megan se virou de lado, de costas para Jules para que ela aplicasse a injeção.

     - Vê se aplica isso direito, você esta aplicando uma injeção, não esta atirando dardos num elefante.

     - Pode deixar, não vai nem sentir.

     Tudo o que Jules pensava naquele momento era que aquela era sua única chance, que se não desse certo agora, nunca mais teria a coragem de fazer. Não era a razão que a motivava, era o impulso.

     Quando teve certeza de que pela posição ela não estava vendo a seringa, Jules aplicou a injeção vazia. Já estava feito, não tinha como voltar atrás e então tudo aconteceu.

     Megan se virou e olhou para Jules com uma expressão aterrorizada, e mesmo que ela não tivesse dito nada, Jules sabia que ela sabia o que tinha acontecido, então ela começou a se debater na cama, como se estivesse tento um ataque epilético, deixando Jules desesperada, isso não estava em seus planos. A garota virou-se de costas, não queria ver aquela cena horrível, tampou os ouvidos com as mãos e esperou um tempo, até que tomou coragem e virou-se para ver o que tinha acontecido.

     A velha estava estendida na cama, os lençóis estavam no chão de tanto que ela se debateu, os olhos abertos esbugalhados olhavam em direção á bonequinha de vestidinho lilás. Jules se aproximou e colocou dois dedos no pescoço da velha para certificar de que ela estava mesmo morta. Estava, finalmente.

 

     Não foi difícil fingir tristeza no funeral de Megan alguns dias depois. Realmente fora o crime perfeito. Ninguém desconfiara da sobrinha dedicada que perdeu anos de sua vida para cuidar da tia. Pela primeira vez em anos, pode dormir sem que fosse chamada a cada quinze minutos. Claro, como única parente viva, Jules herdou a casa e uma boa quantia em dinheiro. Não que estivesse interessada nisso de começo, mas encarou a herança como um bônus.

     A casa era muito antiquada, precisava de um visual novo, e o mais rápido que pode, Jules começou algumas mudanças, ou seja, iria retirar da casa tudo o que lembrava Megan. Primeiro, esvaziou o quarto de Megan, já fazia um mês desde o trágico passamento da tia e ainda não tivera coragem de entrar naquele quarto. Toda vez que passava por ele sentia uma coisa estranha, talvez um rastro de culpa, mas abanava a cabeça e espantava esses pensamentos. Naquele dia, foi até lá munida de algumas caixas de papelão e começou á fazer uma limpa. Lotou algumas com roupas e sapatos, outra com as roupas de cama e uma, essa ela fazia questão de encher, iria colocar a preciosa coleção de bonequinhas de porcelana e sem o menor cuidado, amontoou uma vinte dentro de uma caixa media. Olhou para o lado e deteve-se pois viu a bonequinha de vestidinho lilás, no criado mudo, tal qual havia visto pela ultima vez, mas com uma camada de poeira á mais.

     Aproximou-se da boneca, havia algo estranho com ela, Jules não sabia explicar o que era. Antes, quando a via, era uma boneca feia e sem expressão. Olhou bem e percebeu algo diferente nela, algo bem sutil que não teria percebido se sua maior característica fosse exatamente não ter expressão, mas agora Jules via um suave cerrar de olhos e um sorrisinho, estranhamente muito parecido com a cara de empáfia de Megan.

     Esse pensamento lhe causou um calafrio, pois lembrava-se perfeitamente que Megan morrera olhando para aquela boneca horrorosa.

     - Se me faltava motivo para me livrar de você, - disse ela pegando a boneca na mão – não falta mais.

     Jogara a boneca sem cuidado algum na caixa com as outras bonecas e lacrou com fita adesiva. Não queria aquela coisa ali, pois ela lhe faria lembrar do acontecido e não queria isso. No fim da tarde, Jules carregou as caixas uma por uma para fora, para que o caminhão do lixo levasse e a cada caixa que colocava no gramado sentia-se mais leve. Sentia que agora sim, seria o começo de uma nova etapa em sua vida, livre, sem nenhuma corrente ligando-a ao passado, só conseguia pensar nas possibilidades que se abriam á sua frente. Faria Faculdade? Viajaria? Investiria em um negocio próprio? Talvez fizesse tudo isso, mas cada uma á seu tempo. Envolta em paz, Jules dormiu naquela noite sem que nenhum fiozinho de culpa passasse por sua cabeça.

    

     Jules acordou na manhã seguinte, empolgada com todas as mudanças que aconteceriam daquele dia em diante. Preparou seu café da manhã com a maior calma, saboreava sua torrada sem a menor pressa. Os aromas, os sabores eram todos diferentes agora.

     Depois do dejejum, a garota subiu ao quarto de Megan, ele era bem maior do que o seu, pretendia mudar-se para ele, mas primeiro iria trocar todos os moveis e essas coisas, iria comprar moveis planejados, e iria tirar as medidas do quarto. Abriu a porta e ao olhar em seu interior soltou uma exclamação de susto, pois, colocada sentadinha no criado mudo como se nunca tivesse saído dali, a bonequinha de porcelana do vestido lilás olhava para ela. Sem entender nada, Jules aproximou-se da boneca e a pegou nas mãos novamente.

     - Mas como? Eu joguei você fora! – ela disse sozinha.

     Tinha certeza de ter colocado ela na caixa e de ter lacrado a caixa com fita adesiva. Tinha que se livrar dela. Desceu a escada correndo segurando a boneca, saiu pela porta, atravessou o gramado e a jogou dentro da lata de lixo.

     - Você não vai escapar do lixo.

     Fechou a tampa com um estrondo, virou nos calcanhares e voltou para dentro, tentando ignorar que aquilo era muito esquisito.

     Depois do almoço, tranquilizou-se um pouco, mas sua tranquilidade durou pouco. Quando foi tomar banho ás seis horas, entrou em seu quarto e viu a bonequinha sentadinha em sua cama. Jules soltou um grito quando a viu.

     - Se isso é uma brincadeira é de muito mau gosto! – ela gritou para as paredes em seu quarto. – Se tem alguém aqui, eu vou chamar a policia. – mas ela sabia que não havia ninguém na casa.

     Um tanto descompensada, ela atirou a boneca da janela e saiu pela casa trancando portas e janelas. Mas o que estava acontecendo? Será que alguém descobrira o que ela fizera e agora a estava assustando com aquela boneca horrorosa? Esse pensamento a acompanhou noite adentro na qual não conseguiu dormir.

     Na manhã seguinte, descia a escada para a cozinha, estava ainda no alto da escada quando pisou em algo duro e irregular, sentiu uma dor aguda no tornozelo, desequilibrou-se e rolou a escada, indo parar na sala estatelada no chão. Enquanto se recuperava ali no chão, tentando se levantar viu que seu tornozelo estava machucado, com dois pequenos furos que sangravam, fora isso não se machucara muito. O abalo maior ficou por conta de quando olhou para cima para ver no que tinha tropeçado e soltou um grito de horror. Bem no degrau em que se desequilibrara estava a boneca, com seu vestido lilás e sua carinha de porcelana, mas havia algo horrível, ela sorria, mostrando vários dentes e um filete de sangue escorria por seus lábios rosados. Monstruosa.

     Durante o tempo que se seguiu, Jules tentou livrar-se da boneca diabólica de varias formas, cada uma mais fracassada do que a outra. Tentou quebra-la com um martelo, no outro dia ela estava inteirinha na sua cabeceira; tentou queima-la, igualmente inútil; jogou-a num rio, não; deu a boneca para um Pittbull brincar, deu-a de presente para uma criança da vizinhança, mas todos os dias a boneca estava lá, em algum lugar da casa, esperando para ser encontrada.

     Jules sabia que de alguma forma Megan estava naquela boneca e agora ela atormentaria para o resto da vida."

    

domingo, 26 de agosto de 2012

5

"Eles estão vindo!" de Natalia de Oliveira


Eles estão vindo!
 
     Suzana olhava para seu relógio de pulso de cinco em cinco minutos. Eram dez e quinze da noite e ela espera que mais cinco minutos se passassem para que finalmente pudesse dar o expediente por encerrado e ir para casa. Suzana trabalhava em um mercadinho não muito longe de sua casa, o que era bom, pois podia ir e vir á pé, o problema era que fora escalada para o último turno, das duas horas da tarde até as dez e vinte da noite. Tudo bem que o mercadinho em si era fechado ás nove, mas tinha que ficar até as dez e vinte para organização reposição de mercadoria e essas coisas. Embora já tivesse terminado tudo já fazia uns quinze minutos, não podia ir embora por conta do sistema de banco de horas, ou seja, minutos á menos, pagamento á menos, e isso, ao contrario de outras coisas nessa empresa em que trabalhava, era seguido á risca.

     Estava sentada no sofá da salinha dos funcionários, de braços cruzados, com a bolsa no colo, olhando para o nada, esperando os minutos se arrastarem. Ouviu o som dos passos das suas colegas subirem a escada que levava ao segundo andar do pequeno prédio, onde fica o escritório, sala da gerencia e sala de funcionários. As vozes soavam animadas enquanto se aproximavam e entravam na sala.

     - Ah, mas aquela caixa de geleia estava mais do que vencida. – Carol disse entrando pela porta, ao mesmo tempo que tirava o crachá do pescoço.

     - Eu sei, mas você tinha que chamar um dos meninos para ajudar você a levar para a lata de lixo. – Jaqueline, a gerente da loja, disse em tom de reprovação. – Machuca as costas, ai eu quero ver trazer atestado.

     Jaqueline era gerente da loja, mas era tão humilde e companheira das outras operadoras de caixa que era impossível usar o termo chefe quando se referiam á ela.

     - Ah, já está ai? – Jaque disse olhando para Daniela – Vida boa né? – disse indo em direção aos armários para pegar sua bolsa.

     - Eu terminei de lavar a cozinha e os banheiros faz tempo. – Suzana argumentou com um meio sorrisinho. – Vocês que ficam ai, fazendo hora.

     - Fala, ligeirinha. – Carol disse chicoteando a perna de Suzana de leve.

     Todas usavam o uniforme do mercadinho, que se consistia de calça jeans e uma camisa polo verde com o logotipo do mercado. Só restavam as três para ir embora, e depois que as duas que faltavam pegaram suas bolsas, ficaram todas em frente ao relógio de ponto esperando dar a hora.

     Depois de terem passado o cartão, desceram a escada e saíram pela porta de aço que Jaque fechou com a chave que lhe era confiada. Depois das despedidas habituais, cada uma foi para um lado: Jaque iria pegar o ônibus sentido bairro Esperança, Carol iria pegar o ônibus sentido Centro, onde ela pegaria o ônibus para o seu bairro, já Suzana, como já foi dito, morava perto, por isso iria embora á pé.

     Perto é modo de dizer, o mercado ficava na avenida principal da cidade, Avenida Barão de Mauá, ela morava no bairro do Jardim Mauá, que começava na segunda entrada vindo em direção centro a partir do mercadinho. O motivo pelo qual Suzana não pegava ônibus era por que não havia ônibus que viesse sentido centro que virasse na entrada do seu bairro. Se quisesse, poderia pegar um, descer no centro, pegar outro que voltasse e nem desceria em sua rua, além de gastar no mínimo uma hora nisso, logo, ela preferia gastar vinte minutos e ir á pé.

     Pegou o celular em seu bolso, do outro bolso pegou os fones de ouvido, acoplou um no outro, selecionou uma musica, colocou os fones e saiu andando pela noite.

     Suzana tinha que admitir, quando fazia isso realmente não prestava atenção no que acontecia á sua volta. Não prestou atenção nos carros que passavam á toda velocidade na avenida, não prestou atenção em uma viatura que quase bateu em um carro bem perto dela, nem em varias outras coisas que estavam acontecendo á sua volta que estavam dando pistas do que estava acontecendo. Só prestava atenção na musica que ouvia.

     Atravessava a rua, mesmo no sinal vermelho, um carro quase a pegou. Ela xingou e continuou seu caminho estranhando o acontecido, afinal, era ela quem estava com a razão. Quando começou á subir a ladeira, percebeu que os estudantes que deveriam estar saindo da escola no mesmo horário não estavam nas ruas. Estranho. Então tirou o fone do ouvido e começou á prestar atenção. A noite estava muito quente e quieta, como se houvesse algo pesado no ar. Ouviu o som da sirene de uma ambulância que corria á toda velocidade na avenida lá embaixo, fazendo-a se virar para olhar. Achou muito estranho, pois lembrou-se de ter ouvido um carro de policia passar e aquele carro que quase a atropelou, será que estava todo mundo doido hoje?

     Continuou seguindo seu caminho e chegou á avenida Joaquin Chavasco, a avenida que antecedia sua rua, estava deserta, como nunca a tinha visto, até o bar, que sempre ficava aberto ao longo da noite estava com pessoas de menos e meia porta baixada. Ela passou olhando e reparou que as cinco pessoas que estavam dentro do bar estavam assistindo tv, mas não o canal de esportes, como era de costume, mas sim, o jornal. Todos tinham um ar muito estranho, e um deles veio até a porta e olhou para os dois lados da rua, procurando por alguma coisa que ele não queria ver. Quando ele viu Suzana ele fez uma cara de espanto.

     - O que você tá fazendo na rua, moleca?! Vai pra casa e se tranca! – ele gritou para ela.

     Como assim?! Quem era aquele cara? Nem o conhecia e ele estava mandando ela ir para casa como se ele fosse seu pai. Ela ficou tão bestificada com isso que nem respondeu, apertou o passo continuou seu caminho, sua casa estava á menos de cinco minutos.



     Sua casa era a primeira, quando a Joaquin Chavasco se bifurcava com a Albino Bianchi, do lado direito. Ela andava rapidamente e percebeu que uma pessoa vinha em sentido contrario ao dela, pela Joaquim Chavasco, a única pessoa que andava na rua além dela, mas havia algo estranho. Parecia ser um homem, pois parecia alto e forte, mas andava de forma estranha, meio cambaleante, torto, como se estivesse bêbado. “Ah, não! Um bêbado!” pensou. Outra vez apertou o passo, pela distancia que ele estava, ela estaria dentro de sua casa quando ele alcançasse a sua rua. Ajeitou a bolsa no ombro e caminhou rapidamente, quase como a marcha olímpica e como previra, descia a escada de sua casa antes que ele entrasse na rua.

     No momento em que descia a escada, o telefone celular em seu bolso tocou e ela atendeu quase se desequilibrando na escada.

     - Alô?

     - Suzana? Você tá em casa? – a voz de sua mãe soou do outro lado da linha.

     - Oi mãe, como vai mãe?

     - Responde menina, onde você está? – a voz de sua mãe soou nervosa.

     - Estou descendo a escada mãe.

     - Corre logo para dentro e se tranca.

     - Mas, oque. . . ? Como assim? – era a segunda pessoa que falava para ela se trancar.

     Nesse momento ela abria o portão de casa, mas como estava conversando com sua mãe no telefone de distraiu.

     - Oque está acontecendo?

     - Se tranca!

     - Mas. . .

     O telefone da casa tocou nesse momento, ela entrou e sem que percebesse deixou o portão entreaberto.

     - Espera um pouco mãe. – ela disse correndo através da cozinha e entrando na sala de estar para atender o telefone que ficava no canto da sala. Jogou a bolsa no sofá e atendeu o telefone. – Alô.

     - Suzana? – a voz de Jaqueline – Você já chegou em casa?

     - Já.

     - Você tá bem? – ela parecia nervosa.

     - Meu Deus, o que é que tá acontecendo afinal? Tá todo mundo dizendo para eu entrar em casa. – disse já irritada.

     - Liga a tv! Agora!

     Suzana sentiu um frio na barriga. Aquela sensação de que algo estava terrivelmente errado. O celular ainda estava em sua mão, então colocou o telefone de casa de ladinho na mesinha na qual ele ficava, pegou o controle remoto da tv que estava jogado no sofá e ligou a tv, que já estava sintonizada num canal de noticias. Uma repórter a qual não sabia o nome tinha uma expressão consternada, ela segurava um papel e era notável que ela tremia assim como sua voz.

     - . . . acaba de chegar da central de redação. - ela deu uma pausa e engoliu em seco, olhando para o papel em sua mão – O numero de ocorrências é impressionante, os telefones da policia e da emergência estão congestionados, mas. . . fontes em nossos blogs afirmam ser mais de 2000 ocorrências no Estado. As noticias ainda são controversas, mas todos os veículos de informações são unanimes em afirmar que. . . – a repórter leu, olhou para o lado, como se para confirmar se o que estava lendo era o que ela tinha que falar para o pais, e como se a resposta fosse afirmativa, ela tremeu mais uma vez e disse pausadamente - . . . os ataques á civis que começaram no começo dessa noite no Aeroporto de Congonhas foram causados por Mortos.

     - O que? – Suzana disse sozinha.

     - Mortos que, de alguma forma, levantaram e atacaram os vivos. A precaução recomendada é que de forma alguma os civis tentem interagir com os agressores, eles são extremamente perigosos, fortes e qualquer tentativa de conversa não funcionara. Sua intenção parece ser apenas a de causar danos com violência e. . . dentadas. Eles são extremamente violentos e acreditasse que também sejam portadores de alguma doença contagiosa, pois as vitimas, depois de atacadas, adquirem o mesmo comportamento.

     - Meu Deus do céu. – Suzana disse espantada com oque estava ouvindo. Isso não era possível.

     Ela assistia a isso boquiaberta. Será que isso era alguma pegadinha, alguma brincadeira de mau gosto? Os mortos estavam atacando os vivos? Não, isso era irreal demais. Mas aquela repórter tinha uma expressão de medo no rosto. Então começaram á exibir imagens dos acontecimentos: Pessoas que pareciam normais, mas estavam feridas, como se tivesse tido um acidente de carro gravíssimo, correndo atrás de outras que corriam em desespero; em alguns casos, um grupo de dez cercava uma garota e avançava nela, o resto da imagem era borrada, mas dava pra deduzir o que acontecia.

     Suzana até esqueceu o telefone, estava tonta com o que via na tv. Esqueceu até de que havia deixado o portão entreaberto. Ouviu uns passos na cozinha, mas ela morava sozinha. Virou-se, olhou para a porta da sala que levava á cozinha e viu que um homem estava entrando na sala, mas não era um homem normal, era um morto!    

     Ele era o mesmo homem que andava cambaleante na rua á pouco. Talvez ele tivesse visto Suzana, talvez ele tivesse sentido seu cheiro, a questão era que ele havia descido a escada, sabe Deus como, e agora estava ali, na sua casa. Ela não o conhecia, era branco, com uma camisa azul muito escura e uma calça jeans, seu lado esquerdo estava lavado de sangue, a cabeça, o pescoço tinha um ferimento enorme, e parecia que faltava um pedaço e de lá, jorrava o sangue que molhava sua roupa e fazia uma trilha no chão. Ela gritou e caiu no chão. A criatura soltou um guincho alto, como um animal enraivecido e avançou em direção á ela, mas ela foi ágil e escapou por baixo de seu braço que estava aberto para agarra-la. Ela saiu correndo pela cozinha, trombando na mesa de jantar. A cozinha era o cômodo central da casa, ao qual os demais cômodos estavam ligados, assim como seu quarto. Ela entrou em seu quarto com a criatura vindo cambaleante em seu encalço. Ela correu e entrou em seu banheiro, trancando-se, em seguida caiu no chão, batendo as costas na parede.

     Alguns segundos depois, ouviu a criatura soltar o guincho hediondo outra vez para em seguida começar á bater e á chutar a porta.

     - Meu Deus! – ela chorava. Ainda na mesma posição estatelada.

     A criatura continuava a bater, insistindo.

     A porta do banheiro estava ali desde que se lembrava, desde que era criança. Era de madeira boa e forte e mostrava poucos sinais de desgaste, mas isso não era motivo de alivio. Ela não sabia quanto tempo a porta aguentaria.

     Suzana respirava descompassadamente, nervosa. Tremia dos pés á cabeça, isso não podia estar acontecendo. Durante toda sua vida, assistira á filmes de zumbis, era fã de George Romero, mas ver essas coisas, essas criaturas na vida real era. . . era horrível.

     A criatura fez silencio e tudo ficou quieto, a não ser pela respiração de Suzana. Ela se ajeitou e ficou escutando. Nada. Se levantou, sufocando o choro com as mãos. Ela tremia mas foi se aproximando da porta. Ela encostou o ouvido na porta, tentando ouvir alguma coisa e nesse momento, a criatura bateu mais forte, chutando e esmurrando, arranhando com as unhas loucamente e guinchando daquele modo grotesco.

     Outra vez Suzana caiu no chão desesperada. Encolheu-se, abraçando as pernas e balançando como uma criança.

     - Pai nosso, que estais no céu, santificado seja vosso nome, venha á nos o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. . .

 

     Suzana abriu os olhos, a luz entrava pela pequena janela quadrada do banheiro. Sentiu uma dor horrível na barriga e se colocou sentada, o banheiro estava diferente, estava claro com a luz do sol. Levantou a polo verde e viu um hematoma como um traço na barriga, o encontro com a mesa na hora da fuga. Parou para ouvir. Percebera ao longo da noite que a criatura ficava quieta de proposito esperando que ela se aproximasse da porta, agora sim sabia que a criatura sentia seu cheiro, ela sabia que Suzana estava ali e não iria embora. De vez em quando Suzana o ouvia arranhar a porta com as unhas e respirar como se estivesse constipado. Suzana chorara tanto que dormira com tanta dor de cabeça, se bem que a pancada que levara na cabeça quando caíra de encontro a parede do banheiro contribuía muito.

      Levantou-se caminhou lentamente até o vaso sanitário. Se aliviou e em seguida foi até a pia, lavou as mãos e bebeu um pouco de agua. Olhou para a porta, a criatura que estava quieta voltara a bater na porta com violência, mas Suzana não tremia mais. Tivera bastante tempo para perceber que o morto não derrubaria a porta, por mais perigoso que fosse, não derrubaria uma porta de madeira maciça, seu problema era outro agora. Estava em um banheiro, mesmo que tivesse agua por um certo tempo, não tinha comida. Se não desse um jeito de sair de lá, morreria de inanição em pouco tempo. Não tinha para onde correr.

 

     O dia corria lento. Era o terceiro dia dentro do banheiro, Suzana estava encostada na parede, com as pernas estiradas no chão. Estava sem a camisa, só de sutiã, pois a camisa pendia molhada na pia, depois de ter se lavado precariamente na pia. Ela jogou um pedaço de azulejo que havia se soltado da parede com o seu impacto, e sua maior diversão era ficar jogando esse caco para lá e para cá. Ela jogou o azulejo na porta e outra vez a criatura se manifestou.

     - Cala a boca! – ela disse sem paciência esfregando as têmporas doloridas.

     Pior do que morrer de inanição era ficar ouvindo aquele ruído irritante até a hora derradeira. Ela devia ter imaginado que o fim seria assim, morrer de fome e de tedio.

     - Meu pai, você era chato assim quando você era vivo?

     Nesse momento ouviu um barulho, como de vários passos dentro de casa e a criatura guinchou. Pronto, agora sim, um monte desses e derrubariam a porta. Levantou-se apreensiva, no entanto algo estranho aconteceu.

     - Pode deixar, chefe, ele é meu! – Suzana ouviu a voz de um homem dentro do quarto.

     Ouviu um som metálico, como de o engatilhar de uma arma e então vários tiros. Suzana se agachou se encolhendo no canto do banheiro. Ouviu o som de alguma coisa pesada e mole caindo no chão, depois sangue escuro entrou por baixo da porta do banheiro. Suzana se levantou, não queria que aquele sangue tocasse nela pois lembrou-se do que a repórter disse três dias atrás.

     - Chefe, - a mesma voz disse outra vez – Tem alguma coisa ali dentro, eu vi sombra por baixo da porta.

     Suzana prendeu a respiração quando forçaram a maçaneta e constataram que a porta estava trancada por dentro.

     - Tem alguém vivo aqui?!

     - Tem! – ela gritou e abriu a porta, deparando-se com uma imagem que nunca imaginou ver na vida:

     Haviam cinco homens em seu quarto, com farda do exercito, portavam rifles e calibres 12 e outra gama de armas que ela não identificava mas que estavam apontadas para ela. A criatura estava jogada no chão praticamente sem a cabeça e seu sangue inundava o quarto e entrava no banheiro. Ela tinha os braços levantados mostrando que era inofensiva, pois estava assustada com aqueles soldados.

     - Moça, você está ferida? – o que parecia ser o líder disse com voz imponente.

     - Não.

     - Foi mordida ou atacada?

     - Não. – sua voz tremeu, eles apontavam a arma para sua cabeça.

     - Esse sangue entrou em contato com a senhora?

     - Não.

     Um dos soldados se aproximou dela e olhou bem no fundo de seus olhos. A pegou nos braços com uma delicadeza que ela estranhou e relutou um pouco.

     - Calma, amor.

     Ele a carregou até a cama, tirou a jaqueta da farda e a colocou sobre os ombros dela, cobrindo sua semi-nudez, um toque de cavalheirismo.

     - Qual seu nome? – ele disse tirando uma mecha de seu cabelo que caia em seu rosto.

     - Suzana.

     - Meu nome é Lucas. Há quanto tempo estava trancada no banheiro, querida? – ele disse com voz macia.

     - Três dias. – ela respondeu mais calma. – O que vocês estão fazendo aqui?

     - Somos desertores.  – ele sorriu - O mundo acabou, o governo, foi pelo ralo, estamos tentando achar algum lugar seguro e enquanto isso, vamos fazendo umas paradinhas.

     - Estão saqueando a minha casa? – nesse momento ouviu o som de vidro se quebrando na cozinha e percebeu que três soldados não estavam mais no quarto, apenas Lucas e o Chefe continuavam lá.

     - Ainda bem que estamos, não é? – ele sorriu naturalmente. – Está com fome? Claro que está. Vou trazer alguma coisa pra você comer.

     Com um olhar terno, ele se levantou e saiu do quarto, deixando apenas o Chefe com Suzana. Ela continuava ouvindo o barulho pela casa, das portas dos armários sendo abertas e seu conteúdo sendo saqueado. Isso era realmente o fim do mundo. Ela percebeu que os olhos do chefe estavam fixos nela, mais precisamente na jaqueta aberta. Inconscientemente ela se encolheu e fechou o zíper da jaqueta.

     - Desculpe se parecemos grosseiros, mas as coisas estão confusas no mundo. – ele disse com tom ameno

     - Eu agradeço pela ajuda, se não fosse por vocês eu teria ficado trancada naquele banheiro até morrer de inanição. – ela disse moderando a voz e tentando ignorar o fato de que estavam depenando sua casa.

     - Bem, como Lucas disse e você também já deve ter percebido, querida, o mundo foi pelo ralo. Não há mais governo, não há mais policia, nem criminosos, só existem sobreviventes. – ele disse com um tom estranho. – Espero que esteja me entendendo.

     - Estou. – não estava.

     - Pessoas nessas condições se transformam e agem de forma que não agiriam em sã consciência. Elas podem ser perigosas. Pode vir com a gente, se quiser. Uma garota novinha como você não pode ficar por ai desprotegida, podemos proteger você.

     - Como?

     - Ou você prefere ficar e voltar para o banheiro.

     Eles se olharam por um tempo.

     - Muito bem, to vendo que isso vai ter um preço.

     - Você é esperta. – ele disse com um meio sorriso.

     Ele tirou a jaqueta e a camisa camuflada e se aproximou de Suzana.

     - Vai ter o meu preço. – ela disse impedindo ele com a mão. – Você vai me dar uma dessas armas também, vai me ensinar a usar e vamos até a cidade de Pilar, ver se minha mãe está viva.

     - Justo.

     - Justíssimo. – Suzana concordou abrindo a jaqueta.