segunda-feira, 17 de setembro de 2012

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Trecho de "Quimérico" , por Natalia de Oliveira


     A primeira coisa que Ethan Downey notou assim que acordou era que havia algo errado. Ainda estava naquele estagio em que se está meio desperto, meio dormindo, não sabendo ao certo se ainda está sonhando, mas com certeza, havia algo errado. Estava com frio, isso foi uma das primeiras coisas que sentiu. Passou a mão no colchão á procura do cobertor, e com estranheza percebeu que não havia cobertor, nem lençol, nem travesseiro, e aquele colchão era estranho, era mole demais, ele tinha um cheiro para lá de esquisito, não sabia o que era, parecia suor misturado com urina e alguma bebida fermentada, definitivamente não era o cheiro do seu colchão, então se mexeu um pouco, e nesse momento sentiu dor, uma dor bem real, então abriu os olhos, despertando de vez.

    O susto inicial durou pouco, dando lugar ao pânico que veio a seguir. Realmente aquela não era sua cama, não era seu quarto, não era sua casa. Era um colchão de espuma velho, fedido, com uma cor que ele não conseguia descrever, jogado no chão de um lugar não menos preocupante, igualmente velho, frio e caindo aos pedaços.

     Com cuidado por causa da dor, colocou-se sentado e olhou em volta, em pânico: estava num quarto de hotel ou pensão bem barato. Sabia disso, mas como sabia disso? Não havia quase nada no quarto, além do colchão, um sofá e uma mesinha de centro caindo aos pedaços, com no mínimo dez garrafas de cerveja e vodca ice. Chutava esse numero, por que não queria contar, pois se contasse, seriam bem mais que dez. Havia muita sujeira: papeis amassados e jogados como se o chão do quarto fosse uma grande lata de lixo, e a julgar pelo cheiro, lixo do banheiro; algumas caixas de pizza com o interior verde de bolor e viu no canto uma coisa peluda se mexendo. Se era um gato ou um rato muito grande, Ethan não queria ficar ali para descobrir. Com muita dificuldade, ele conseguiu se por de pé, agarrando-se na parede, a dor que sentia era no corpo todo, mas principalmente na barriga e no rosto, passou a mão no rosto aonde doía, perto da sobrancelha, e sentiu a mão grudar. Assustado retirou a mão rapidamente e olhou, havia sangue coagulado em sua mão. Horrorizado olhou de novo para o colchão, havia uma roda vermelha aonde devia ter encostado a cabeça.

     - Meu Deus! – sua mão tremeu e ele quase caiu, perdendo momentaneamente as forças das pernas.

     Dando a si mesmo um tempo para se recuperar, foi colocando os pensamentos em ordem, parando para pensar racionalmente: não fazia a menor ideia de onde estava, ou por que estava, como havia ido parar lá, estava obviamente ferido e estava com medo. Olhou outa vez para as garrafas, outra vez recusando-se a conta-las, então uma coisa lhe ocorreu: levou a manga da camisa que usava ao nariz e a cheirou, então com espanto percebeu que o cheiro ruim que sentia vinha dele. Nesse momento sentiu-se enjoado e colocou a mão na boca para não vomitar em si mesmo. Olhou em volta, viu uma porta entreaberta dentro do quarto e de relance viu um vaso sanitário. Com a velocidade que lhe era permitida, correu em direção á ele, escancarando a porta e quase caindo de cara no vaso. Vomitou muito, parecia que não ia parar nunca. Quando terminou, ficou estendido no chão daquele banheiro que conseguia ser mais xexelento que o resto do quarto, sentindo aquele gosto horrível na boca e aquele cheiro azedo no ar, só não vomitava por não ter mais o que vomitar. Com mais dificuldade do que da primeira vez, levantou-se apoiando-se com nojo no vaso e foi apoiando-se no que via e assim chegou á pia. Abriu a torneira e bebeu um pouco de agua, olhou no espelho junto a pia e viu que seu supercilio direito estava cortado e havia outro corte na face esquerda, deixando seu rosto quase totalmente sujo de sangue. Lavou o rosto com agua corrente, lavando bem os cortes e voltou a se olhar no espelho.

     - O que você fez? – disse em voz alta, olhando para o homem de cabelos negros desgrenhados, o olho direito azul e o esquerdo verde e pele muito branca, com as marcas do sangue coagulado se prendendo na linha do couro cabeludo e olheiras roxas refletido no espelho.

     Respirou fundo, pois outra vez sentiu seu estomago embrulhar e virou-se de costas para o espelho, não queria ver mais aquela imagem decadente. Passou a mão tremula no cabelo e saiu cambaleante do banheiro. Olhou o quarto de outro ângulo e viu que na verdade era um pequeno apartamento, uma pequena mureta dividia o lugar com uma cozinha (ou o que deveria ser uma cozinha) com uma geladeira que devia ter a sua idade, um fogão velho e um armário de cozinha de madeira com duas portas penduradas e uma gaveta faltando. Olhou para si mesmo, usava uma calça jeans de lavagem escura, um sapato preto muito brilhante e aparentemente caro e uma camisa que tinha um design de sobreposição nas mangas e na barra, em tons de xadrez roxo e preto. Estranhou, aquela roupa não era dele, não era seu estilo nem de perto, sempre acostumado á se vestir de forma um tanto mais simples. Sentiu uma coisa estranha na nuca e passou a mão, era um pedaço de papel duro, mas estava preso ao tecido. Forçando, ele arrancou o pedaço de papel e viu que era a etiqueta da camisa. Seu look era novo, e se considerasse a marca da loja, era caro.

     Olhou em volta procurando alguma coisa que fosse sua, e caído ao lado do colchão ele encontrou sua carteira, pequena e de couro marrom escuro. Ansioso ele a abriu e lá encontrou sua identidade, seus cartões, pelo menos duzentos dólares em dinheiro, e o mais aterrorizante, as notas das roupas, seu visual havia custado quatro mil dólares.

     - Mas que droga! – disse ele espantado. – Mas como. . .?

     Parou. Não queria pensar nisso agora, não aguentaria pensar nisso agora, não ali. Aquele lugar lhe dava nojo, lhe causa um mal estar, não queria ficar mais nenhum segundo ali. Levantou-se e caminhou na direção da porta de saída do quarto depois de ter certeza que não deixara nada de seu naquele lugar, (na verdade isso se resumia na carteira) e saiu com um único pensamento na cabeça: “Eu te odeio, Nathan!”.

 

 

 

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