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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

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O que vocês acham dos ebooks?

     Olá Leitores!!
     Eu amo esse blog, me dedico muito á ele e estou sempre buscando novas formas de trazer conteúdo de qualidade para vocês. A resposta recebida, com tantas visitas, seguidors e comentarios, é gratificante. Tanto é que queria retribuir á vocês de alguma forma!
     Vi em alguns blogs voltados para a literatura que seus administradores lançam mão de um atificio interessante, o sistema de Promoções. Os seguidores participam, e depois acontece o sorteio de livros e marcadores de páginas. Claro que isso acontece quando o blogueiro administrador possui os livros em questão ou em parceria com as editoras parceiras.
     No entanto, no meu caso há um problema: Não tenho meios (dinheiro) para comprar tantos livros assim, e ainda estou começando com a parceria com as editoras, por isso, fica dificil fazer esse tipo de promoção como é feito nos demais blogs que eu conheço. Mas eu queria tanto poder fazer algo desse tipo por vocês, Leitores, principalmente porque faço resenhas de livros um tanto classicos que não se acham muito por ai e em alguns comentários, percebo que muita gente não havia lido o livro antes, embora ele já fosse um pouco antigo.

     Depois de muito pensar (levantar, esticar as pernas, tomar um café, dormir um pouquinho e assistir os Simpsons) me ocorreu a seguinte idéia, deixe me explicar: O que vocês acham dos ebooks?
     Eu sei que não é a mesma coisa que um livro palpável em suas mãos, não terá o cheiro de livro novo, não haverá marcadores bonitinhos, mas a história estará lá, a essência do livro estará lá. Eu tenho um acervo grande de ebooks e ficaria feliz em compartilhar com vocês! Além do fato de não ser necessário esperar pela boa vontade do correio, ebook se manda por email!!!!

     Eu quero muito fazer promoção dos livros que eu li e gostei muito, mas seria com os exemplares ebook (pdf) dos livros. Então eu pergunto, meus Leitores, o que vocês acham?? Prefiro perguntar para vocês primeiro e saber o que vocês acham.
     Deixem suas opiniões nos comentários e dependendo das respostas, um novo horizonte será explorado nesse blog.



Natalia de Oliveira
criadora do blog


    

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

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Trecho de "O Padre e a Bruxa" de Natalia de Oliveira




     "Ethan despertou devagar, enquanto abria os olhos, ainda estava naquele momento entre o sonho e o despertar, tudo meio que em névoa. Estava deitado, nu, numa cama que não era a sua. Então sua visão foi entrando em foco e o que viu foi o rosto adormecido de Samantha que ainda dormia de frente á ele, seu cabelo ruivo espalhado pelo travesseiro e uma expressão de paz tão linda que Ethan sorriu. Sentiu o perfume dos cabelos dela e a lembrança do que havia acontecido lhe ocorreu em uma fração de segundos, aquecendo seu coração e mais uma vez sorriu. Naquele momento, não pensava em seus deveres, nas consequências, na igreja, se era errado ou não, em nada, tudo o que queria era que aquele momento durasse para sempre. Sempre havia se perguntado como seria estar apaixonado por uma pessoa á ponto de arriscar tudo por ela, agora sabia.

Olhou para a janela que ficava perto da cama, estava escuro lá fora. Por quanto tempo dormira? Já devia ser muito tarde, mas para a sua surpresa não se importava. Sentia-se feliz como nunca se sentira na vida e nada mudaria isso.

Ele se aproximou mais de Samantha e beijou de leve seus lábios. Ela se mexeu um pouco, mas não acordou.

- Eu te amo. – ele sussurrou acariciando seu rosto e ela pareceu sorrir. Era verdade, naquele momento, oque Ethan sentiu pela primeira vez foi amor.

Ethan ouviu um barulho lá fora, como de farfalhar de folhas secas no chão. Ele virou-se em direção á porta por um instante intrigado, mas como o barulho não continuou ele voltou á sua posição inicial de frente para Samantha, ignorando o perigo que se anunciava. Demorou alguns minutos até que outra vez ouvisse o barulho, dessa vez mais perto da casa. Dava a impressão de que eram passos, não de uma, mas de varias pessoas. O som parecia rodear a casa, lentamente, como se estivessem tomando cuidado para não serem percebidos. Ethan intrigado colocou-se sentado e passou á prestar atenção e ficou olhando para a janela, quase soltando uma exclamação de susto ao ver um vulto passar por ela. Sentiu uma sensação terrível nesse momento, de que algo estava terrivelmente errado. O que estava acontecendo? Ele estendeu a mão para acordar Samantha, mas isso não foi preciso, pois nesse momento, a porta da cabana abriu-se com um estrondo, acordando Samantha com um pulo. Ella abraçou Ethan por trás, para também esconder sua nudez. Um homem grande, de jeans, boné e camisa de flanela entrou, ele havia aberto a porta no chute! Mais cinco homens entraram, todos no mesmo estilo grande e mal encarado, caipiras valentões, digamos assim. Não os conhecia, mas podia jurar que já os tinha visto nas “rodas de orações” de Annabeth, e agora eles estavam invadindo a cabana.

- Ele está com a bruxa! – um deles disse com uma voz vacilante, como se ele tivesse tomado um litro de energético Red Bull – Pega ele!

- Quem são vocês?! – Ethan protestou ao ver essa invasão. Como resposta, levou um tapa na cara.

Dois dos homens pegaram Ethan pelos braços, arrastando-o para fora da cama e da casa, como se ele fosse um animal, pouco se importando com o fato de que ele estava nu.

- Não! – ele protestou, tentando desvencilhar-se, debatendo-se como um gato, mas eles eram maiores e mais fortes. – Me solta! – ele continuava. – Samantha! – ele gritou, pois estava temendo oque aqueles homens pudessem fazer com ela, mas Samantha veio logo atrás, sendo arrastada do mesmo modo gentil por dois daqueles homens, estranhamente, um deles ainda ficou na cabana, aquele que havia arrombado a porta.

- Por favor! – Samantha gritava, chorava, eles a arrastavam pelos cabelos, e também não se importaram que ela também estivesse nua. – Não! – eles a jogaram no chão. Ethan podia ver seu olhar aterrorizado.

Os fanáticos os arrastaram até o gramado do lado de fora da cabana, onde muito mais gente esperava. Toda a congregação de Annabeth, aqueles fanáticos estavam ali, eram dezenas, com tochas, como um levante medieval, um comitê de linchamento.

- Não toquem nela! – ele gritou.

Os fanáticos que seguravam Ethan fizeram com que ele se ajoelhasse e começaram a investir socos contra sua face, e no terceiro soco, quando caiu ao chão, começaram á chutar seu estomago de forma violenta.

- Parem, meus irmãos. – ele ouviu uma voz calma dizer atrás dos agressores e eles realmente pararam. Era a voz de Annabeth que havia se aproximado enquanto os brutamontes espancavam Ethan. – Ele é inocente, foi corrompido pela bruxa.

Os agressores o levantaram para que ele olhasse para Annabeth. Ela estava com os cabelos um tanto emaranhados, seus olhos estavam arregalados e as pupilas dilatadas. Seu conjunto de linho lilás não combinava com a bolsa de couro marrom que trazia apertada embaixo do braço como se a bolsa fosse fugir dela. Finalmente havia acontecido, Ethan pensou, a loucura finalmente havia tomado conta de Annabeth. Não havia nenhum ser racional ali.

O homem que havia ficado na casa voltara agora, trazia duas peças de roupa, uma camisola branca de algodão que ele jogou na cara de Samantha que tremia compulsivamente e a calça jeans que Ethan usara aquela tarde, que por sua vez também foi jogada em sua cara.

- Cubram sua vergonha, pecadores. – Ela disse dando uns passos para trás.

Samantha olhou desesperada para Ethan. Ele retribuiu o olhar como que dissesse “Faça oque eles mandarem, eles são loucos, droga!”. Ambos se vestiram com as peças trazidas, no entanto continuavam sob o domínio dos agressores que os seguravam. O rosto de Ethan doía, bem como sua barriga e suas costas e manter-se ajoelhado era difícil.

- Aproveitou bem seus momentos de devassidão, padre? – Annabeth disse aproximando-se agora que eles não mostravam mais suas “vergonhas”.

- Você é louca! – ele disse com ódio.

- Louca? – ela fez uma cara de ironia. –Você dá as costas á Igreja para fornicar com aquela cadela e nós somos os loucos? - uma enxurrada de “Améns” se seguiram á essa frase. – Mas eu entendo, você foi corrompido, todos nós fomos, com palavras doces e olhos de serpente. – ela se aproximou dele e acariciou seu rosto, como faria com uma criança. – O momento da expiação chegou, e eu aposto que vocês não estavam esperando por isso.

- Se encostar em um fio de cabelo dela eu juro por Deus que. . .

- Oque? Jura o que? – ela riu – Você caiu em desgraça aos olhos Dele, Padre. – ela se virou para a multidão dizendo em alto e bom som – Estão vendo, meus irmãos, oque aquela maligna criatura fez?! – ela apontava para Ethan – Esse não era um rapaz qualquer, era um servo de Deus, puro, e ela o escolheu, ela o desvirtuou. Olhem para ele, – ela apontava – a arrogância e a luxuria o tornaram cego. Mas a culpa é dele?

- Não! – a multidão disse em coro.

- De quem é a culpa então, meus irmãos?

- É da bruxa! – responderam mais alto, levantando as tochas.

- Nós podemos deixar que essa cadela continue com o trabalho do Inimigo, que continue á nos afastar do caminho do Senhor?!

- Não!

- Não, não podemos. – Annabeth disse baixo.

Ela se aproximou de Ethan outra vez, com aquele olhar louco que ela tinha.

- Pelo menos nisso você foi muito útil, Padre O’connel. – ela abriu a bolsa que trazia apertada junto ao corpo e de lá tirou um livro. De começo, Ethan achou que fosse uma bíblia, mas percebeu que já tinha visto aquela capa antes.

- Meu Deus, não. . . – ele murmurou.

Ela levantou o livro alto e os detalhes em dourado na capa de couro cintilaram com as luzes das tochas e ouve uma ovação por parte da multidão. Era o “Martelo das bruxas”, o livro errado nas mãos erradas. Isso não podia estar acontecendo, como ela conseguiu o livro? Ele estava trancado em sua gaveta.

- Esse livro, irmãos, abriu os meus olhos.– ela disse com um sorriso macabro. – Obrigada, Padre, por ele. Ethan olhou para Samantha que o olhava com verdadeiro desespero. – Que tal começarmos com o básico? Amordacem-na e joguem-na no rio, se ela boiar, veremos o que faremos.

- Não! – Ethan gritou

Nesse momento, ele sentiu uma dor forte na parte de trás da cabeça, uma pancada, então caiu no chão e desmaiou. . ."

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

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"Sebastian" , capitulo III , por Natalia de Oliveira

Parte I
Capitulo III
"Renascimento"

       Seu presente de boas vindas foram duas costelas quebradas, hematomas e escoriações pelo corpo todo. Apanhara como um condenado. Don Giovanni tinha razão, durante toda a sua vida jamais se esqueceria dessa surra. Não dormira naquela noite, desmaiara no chão daquele quarto por causa da dor e acordara na manhã seguinte quebrado, como nunca se sentira em sua vida. A cama estava intocada, ninguém dormira ali, Don Giovanni devia ter passado a noite fora.

       Vicenzo recebera ordens para chamar o garoto que vinha descendo as escadas com muita dificuldade e dor. Seu dono o esperava sentado no sofá da sala, usava óculos para esconder os olhos vermelhos e a olheiras provocadas por causa da bebedeira da noite anterior, em uma festa.

       - Vamos logo. – levantou-se, pondo-se a andar até a porta. Não estava tão gentil como na noite anterior, provavelmente devia estar de ressaca.

       Os dois deixaram o casarão a atravessaram o jardim que á luz da manhã revelava toda a sua beleza numa explosão de cores nas mais variadas flores. Como antes, sentaram-se um de frente para o outro na limusine.

       - Aonde vamos? – perguntou Chandler assim que o motorista deu a partida. – Espero que até aquele restaurante, eu estou morrendo de fome. – disse provocando.

       - Vamos ao seu trabalho. – respondeu seco.

       - Está de mau humor? – cinicamente fingia uma expressão preocupada.

       - Sim, eu estou, e é melhor não me encher o saco. Minha dor de cabeça já está forte o suficiente.

       Chandler riu por dentro, já que a dor o impedia de rir fisicamente.

       - Que bom. – disse para que Don Giovanni ouvisse e notou que ele o fuzilava com os olhos.

       - Só estou me dando ao trabalho de levar você porque depois de deixá-lo, vou direto para a minha casa em Roma. – estava irritado.

       - Pensei que sua casa fosse essa.

       - Não, é só uma delas, um lugar que fico quando venho á Nápoles. O ponto forte dos meus negócios fica em Roma. – ele riu de repente – eu nem sei por que estou discutindo negócios com você.

       - Talvez porque eu seja um de seus negócios. – disse áspero.

       Don Giovanni olhava fixamente para Chandler, ele era diferente dos outros, insolente, belo, olhava-o nos olhos, parecia indomável. Nem o “presentinho” de ontem o colocara em seu lugar. Ele parecia assustado quando chegara, mas agora era como se a surra houvesse despertado algo nele.

       O garoto também se sentia assim, quando acordou, viu tudo claramente. Estava no mundo de Dom Giovanni agora, e se quisesse sobreviver nele teria que ser forte e não demonstrar medo dele, coisa que o próprio Don Giovanni lhe aconselhava a fazer. Um pouco de provocação, não muito, só pra mostrar que não ia ser dobrado tão fácil assim.

       - Você vai para as ruas, meu querido. A sua missão é trazer dinheiro, o modo você escolhe, o importante é trazer. Você dá o dinheiro que conseguir ao seu superior, que por sua vez o dá a Vicenzo, que conhece muito bem. – riu – É simples, ou quer que eu explique de novo?

       - Eu sou um escravo? – perguntou mais para si mesmo, mas a resposta veio de seu dono.

       - Mais ou menos isso. – deu de ombros.

       - Serei seu pra sempre? – perguntou desconsolado.

       - A coisa funciona assim: você é meu até morrer, oque não é muito raro nas ruas, ou até que pague a divida que tem comigo.

       - Eu não te devo nada! – protestou indignado.

       - Eu comprei você, e foi bem caro, lembra? Foi um investimento do qual eu espero lucro.

       - Quando eu tiver pagado tudo, então, me deixará ir?

       - “Se", - ele frisou – se estiver vivo até lá. Mas pode subir de posição também, se quiser, com o tempo. – afirmou pensativo – Notei que é esperto, não abaixa a cabeça, tem potencial. Assim como eu. E ai, - riu – não vai querer partir.

       - Eu jamais serei como você.

       - Duvida?

       Essas palavras fizeram Chandler pensar. “Era possível gostar dessa vida de escravo?”.  Impossível! Era a pior coisa do mundo. Embora talvez demorasse a pagar. Porém Don Giovanni era a prova viva do que estava falando, fora um escravo, assim como era um agora. Um arrepio subiu por sua espinha, uma imagem horripilante passou por sua cabeça: ele, vestido como Don Giovanni, falando como ele agindo como ele. Temeu que no futuro pudesse ficar assim.

       Não demorou até que o carro parasse num Beco de Nápoles, que era na verdade a divisa entre um açougue e uma loja de artigos religiosos, em algum lugar da periferia da cidade.

       - Descemos aqui. – o motorista desceu do carro e abriu a porta para seu patrão descesse.

       O garoto, com muita dificuldade, desceu da limusine e deparou-se com um lugar feio. Havia um grupo de jovens mais á frente, quase no final do beco, eram seis, todos de aparência muito estranha, havia um tipo de sombra neles que não lhe agradava. E todos olhavam para ele, analisando o novo colega. Eram a s crianças de Don Giovanni.

       Caminharam pelo beco, indo em direção ao grupo. O homem conduzia Chandler como se estivesse mostrando uma obra de arte que acabara de arrebatar em um leilão.

       - Faz um bom tempo que não te vejo senhor. – um dos garotos se adiantou.

       Ele era loiro, olhos castanhos, usava uma roupa simples, mas boa, calça jeans e uma jaqueta jeans. Era arrogante, Chandler podia ver em seu jeito de andar e olhar. Fumava algo, oque, nem queria saber, seja lá o que fosse o cheiro era horrível. Do grupo sem duvida era o mais bonito, aparentava ter uns dezoito anos de idade e pelo jeito era o superior do grupo. Ele aproximou-se de Don Giovanni e para sua surpresa, eles se cumprimentaram com um longo beijo. O que espantou Chandler, nunca tinha visto dois homens se beijando.

       - Estive fora. – Don Giovanni disse afastando-se.

       - E trouxe um presente. – disse o loiro voltando sua atenção para Chandler com um sorriso malicioso. – Quem é essa gracinha?

       - Meu mais novo investimento. – sorria – Chandler.

       - Chandler? Que nome é esse?

       - É americano. – justificou.

       - E é tímido. – o loiro completou.

       O garoto se aproximou de Chandler e deu uma tragada no cigarro, analisando-o de cima a baixo. Então estendeu a mão.

       - Sou Francesco, prazer.

       - Não posso dizer o mesmo. – respondeu sem demora.

       - Ele já está entregue, cuidem bem dele garotos.

       Dom Giovanni girou nos calcanhares e saiu voltando apressado para a limusine, deixando o garoto sozinho com o grupo. Viu-se completamente abandonado. Francesco não tirava os olhos dele. Sentiu que o estava analisando, vendo se era bonito o suficiente, forte o suficiente para ser um deles. Isso além de incômodo era constrangedor, Francesco o rodeava, fumando aquela coisa horrível, já estava começando a fica enjoado com aquele cheiro.

       - Foi uma pena oque fizeram com você. – disse referindo-se aos hematomas em seu rosto. – Mas vai passar. Todos nós passamos por isso quando chegamos.

       - Isso deveria me consolar? – disse ríspido.

       - Soou como um consolo? – Francesco respondeu sarcástico.

       - Seu inglês é bom.

       - Aqui é a Europa, o mundo todo vem até nós. O inglês se tornou a língua universal. Você por outro lado, vai ter que aprender italiano, mas não se preocupe, nós te ensinamos.

       - Você é daqui?

       - Sou, mas como você, outros vieram de fora. – deu a volta e foi até onde seus amigos estavam – Deixe-me apresentá-lo á família: esse é Juan; veio da França, Marc, também da França; Vicente é daqui; - sorriu – e os gêmeos Luigi e Pietro, que são daqui mesmo. Garotos, esse é. . . – hesitou, aproximou-se de Chandler e disse ao pé do ouvido – Sabe, esse seu nome é muito exótico, para não falar estranho, todos nós somos discretos aqui, então vamos improvisar. – parou um pouco para pensar e disse em voz alta. – Esse é Sebastian, nosso mais novo amigo. - disse voltando-se para o garoto – Esqueça agora o seu passado. O que aconteceu antes não importa. Agora você renasceu.

       Chandler havia renascido sim, agora era Sebastian, e aquele era o primeiro dia do resto de sua vida. Não sabia ao certo explicar como se sentia, era como se estivesse num pesadelo, e por mais que tentasse, sabia que não acordaria. Ali naquele beco, teve noção do que havia acontecido com ele: era um garoto de rua, sujeito a todos os tipos de perigo que esta oferecia, humilhado, arrancado de sua terra, as palavras de Don Giovanni faziam sentido agora. O mundo era feio, diferente daquele que conhecia, não havia mais ninguém no mundo que ele amasse. O destino que se afirmava no horizonte nunca lhe parecera tão negro, e nessa perspectiva, Chandler Desmont não iria sobreviver.

       Mas iria sobreviver, iria arranjar coragem e manter-se vivo, não importasse quais as provações que a vida ainda lhe reservasse, tudo com um único e firme propósito: iria ficar vivo para que um dia, voltasse á América para acertar as contas com Robert Murphy, jurou para si mesmo que o destruiria, nem que isso fosse a última coisa que fizesse, nem que morresse tentando, iria vingar-se e a seu pai. Mas para isso teria que mudar, assim como seu nome fora mudado, teria que deixar de ser aquele garoto besta e ingênuo para se tornar Sebastian.

 

       As portas do escritório de Robert Murphy se abriram bruscamente, assustando-o por um momento, no entanto o que entrou por aquela porta não era nada assustador. Jake Piston, o delegado da cidade de Aaron River. Não mandava em nada, era tão significante quanto um peso de papel, mas parecia enfurecido. Era um homem de meia idade, já calvo, sua barriguinha saliente denunciava seus excessos. Usava uma calça marrom, uma camisa branca por baixo do paletó marrom. Tinha a gravata afrouxada e parecia que ia ter um ataque cardíaco ali mesmo.

       - O que faz aqui? – Robert Murphy desdenhava colocando de lado os papeis que analisava.

       - Se quiser brincar de incendiário, faça isso longe da minha jurisdição. – Jake dizia furioso.

       - Do que esta falando, homem? – usava o tom mais desinteressado que encontrou.

       - A oficina do Desmont!

       - Ah, aquilo foi um acidente, um infeliz acidente, pergunte a qualquer um, aquele lugar era muito velho. A fiação elétrica era um horror, e os produtos químicos que ele usava. . .

       - Será que é isso o que a perícia vai dizer? – Piston insinuava.

       - Vai, se você for esperto e tiver uma palavrinha com eles, como sempre. – parecia muito calmo.

       - Dessa vez não. – o nervosismo saltava aos olhos.

       - Como assim?

       - Se isso foi um acidente como diz, onde está o outro corpo? – dizia enigmático.

       - De quem? – disse cínico.

       - Deus do céu! – exclamou exasperado – Do garoto, do filho dele!

       Houve um silêncio mortal na sala.

       - Se bem me lembro, Delegado Piston, é seu dever saber, e eu não vejo razão para você estar me perguntando essas coisas.

       - Recebi uma ligação muito interessante hoje, de Washington. Isso virou uma investigação federal. Vão mandar alguém aqui para cutucar esse caso.

       O homem estava visivelmente abalado e pôs-se a andar de um lado para o outro do escritório.

       - Seu incompetente, como deixou isso vazar?!

       - Isso não importa o caso agora não é um simples acidente, uma criança está desaparecida. Eles vão querer exumar o corpo do Desmont, e não estranharei se encontrarem qualquer objeto metálico alojado nele. – parou para encará-lo.

       - O que está insinuando, seu verme?

       - Nada, só estou te avisando que não cobriu seus rastros direito, e por isso seu pescoço está perigando.

       - O meu não é o único, levando-se em conta que o delegado que alegou acidente foi você. Fique esperto e dê um jeito de contornar isso antes que os Federais comessem a bisbilhotar, caso contrário, uma cabeça vai rolar, e não será a minha. – Robert disse objetivo.

       Jake o olhava com verdadeiro desprezo e horror.

       - Diga-me pelo menos, que fim levou o garoto Desmont?

       - Quem é que sabe? – deu de ombros.

       - Mais uma coisa, diga aos seus macacos para fazerem seu trabalho direito, e me pouparem do trabalho de falsificar os boletins de ocorrência.

       - Diga você mesmo á eles. Eles vão á delegacia esta tarde, levar a minha contribuição até o senhor.

       O Delegado sentia-se humilhado cada vez que Murphy o lembrava de que não passava de um fantoche. Mas a ambição pelo dinheiro era maior que o amor próprio.

       - Até mais, Delegado Piston. – disse vendo que aquele inútil ainda continuava lá. – Mova-se!

       Essa frase bastou para que o Delegado deixasse o escritório como um furacão.

       - Estou cercado de incompetentes. – disse em voz alta para si mesmo.

       Mal o Delegado Piston saiu do escritório, April entrara mais furiosa do que jamais esteve. Os olhos azuis faiscando de raiva e uma expressão aborrecida que não combinava com seu rosto fino e delicado.

       - Será que eu vou ter que começar a trancar essa porta. – disse já irritado pela discussão com Piston. - Oque você quer?

       - Você é um monstro! – disse ela esbravejando.

       - Morda sua língua antes de falar comigo nesse tom! – se alterou, levantando-se de sua poltrona.

       - Pensa que eu não sei, que todo mundo não sabe?

       - O que uma fedelha como você poderia saber? – desdenhava dando a volta na mesa para se aproximar da filha.

       - É tão sujo oque fez com os Desmont, que me dá nojo.

       - Ah, é? – Robert aproximou-se de April que por sua vez hesitou e deu um passo para trás. – Está com medo de mim? Aonde foi parar toda aquela coragem com a qual entrou aqui?

       - No mesmo lugar onde foi parar sua vergonha.

       Num gesto rápido, Robert desferiu um tapa no rosto de sua filha. April ficara um tempo com o rosto virado, mais pelo choque de ter sido agredida pelo seu pai do que pelo impacto e quando voltou a fitá-lo, ele não demonstrava qualquer sinal de arrependimento, ou raiva, nada, seu rosto era impassível, imóvel, como se tivesse sido esculpido em pedra, sem qualquer emoção.

       - Olhe bem garota, vou dizer apenas uma vez: os Desmont sofreram um acidente terrível. O que quer que tenha escutado por aí, ou aqui, principalmente aqui, guarde para você. Entendeu?

       Boquiaberta com a frieza do pai, April o observava voltar calmamente para sua poltrona, do outro lado da grande mesa, como se nada tivesse acontecido. Derrotada por hora, April virou-se, caminhando para a porta do escritório, saindo de lá, rumo ao seu quarto no qual se trancou o resto do dia. Ficou triste sim, mas com uma certeza: ele iria ver quando o FBI chegasse.

 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

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Trecho de "Quimérico" , por Natalia de Oliveira


     A primeira coisa que Ethan Downey notou assim que acordou era que havia algo errado. Ainda estava naquele estagio em que se está meio desperto, meio dormindo, não sabendo ao certo se ainda está sonhando, mas com certeza, havia algo errado. Estava com frio, isso foi uma das primeiras coisas que sentiu. Passou a mão no colchão á procura do cobertor, e com estranheza percebeu que não havia cobertor, nem lençol, nem travesseiro, e aquele colchão era estranho, era mole demais, ele tinha um cheiro para lá de esquisito, não sabia o que era, parecia suor misturado com urina e alguma bebida fermentada, definitivamente não era o cheiro do seu colchão, então se mexeu um pouco, e nesse momento sentiu dor, uma dor bem real, então abriu os olhos, despertando de vez.

    O susto inicial durou pouco, dando lugar ao pânico que veio a seguir. Realmente aquela não era sua cama, não era seu quarto, não era sua casa. Era um colchão de espuma velho, fedido, com uma cor que ele não conseguia descrever, jogado no chão de um lugar não menos preocupante, igualmente velho, frio e caindo aos pedaços.

     Com cuidado por causa da dor, colocou-se sentado e olhou em volta, em pânico: estava num quarto de hotel ou pensão bem barato. Sabia disso, mas como sabia disso? Não havia quase nada no quarto, além do colchão, um sofá e uma mesinha de centro caindo aos pedaços, com no mínimo dez garrafas de cerveja e vodca ice. Chutava esse numero, por que não queria contar, pois se contasse, seriam bem mais que dez. Havia muita sujeira: papeis amassados e jogados como se o chão do quarto fosse uma grande lata de lixo, e a julgar pelo cheiro, lixo do banheiro; algumas caixas de pizza com o interior verde de bolor e viu no canto uma coisa peluda se mexendo. Se era um gato ou um rato muito grande, Ethan não queria ficar ali para descobrir. Com muita dificuldade, ele conseguiu se por de pé, agarrando-se na parede, a dor que sentia era no corpo todo, mas principalmente na barriga e no rosto, passou a mão no rosto aonde doía, perto da sobrancelha, e sentiu a mão grudar. Assustado retirou a mão rapidamente e olhou, havia sangue coagulado em sua mão. Horrorizado olhou de novo para o colchão, havia uma roda vermelha aonde devia ter encostado a cabeça.

     - Meu Deus! – sua mão tremeu e ele quase caiu, perdendo momentaneamente as forças das pernas.

     Dando a si mesmo um tempo para se recuperar, foi colocando os pensamentos em ordem, parando para pensar racionalmente: não fazia a menor ideia de onde estava, ou por que estava, como havia ido parar lá, estava obviamente ferido e estava com medo. Olhou outa vez para as garrafas, outra vez recusando-se a conta-las, então uma coisa lhe ocorreu: levou a manga da camisa que usava ao nariz e a cheirou, então com espanto percebeu que o cheiro ruim que sentia vinha dele. Nesse momento sentiu-se enjoado e colocou a mão na boca para não vomitar em si mesmo. Olhou em volta, viu uma porta entreaberta dentro do quarto e de relance viu um vaso sanitário. Com a velocidade que lhe era permitida, correu em direção á ele, escancarando a porta e quase caindo de cara no vaso. Vomitou muito, parecia que não ia parar nunca. Quando terminou, ficou estendido no chão daquele banheiro que conseguia ser mais xexelento que o resto do quarto, sentindo aquele gosto horrível na boca e aquele cheiro azedo no ar, só não vomitava por não ter mais o que vomitar. Com mais dificuldade do que da primeira vez, levantou-se apoiando-se com nojo no vaso e foi apoiando-se no que via e assim chegou á pia. Abriu a torneira e bebeu um pouco de agua, olhou no espelho junto a pia e viu que seu supercilio direito estava cortado e havia outro corte na face esquerda, deixando seu rosto quase totalmente sujo de sangue. Lavou o rosto com agua corrente, lavando bem os cortes e voltou a se olhar no espelho.

     - O que você fez? – disse em voz alta, olhando para o homem de cabelos negros desgrenhados, o olho direito azul e o esquerdo verde e pele muito branca, com as marcas do sangue coagulado se prendendo na linha do couro cabeludo e olheiras roxas refletido no espelho.

     Respirou fundo, pois outra vez sentiu seu estomago embrulhar e virou-se de costas para o espelho, não queria ver mais aquela imagem decadente. Passou a mão tremula no cabelo e saiu cambaleante do banheiro. Olhou o quarto de outro ângulo e viu que na verdade era um pequeno apartamento, uma pequena mureta dividia o lugar com uma cozinha (ou o que deveria ser uma cozinha) com uma geladeira que devia ter a sua idade, um fogão velho e um armário de cozinha de madeira com duas portas penduradas e uma gaveta faltando. Olhou para si mesmo, usava uma calça jeans de lavagem escura, um sapato preto muito brilhante e aparentemente caro e uma camisa que tinha um design de sobreposição nas mangas e na barra, em tons de xadrez roxo e preto. Estranhou, aquela roupa não era dele, não era seu estilo nem de perto, sempre acostumado á se vestir de forma um tanto mais simples. Sentiu uma coisa estranha na nuca e passou a mão, era um pedaço de papel duro, mas estava preso ao tecido. Forçando, ele arrancou o pedaço de papel e viu que era a etiqueta da camisa. Seu look era novo, e se considerasse a marca da loja, era caro.

     Olhou em volta procurando alguma coisa que fosse sua, e caído ao lado do colchão ele encontrou sua carteira, pequena e de couro marrom escuro. Ansioso ele a abriu e lá encontrou sua identidade, seus cartões, pelo menos duzentos dólares em dinheiro, e o mais aterrorizante, as notas das roupas, seu visual havia custado quatro mil dólares.

     - Mas que droga! – disse ele espantado. – Mas como. . .?

     Parou. Não queria pensar nisso agora, não aguentaria pensar nisso agora, não ali. Aquele lugar lhe dava nojo, lhe causa um mal estar, não queria ficar mais nenhum segundo ali. Levantou-se e caminhou na direção da porta de saída do quarto depois de ter certeza que não deixara nada de seu naquele lugar, (na verdade isso se resumia na carteira) e saiu com um único pensamento na cabeça: “Eu te odeio, Nathan!”.

 

 

 

domingo, 16 de setembro de 2012

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"Maldita bonequinha de porcelana", de Natalia de Oliveira


Maldita bonequinha de porcelana
 

     "- Jules! Jules! – a voz de Megan ecoava pelos corredores da imensa casa, seguida de um acesso de tosse, como sempre.

     - Já vou, tia! – Jules respondeu gritando da cozinha no andar de baixo, estava muito atarefada preparando a refeição para sua tia.

     Jules era uma garota jovem de vinte e três anos, no auge da juventude, mas que estava perdendo toda essa fase desde que sua tia ficara doente á cinco anos e parara sua vida para cuidar dela.

     Megan era uma mulher vivida, com seus sessenta e poucos anos, de poucos amigos e muitos problemas, fã do cigarro desde os treze anos, o que lhe causara sua atual situação de insuficiência respiratória, e quando o problema se tornou serio o bastante para ficar presa á um cilindro de oxigênio, teve que chamar ajuda.

     Falemos claramente, Jules só cuidava da tia velha por que não havia outro parente vivo que o fizesse, e por esse motivo sentia-se presa á ela, assim como o cilindro. Seus pais haviam morrido num acidente na mesma época em que Megan ficara seriamente doente, então tudo isso acabara se tornando uma troca de favores, “Você cuida de mim, e eu deixo você morar aqui..”. Era mais ou menos assim.

     - Jules! – a voz estridente da velha ecoou mais uma vez.

     É, no começo pareceu boa ideia, ela teria um lugar pare ficar e ainda teria um dinheirinho por cuidar da tia velha, mas com o tempo foi percebendo que não seria assim tão fácil, na verdade, não fazia a mínima ideia de onde estava se metendo.

     A velha era louca! Quando surtava, ficava pior do que criança: não queria tomar os remédios, ficava chamando Jules por motivo nenhum no meio da noite, a comida estava insossa, o radio alto demais, o luz forte demais, tinha travesseiro de menos, e por ai vai. Era um inferno.

     Isso não era tudo, não, havia ainda sua sinistra e empoeirada coleção de bonecas de porcelana da era vitoriana, que ela não permitia que ninguém tocasse com as mãos sujas, em especial, uma bonequinha que ela insistia em manter no criado mudo, sua preferida. Tinha os cabelos avermelhados e grandes olhos cinza, usava um vestidinho lilás com babados brancos de renda, uma coisa pavorosa. Naquela época, os artesãos faziam as bonecas parecidas com sua donas, meninas ricas que pagava praticamente uma fortuna por uma boneca, e a antiga dona devia ter sido uma criaturinha esquisitinha, Jesus.

     A boneca em si era bem comum, o que chamava a atenção dela era sua expressão. Ao contrario das varias bonecas do recinto que tinham um sorrisinho afetado, a boneca do vestidinho lilás tinha uma expressão seria, não, vazia seria uma palavra melhor, com seus olhinhos olhando para o vazio, seu nariz arrebitado e seus lábios rosados sem expressão alguma. Megan era obcecada por ela.

     - Jules! – Megan chamou outra vez.

     - Já estou indo! – Jules respondeu alto e então falou baixo – Sua velha inútil e impaciente, já vou levar sua sopa, espero que se afogue nela.

     A garota arrumou a sopa na bandeja que usualmente levava ao quarto de Megan todos os dias e quando pegou a bandeja nas mãos um pensamento lhe ocorreu: Odiava Megan, simplesmente isso, odiava Megan, odiava que ela estivesse atravancando sua vida, odiava sua coleção de bonecas, sua voz, seu cheiro, odiava ela.

     Subiu a escada que levava ao segundo andar da casa, o andar dos quartos, carregando a bandeja com o almoço, e conforme aproximava-se do quarto, sentia o cheiro dos remédios invadindo o ambiente, aquele cheiro enjoativo de hospital.

     A porta estava aberta e Jules entrou direto só para se deparar com aquela imagem tão familiar: uma cama de hospital, o cilindro de oxigênio ao lado da cama a mesinha de cabeceira com os vários remédios e claro, a bonequinha de porcelana também estava lá.

     Megan estava sentada na cama, com seu cabelo grisalho arrepiado, suas olheiras profundas em torno dos olhos e sua costumeira palidez.  O tubo de oxigênio preso em seu nariz.

     - Finalmente, mais um pouco e isso não seria mais um almoço, seria um jantar. – disse com sua boca enrugada e banguela.

     Jules ajeitou a bandeja no suporte ao lado da cama e o empurrou em direção á cama de forma que se encaixasse. Enquanto Megan se alimentava, Jules sentou-se na poltrona ao lado da cama, esperando que ela terminasse e também, caso ela se engasgasse estaria ali para socorrê-la.

     Enquanto Jules esperava sua mente vagou. Pensou que Megan era uma pessoa ruim, que tratava mal a única pessoa que ela tinha, isso não era normal. Pensava se ela não tinha medo de terminar seus dias sozinha. Não, claro que não, Jules estaria lá, limpando sua baba até o ultimo momento.

     “. . . até o ultimo momento. . .”, essa frase ecoava em sua mente, e de repente teve consciência de que talvez isso demorasse muito, muito mesmo. Começou a imaginar quanto tempo mais Megan viveria daquele jeito, quem sabe por anos, sugando sua juventude como uma vampira. Haveria alguma diferença? Alguém poderia dizer com certeza qual das duas estava agonizando em um mar de sofrimento?

     - Nunca vi comida mais insossa. – Megan afastou o prato violentamente fazendo um pouco da sopa derramar no lençol que, adivinhe só, Jules teria que lavar.

     Como sempre, Jules se segurou, fechou os olhos e respirou fundo.

     - O medico disse que pelo seu problema de pressão alta, você teria que diminuir o sal.

     - Se eu quisesse comer comida de hospital eu estaria em um e não precisaria de você, sua inútil. – disse mais ríspida.

     Outra vez Jules se segurou, essa era sua vida: ouvir essas barbaridades calada só pelo fato de morar de favor naquela casa. Era cada humilhação que ás vezes sentia vontade de. . .

     Respirou fundo e olhou em seu relógio de pulso, eram uma e meia da tarde, hora dos remédios de Megan. Jules levantou-se da poltrona, retirou a bandeja e o suporte, encostando-os na parede. Foi em direção á gaveta dos remédios mais fortes, pegou-os e levou até a cômoda, do outro lado do quarto para preparar a medicação. Naquele momento, ela tinha que tomar três comprimidos e uma injeção de um remédio que á muito havia desistido de pronunciar o nome. Primeiro deu á Megan os comprimidos que ela tomou com uma careta, mas tomou, então Jules voltou á cômoda para preparar a injeção.

     “Eu odeio essa velha!” Jules gritava dentro de si. Por quanto tempo mais aguentaria isso? Olhou para a seringa lacrada no pacotinho e de repente um pensamento a assaltou. Lembrou-se de certa vez ter assistido um documentário, “Os crimes quase perfeitos”, sobre crimes que teriam passado batido pelas autoridades se apenas um detalhe não tivesse dado errado e lembrou-se de um em particular, um homem que matara a esposa com uma injeção de ar, sim, uma injeção de ar. Na época se perguntou como que uma injeção de ar podia matar, e o especialista do documentário disse que realmente teria sido um crime perfeito, se o assassino não tivesse confessado, pois é limpo, fácil, não deixa rastro químico e no máximo, a necropsia diria que fora um ataque do coração. A arma é facilmente descartada, realmente, um crime perfeito.

     E se Jules fizesse isso? Como o perito disse, era limpo, seu lixo estava cheia de seringas com o mesmo DNA, uma a mais, uma a menos, não faria diferença. Megan era uma velha doente, presa a um cilindro de oxigênio que poderia muito bem morrer de “causas naturais” á qualquer momento.

     Tudo isso Jules pensou numa fração de segundo. Meu Deus, como pôde, era a vida de alguém, alguém miserável, mas era alguém.

     - Vamos logo, com isso. Nossa que garota lerda! Não faz nada direito, nada que presta.

     Decidiu-se. Abriu o pacotinho da seringa e puxou o ar. Sentiu uma espécie de embrulho no estomago, mas agora que tinha começado não iria parar. Se aproximou de Megan, aquela criatura deplorável com o cabelo grisalho arrepiado e sua cara feia de sempre. Megan se virou de lado, de costas para Jules para que ela aplicasse a injeção.

     - Vê se aplica isso direito, você esta aplicando uma injeção, não esta atirando dardos num elefante.

     - Pode deixar, não vai nem sentir.

     Tudo o que Jules pensava naquele momento era que aquela era sua única chance, que se não desse certo agora, nunca mais teria a coragem de fazer. Não era a razão que a motivava, era o impulso.

     Quando teve certeza de que pela posição ela não estava vendo a seringa, Jules aplicou a injeção vazia. Já estava feito, não tinha como voltar atrás e então tudo aconteceu.

     Megan se virou e olhou para Jules com uma expressão aterrorizada, e mesmo que ela não tivesse dito nada, Jules sabia que ela sabia o que tinha acontecido, então ela começou a se debater na cama, como se estivesse tento um ataque epilético, deixando Jules desesperada, isso não estava em seus planos. A garota virou-se de costas, não queria ver aquela cena horrível, tampou os ouvidos com as mãos e esperou um tempo, até que tomou coragem e virou-se para ver o que tinha acontecido.

     A velha estava estendida na cama, os lençóis estavam no chão de tanto que ela se debateu, os olhos abertos esbugalhados olhavam em direção á bonequinha de vestidinho lilás. Jules se aproximou e colocou dois dedos no pescoço da velha para certificar de que ela estava mesmo morta. Estava, finalmente.

 

     Não foi difícil fingir tristeza no funeral de Megan alguns dias depois. Realmente fora o crime perfeito. Ninguém desconfiara da sobrinha dedicada que perdeu anos de sua vida para cuidar da tia. Pela primeira vez em anos, pode dormir sem que fosse chamada a cada quinze minutos. Claro, como única parente viva, Jules herdou a casa e uma boa quantia em dinheiro. Não que estivesse interessada nisso de começo, mas encarou a herança como um bônus.

     A casa era muito antiquada, precisava de um visual novo, e o mais rápido que pode, Jules começou algumas mudanças, ou seja, iria retirar da casa tudo o que lembrava Megan. Primeiro, esvaziou o quarto de Megan, já fazia um mês desde o trágico passamento da tia e ainda não tivera coragem de entrar naquele quarto. Toda vez que passava por ele sentia uma coisa estranha, talvez um rastro de culpa, mas abanava a cabeça e espantava esses pensamentos. Naquele dia, foi até lá munida de algumas caixas de papelão e começou á fazer uma limpa. Lotou algumas com roupas e sapatos, outra com as roupas de cama e uma, essa ela fazia questão de encher, iria colocar a preciosa coleção de bonequinhas de porcelana e sem o menor cuidado, amontoou uma vinte dentro de uma caixa media. Olhou para o lado e deteve-se pois viu a bonequinha de vestidinho lilás, no criado mudo, tal qual havia visto pela ultima vez, mas com uma camada de poeira á mais.

     Aproximou-se da boneca, havia algo estranho com ela, Jules não sabia explicar o que era. Antes, quando a via, era uma boneca feia e sem expressão. Olhou bem e percebeu algo diferente nela, algo bem sutil que não teria percebido se sua maior característica fosse exatamente não ter expressão, mas agora Jules via um suave cerrar de olhos e um sorrisinho, estranhamente muito parecido com a cara de empáfia de Megan.

     Esse pensamento lhe causou um calafrio, pois lembrava-se perfeitamente que Megan morrera olhando para aquela boneca horrorosa.

     - Se me faltava motivo para me livrar de você, - disse ela pegando a boneca na mão – não falta mais.

     Jogara a boneca sem cuidado algum na caixa com as outras bonecas e lacrou com fita adesiva. Não queria aquela coisa ali, pois ela lhe faria lembrar do acontecido e não queria isso. No fim da tarde, Jules carregou as caixas uma por uma para fora, para que o caminhão do lixo levasse e a cada caixa que colocava no gramado sentia-se mais leve. Sentia que agora sim, seria o começo de uma nova etapa em sua vida, livre, sem nenhuma corrente ligando-a ao passado, só conseguia pensar nas possibilidades que se abriam á sua frente. Faria Faculdade? Viajaria? Investiria em um negocio próprio? Talvez fizesse tudo isso, mas cada uma á seu tempo. Envolta em paz, Jules dormiu naquela noite sem que nenhum fiozinho de culpa passasse por sua cabeça.

    

     Jules acordou na manhã seguinte, empolgada com todas as mudanças que aconteceriam daquele dia em diante. Preparou seu café da manhã com a maior calma, saboreava sua torrada sem a menor pressa. Os aromas, os sabores eram todos diferentes agora.

     Depois do dejejum, a garota subiu ao quarto de Megan, ele era bem maior do que o seu, pretendia mudar-se para ele, mas primeiro iria trocar todos os moveis e essas coisas, iria comprar moveis planejados, e iria tirar as medidas do quarto. Abriu a porta e ao olhar em seu interior soltou uma exclamação de susto, pois, colocada sentadinha no criado mudo como se nunca tivesse saído dali, a bonequinha de porcelana do vestido lilás olhava para ela. Sem entender nada, Jules aproximou-se da boneca e a pegou nas mãos novamente.

     - Mas como? Eu joguei você fora! – ela disse sozinha.

     Tinha certeza de ter colocado ela na caixa e de ter lacrado a caixa com fita adesiva. Tinha que se livrar dela. Desceu a escada correndo segurando a boneca, saiu pela porta, atravessou o gramado e a jogou dentro da lata de lixo.

     - Você não vai escapar do lixo.

     Fechou a tampa com um estrondo, virou nos calcanhares e voltou para dentro, tentando ignorar que aquilo era muito esquisito.

     Depois do almoço, tranquilizou-se um pouco, mas sua tranquilidade durou pouco. Quando foi tomar banho ás seis horas, entrou em seu quarto e viu a bonequinha sentadinha em sua cama. Jules soltou um grito quando a viu.

     - Se isso é uma brincadeira é de muito mau gosto! – ela gritou para as paredes em seu quarto. – Se tem alguém aqui, eu vou chamar a policia. – mas ela sabia que não havia ninguém na casa.

     Um tanto descompensada, ela atirou a boneca da janela e saiu pela casa trancando portas e janelas. Mas o que estava acontecendo? Será que alguém descobrira o que ela fizera e agora a estava assustando com aquela boneca horrorosa? Esse pensamento a acompanhou noite adentro na qual não conseguiu dormir.

     Na manhã seguinte, descia a escada para a cozinha, estava ainda no alto da escada quando pisou em algo duro e irregular, sentiu uma dor aguda no tornozelo, desequilibrou-se e rolou a escada, indo parar na sala estatelada no chão. Enquanto se recuperava ali no chão, tentando se levantar viu que seu tornozelo estava machucado, com dois pequenos furos que sangravam, fora isso não se machucara muito. O abalo maior ficou por conta de quando olhou para cima para ver no que tinha tropeçado e soltou um grito de horror. Bem no degrau em que se desequilibrara estava a boneca, com seu vestido lilás e sua carinha de porcelana, mas havia algo horrível, ela sorria, mostrando vários dentes e um filete de sangue escorria por seus lábios rosados. Monstruosa.

     Durante o tempo que se seguiu, Jules tentou livrar-se da boneca diabólica de varias formas, cada uma mais fracassada do que a outra. Tentou quebra-la com um martelo, no outro dia ela estava inteirinha na sua cabeceira; tentou queima-la, igualmente inútil; jogou-a num rio, não; deu a boneca para um Pittbull brincar, deu-a de presente para uma criança da vizinhança, mas todos os dias a boneca estava lá, em algum lugar da casa, esperando para ser encontrada.

     Jules sabia que de alguma forma Megan estava naquela boneca e agora ela atormentaria para o resto da vida."

    

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

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1º capitulo do livro "Sebastian"

Parte I
Capitulo I
"Forasteiros"
 

       1983

 

       Aquela era, sem dúvida, uma das mais lindas primaveras que os habitantes daquela pequena cidade já haviam visto. Flores cresciam nas cercas e por toda a parte via-se vida. As crianças brincavam na praça assistidas por mães zelosas e atentas, mas para Chandler Desmont, o melhor naqueles dias quentes era nadar no rio.

       O rio da pequena cidade de Aaron River era lindo: águas cristalinas, árvores que o rodeavam e o mais interessante do lugar, uma pequena cachoeira, que era na realidade, sua nascente. A nascente recebera o nome de seu colonizador, Aaron Murphy, e a descendência dessa família ainda permanecia por aquelas bandas, mandando e desmandando, sempre se achando os donos do lugar. Se havia discordância quanto a isso? Sim, mas ninguém iria espalhar isso aos quatro ventos. Não era segredo para ninguém que os Murphys forçavam sua vontade desde que o primeiro por lá se instalou e, por aquelas bandas, sua palavra era lei.

       Voltando ao garoto Chandler, ele adorava nadar no rio, ainda mais num dia quente como aquele, a água deveria estar ótima. Ao chegar à beira do rio, ele tirou sua camisa, sua calça jeans e pulou na água. Chandler era um garoto bonito, e embora tivesse apenas treze anos de idade era o retrato de seu pai: cabelos negros, os olhos de um verde vivo muito raro davam um ar sonhador ao menino, além de contrastar com sua pele branca. Kevin Desmont, seu pai, sempre o achara parecido com sua falecida mãe, Sissy.



       Ele era um garoto quieto, sempre foi. Odiava escândalos e alguns até o chamavam de apagado e esquisito. Naquela cidade as pessoas adoravam cuidar da vida dos outros, principalmente da sua. Tinha que reconhecer, os Desmont não eram muito queridos em Aaron River.

       Tudo começara quando Sissy deixara a cidade pequena, se aventurando em New Orleans, onde conheceu Kevin Desmont. Casaram-se e um tempo depois voltaram para Aaron River, com um bebê nos braços. Eles eram forasteiros, má influência, má companhia, até mesmo Sissy começou a ser vista como estranha. Não era raro ouvir certos comentários quando passeavam nas ruas, algo do tipo “Por que voltou pra cá? Deveria ter ficado onde estava, onde as vadias devem ficar. Longe de gente de bem e decente. Longe daqui.”.

       Quando três anos depois Sissy morreu, as coisas só pioraram. Não eram mais sussurros disfarçados. Algumas pessoas jogavam indiretas para Kevin, mas para Chandler era pior; as outras crianças da rua e da escola eram simplesmente cruéis. Batiam nele e diziam que ele era filho de uma vadia e que deveria ir embora com seu pai, deveria voltar para New Orleans, de onde nunca deveria ter saído. Então, quando começou o primeiro grau na escola, entendeu o que a palavra solidão significava. Percebeu que iria sempre ser posto de lado, por todos. Percebeu que nunca seria convidado para as festas, percebeu que ninguém gostaria dele, e o pior, percebeu que seria sempre assim. Jamais se encaixaria, sempre seria o estranho.

       Então Chandler chorou, chorou muito por causa disso. Durante muito tempo chorava e se perguntava por que as coisas eram assim. Porém, depois de um tempo tomara uma decisão de não se importar mais. Oque ele poderia fazer? Nem que ele chorasse um oceano de lágrimas mudaria o fato de que ninguém estava nem ai para ele. Se ninguém gostava dele, por que ele iria se dar ao trabalho de gostar de alguém? Começara a achar que aquela cidade era um buraco e seus habitantes, pessoas de mente pequena e limitada, ignorantes. Chegara aos treze anos sem nenhum amigo, e nem fazia questão de ter, eram todos desprezíveis, não mereciam o mínimo de sua atenção. Todos, menos uma.

       April Murphy, ao contrario do resto do povo, sempre lhe dirigira um sorridente “oi”, toda vez que um cruzava o caminho do outro e nunca participara de nenhuma das brincadeiras sem graça que aprontavam para ele de tempos em tempos. Certa vez, quando ficara muito doente e ficou sem ir para a escola durante uma semana, surpreendentemente, April levou os trabalhos de escola e as lições perdidas para ele. Desde então April era sua única amiga em Aaron River, tirando claro Kevin, seu pai.

       Sempre que nadava no rio, esquecia-se de seus problemas e era isso o que queria naquele momento. Adorava a sensação de estar flutuando na água, era como se não houvesse mais ninguém no mundo, sentia-se em paz, no entanto, havia mais alguém. Ouviu passos nas folhas da trilha que levava ao rio, tirando-o de seu devaneio, afinal, naquela floresta não dava para ser sorrateiro. Havia rochas nas margens, então decidiu nadar até lá, não queria que ninguém o visse. Aquele era seu lugar, seu momento.

       Os passos aproximavam-se e logo pode ver uma sombra através das árvores que continuou vindo e a sombra revelou-se April Murphy. Tinha a idade de Chandler, os cabelos loiros compridos, olhos azuis radiantes, usava um conjunto azul: um short jeans e uma bata de tecido mole e fino. “Linda, radiante. . .” pensou de repente.

       Sim, já havia gostado dela como amiga, mas de uns tempos para cá, começava a se sentir estranho perto dela, era como se ela mexesse com de alguma forma, e no momento estava confuso sobre tudo o que sentia e pensava, tentava se convencer de que isso era só coisa de adolescência, mas não conseguia tirá-la da cabeça.

       April notara Chandler ali, tentando em vão se esconder atrás das pedras e se aproximara.

       - Olá. - saudava o garoto com um sorriso.

       - Se você quiser nadar eu saio, não tem problema. - Chandler disse ainda meio escondido, estava só de cueca.

       - Não é para tanto, eu não quero te atrapalhar.

       Droga!” pensou, essa situação estava ficando muito constrangedora, por que, além de tudo, April calmamente sentou-se numa das rochas da margem.

       - Vai ficar ai? – perguntou confuso.

       - Algum problema?

       - É que é meio constrangedor. . . – queria disfarçar, mas também já não havia mais clima para continuar nadando ali e levantou-se - . . . Quer saber, vou sair. Pode se virar?

       - Por quê? – April perguntou inocente.

       - Não sei se reparou, mas as minhas roupas estão ai do seu lado. – ele objetou.

       - Ah, - sorriu – tudo bem, não me importo.

       Não era segredo para ninguém que ela era liberal demais para a sua idade. Esse também era um dos motivos pelos quais gostava dela, por que era diferente como ele. Mas a diferença entre os dois era que April era da família Murphy, ou seja, ninguém achava ruim que ela fosse um pouco excêntrica, já Chandler era outra história.

       Já tinha entendido que April não iria arredar o pé dali. Não tinha outra saída e não iria ficar ali o resto da tarde. Saíra andando pela água lentamente, deu a volta nas rochas sob o olhar atento de April. Era uma situação desconfortável ser observado assim. Chegando ao lugar onde deixara suas roupas, (bem perto de April, aliás) pegou a calça jeans e vestiu, depois pegou a camisa e vestiu. Chandler acabara de sair da água e não se enxugara, seu corpo molhado fez com que a camisa grudasse em seu corpo, seu cabelo negro pingava e April o olhava fixamente.

       - Oque está olhando? – perguntou brusco.

       - Você é bonito, sabia? – disse com a maior naturalidade.

       Essa frase mexeu com algo dentro dele e Chandler ruborizou.

       - Não, não sou.

       - Ficou vermelho. – dizia zombeteira.

       - Eu vou embora, pode ficar a vontade. – perdera completamente a vontade de nadar, não gostava do modo como ela o olhava, e além do mais, não era certo ficar sozinho com uma menina no rio. Virou-se e começou a andar.

       - Não vai. Fica. – sua voz o chamou suave, fazendo-o parar.

       Houve algo naquele chamado que o fez parar, algo diferente no jeito de falar, um jeito que só costumava ver vindo de Kevin, como se houvesse carinho naquelas palavras, então se voltou para ela.

       - Se você gosta de ver as pessoas tomarem banho no rio, eu não gosto. – brincou.

       - Eu não venho aqui para isso. – sorria. – Venho para ficar sozinha.

       - É um pouco sem sentido querer que eu fique se quer ficar sozinha.

       - Depende, se eu quiser ficar sozinha com você?

       Nesse momento Chandler sentiu que havia borboletinhas em seu estomago, se debatendo.

       - Por que você quer ficar sozinha comigo?

       - Quero conversar com você. Vem cá, senta aqui. – com um sorriso, April deu palmadinhas na rocha em que estava sentada, convidando-o.

       Sem saber exatamente o porquê, Chandler obedeceu, aproximou-se e sentou-se ao lado de April.

       - Oque é?

       - Sabe, Chandler, eu percebi uma coisa, nós dois somos iguais, por isso nos damos tão bem. Somos diferentes do povo dessa cidade, já deve ter percebido isso também.

       - Mais do que imagina.

       - Nós dois somos os extremos do que essa sociedade não gosta: eu sou expansiva demais, você é fechado demais.

       - Só para constar, isso não foi escolha minha. – pela primeira vez falar disso não era doloroso. – Tem muita coisa envolvida.

       - Eles não gostam da gente porque não somos hipócritas e tomamos a decisão de agir do nosso jeito.

       - Pelo menos nossa sociedade não está perdida.

       - Então formaríamos um belo par.

       Ao ouvir isso Chandler sentiu algo estranho e desviou o olhar, olhou para o chão, mas April continuava á observa-lo, estudando seus traços.

       - Daríamos inicio a uma nova geração de esquisitos para mudar o mundo. – disse Chandler brincando para quebrar o silêncio.

       - É uma boa ideia. – sorria – deveríamos começar agora mesmo. Que tal com um beijo?

       Os dois se olhavam, Chandler sentiu-se estranho, um reboliço no estomago, o coração batia rápido, ela estava tão perto, será que isso era normal? Queria sair dali, mas ao mesmo tempo queria ficar. Estava confuso, nunca havia passado por isso antes. April aproximou-se, tão perto que Chandler pôde sentir sua respiração. Respirava ofegante, estava nervoso. Mais nervoso ficou quando April colocou a mão em sua cintura, trazendo ele mais para perto, olharam-se um tempo em silêncio, em total silêncio, como se até os pequenos animais do bosque tivessem parado para observar, que April beijara seus lábios de repente, sem aviso.

       A sensação dos lábios se tocando era incrível. Chandler queria soltar-se, mas April era tão linda e estava ali com ele, enfeitiçando-o com seu beijo. Perdera a noção de tudo, o que sabia era que não havia outro lugar no mundo que desejasse estar, senão ali. Então, para a sua surpresa ela se afastou, deixando-o confuso.

       - Oque foi? – perguntou.

       - Eu tenho que ir. – April respondeu.

       - Mas já?

       - Para que apressar as coisas? – sorria – Temos todo o tempo do mundo.

       - Vamos nos ver amanhã? – perguntou esperançoso.

       - Claro.

       Beijaram-se mais uma vez. Sem dizer mais nada, April levantou-se e saiu, deixando Chandler sozinho com a lembrança e a esperança.

       Nossa! April Murphy gostava dele! Isso era irônico, já que os Murphy não gostavam de ninguém. E o beijara, seu primeiro beijo. Começou a rir sozinho, era um ótimo dia, pela primeira vez sentiu-se especial.

       Foi tudo de repente, mas adorou, ele e ela não eram convencionais, logo, nada que partisse deles seria normal. Essa ideia pareceu a ele maluca. Oque estava fazendo? Ela era a mais jovem descendente da família mais importante de Aaron River, que futuro isso teria? Mas não queria pensar nisso, estava alegre demais para deixar esses pensamentos pessimistas desanimá-lo. Levantou-se das pedras e foi para casa lembrando-se do beijo e imaginando os beijos que viriam. Só veria April de novo anos depois.

 

       A casa dos Murphy era grande, porém, afastada da cidade, uma bela casa de campo que seu ancestral havia levantado á base do chicote e, no quesito ruindade, o novo regente não ficava devendo. Robert Murphy estava no escritório, tratando dos negócios. Era dono de boa parte dos estabelecimentos comerciais da cidade, tendo assim, um controle de tudo.

       Robert Murphy era um homem de aparência, distinto, sempre bem vestido com ternos bem costurados, tinha o cabelo negro espesso, olhos cinzentos ameaçadores (lembravam muito olhos de lobo) que o ajudavam naquilo que era sua especialidade: intimidar. Era alto e de bom porte, sedutor e perigoso. Também não era novidade que cobrava taxas absurdas dos comerciantes em troca de segurança, e que também estava envolvido com o trafico. Seu lema era: “Não mexa comigo, que eu não mexo com você.”. E era assim que funcionava.

       Tinha seus capangas que fazia o trabalho sujo, um trio em questão: Ted Kent era loiro, usava sempre um chapéu de vaqueiro e tinha fixação por facas de caça. Consta que aos nove anos de idade matara o cachorro da família com uma faca de cozinha e dai para frente sua carreira só deslanchou; Barry Willis, meticuloso, concentrado, frio com gelo quando a questão era cobrar dívidas; e o ultimo, mas não menos canalha, o pior de todos, importado da Escócia, Ike McDowell: ex-presidiario, com todos os requisitos necessários para se tornar o braço direito de Robert. Sem remorso, sem caráter, sem consciência. Esse trio fazia o terror necessário para obter obediência.

       Naquela tarde, Robert havia chamado os três ao seu escritório que era bem decorado com móveis trabalhados em madeira de lei, tapete importado da Arábia, tudo muito chique e bonito, excluindo, claro, as pessoas que o ocupavam.

       - Então, como foi à coleta do dia? – Robert disse de sua mesa quando os três entraram pela porta.

       - Foi um bom dia. – Ted adiantou-se contente, entregando-lhe um pacote desses de papel bege, com maços de dinheiro. – Na minha área, a cooperação é ótima.

       Robert recebeu o pacote com satisfação.

       - Muito bem Ted, está se superando.

       - Da minha área também. – Barry disse sério tirando de seu paletó um pacote igual e o entregou ao chefe.

       - Diz, não é melhor quando todo mundo entende e coopera? É tão mais civilizado.

       - Nem todos cooperam, chefe. – Ike lhe entrega um pacote menor.

       - Como assim?

       - Um comerciante se recusa a pagar.

       - Qual deles? – perguntou esfregando as têmporas.

       - O da oficina de carros. – falou sério.

       - O Desmont está criando problemas de novo? – disse sarcástico – Corrija-me se eu estiver errado, mas eu acho que você é pago para evitar que esse tipo de coisa aconteça. Dê um jeito nele.

       - Já o ameacei senhor, - disse com cuidado – mas ele afirma ter certas informações sobre o senhor, - notou que Robert o fuzilava com os olhos – e parece disposto a ir até os Federais.

       - Meu Deus, criatura, será que vou ter que ir eu mesmo até lá para resolver isso? – disse irritado – É como meu pai dizia: “Se quiser algo bem feito, faça você mesmo.”. – disse levantando-se e pegando o casaco da cadeira.

 

       A noite já tinha caído fazia tempo quando Kevin e Chandler sentavam-se para jantar.

       - Como foi seu dia hoje? – Kevin perguntou depois de uma garfada na comida.

       Essa pergunta pegou o garoto de surpresa, mas soube disfarçar bem.

       - Foi. . . ótimo. – riu – E o seu?

       Aquele capanga do Murphy veio me torrar a paciência de novo.

       Chandler perdeu a fome na hora e deixou o garfo cair no prato com um tilintar. Agora estava numa posição difícil: gostava da filha do homem, isso seu pai não poderia saber nunca. Porque esses dois não podiam ficar em paz? Era tão difícil assim chegar a um entendimento?

       - O que queriam?

       Kevin olhou para o filho com ternura, já era crescido, tinha que saber o que se passava na cidade, era mais que um simples autoritarismo.

       - Filho, Robert Murphy cobra propina dos comerciantes da cidade, em troca de proteção, eles tem que pagar caso contrário os capangas acabam com tudo.

       Chandler ficou boquiaberto.

       - Não acredito!

       - Para você ver como são as coisas por aqui. Eu não sei por que não voltamos para New Orleans depois que Sissy... – hesitou.

       - Às vezes eu acho que teria sido melhor. – disse com tristeza – Não pertencemos a esse lugar, aquele Murphy não nos quer aqui, e o senhor não ajuda provocando ele quando pode.

       - Eu não o provoco, Chandler, ele que vem caçando assunto. Só não abaixo a cabeça para ele. – Kevin olhou no fundo dos olhos do filho – Aquela família é amaldiçoada, guiada pelo mal. Lembre-se: nenhum Murphy presta.

       Chandler olhava para o pai ponderando essas palavras. Que Robert Murphy era ruim, isso era de conhecimento geral, mas April, não, ela era diferente dele, tinha que ser. Bem, se já não tinha planos que contar para Kevin o encontro que teve com ela naquela tarde, agora então seria um segredo que levaria para o tumulo. Mas então começou a pensar que talvez April só quisesse brincar com ele. Será? Ficou intrigado.

       - Oque foi? – Kevin disse percebendo que o garoto ficara estranho.

       - Nada. – disfarçou – Pai, o capanga queria cobrar do senhor também?

       - Sim. – Kevin respondeu naturalmente.

       - E o senhor pagou, não é?

       - Não. – disse calmo.

       - Oque? – ficou abalado – Como assim “Não”?

       - Não, não paguei. – disse com naturalidade.

       - Está maluco?

       - Não tenho medo. – tentava acalmar o filho – Oque eles podem fazer contra nós? Eu não tenho medo deles, sabe por quê? Sei de muitas coisas mais. Não é a toa que ele está tão rico.

       - Oque o senhor sabe? – ficou curioso.

       - Na hora certa você saberá. O importante é que o FBI adoraria saber o que eu sei. Fique tranquilo.

       Mas Chandler não se tranquilizou, um mau pressentimento o assolou. Isso não era bom, sentiu um aperto no coração, algo lhe dizendo que algo ruim, muito ruim estava pra acontecer, e logo. Nesse momento ouviram uma buzina do lado de fora, que não parava. Nesse momento Chandler sentiu como se estivesse caindo de muito alto e muito rápido, embora estivesse parado sentado na cadeira á mesa de sua cozinha. Uma sensação horrível.

       - Acho que é aqui. – Kevin levantou-se da mesa, seguido de Chandler.

       - Não vai. – implorou agarrando a não do pai e olhando para ele com olhos suplicantes. Algo dentro dele dizia que não deveria deixar o pai sair por aquela porta.

       - Fique aqui, volto logo. – Kevin aproximou-se do filho e beijou-lhe a testa antes de sair da cozinha, deixando o garoto sozinho intrigado e assustado.

       Kevin desceu as escadas, (moravam em cima da oficina), abriu a porta e deparou-se com duas caminhonetes, uma preta, outra vermelha. Os indivíduos estavam do lado de fora e Kevin os conhecia muito bem.

       - Vocês não tem desconfiômetro não? – disse apoiando-se no batente. – Estou jantando.

       - Poderia ser mais educado. – Robert disse saindo das sombras. – Há quanto tempo, Desmont.

       - Oh, desceu do Olimpo um dos Deuses para tratar com esse pobre mortal? Estou emocionado. – disse sarcástico.

       - Muito engraçado. – respondeu cínico – Meus empregados me comunicaram que o senhor se recusa á contribuir com a segurança do bairro.

       - Comunicaram certo.

       - Ah, Desmont, você sempre tem que ser o do contra, nunca concorda com nada. Porque não pode aceitar as coisas como elas são?

       - Quem não aceita bem “as coisas como elas são” por aqui é você.

       Robert ficou sério. Kevin havia cutucado onça com vara curta.

       - Sissy era minha. – Robert disse sombrio.

       - Correção, amigo, ela era minha. – provocava – Lembra? Ela fugiu de você e casou comigo, meu caro.

       - Esse garoto podia ser meu filho.

       Após ouvir isso Kevin correu na direção de Robert disposto á esganá-lo com as próprias mãos, mas foi detido pelos braços fortes de Barry.

       - Jamais diga isso de novo! Coitado dele se tivesse esse seu sangue imundo!

       Robert ficara sério, os olhos cinzentos de lobo, terrivelmente ameaçadores, fuzilavam Kevin.

       - Não viemos até aqui para discutir paternidade. Tem dividas comigo, deve pagá-las agora.

       - Quer saber, pegue essas dividas e enfie no rabo! Não pode fazer nada comigo, não tenho medo de você. – disse decidido.

       - Pois deveria ter.

       Ike investiu-lhe um soco contra a barriga, fazendo Kevin contorcer-se de dor, ainda segurado por Ted e Barry. Nesse momento, Chandler, que via tudo pela janela correu desesperado ao socorro seu pai.

       - O seu problema, Desmont, é que acha que pode se dar ao luxo de me enfrentar porque é de fora, que as regras não se aplicam a você. – Robert o rodeava – Não compreende que por aqui, eu sou a lei, e quem não se adequa a lei, é punido. – sorria.

       Chandler chegara á porta, mas aquela cena o deixara paralisado, por mais que quisesse não conseguia se mover, era como se algo o prendesse á porta. Estava aterrorizado vendo o pai ser espancado.

       - Vai para o inferno! – disse Kevin com rancor.

       - Vá guardando meu lugar. – Robert tirou de seu casaco uma pistola prateada reluzente, apontou para a cabeça de Kevin e sem mais, atirou.

       Chandler não podia acreditar na imagem de Robert tirando a arma de dentro do casaco; não podia acreditar que ele apontara a arma para a cabeça de Kevin. Mas acreditou no estampido surdo que o tiro provocou que ficou ecoando ainda enquanto o corpo de Kevin envergava para traz e caia no chão, sem vida.

       - Viram? – ele disse – É assim que se faz. Bando de inúteis.

       - Não! – Chandler gritava, atraindo a atenção dos criminosos.

       Sem pensar, o garoto correu desesperado em direção a eles, ignorando o perigo, ajoelhou-se ao lado do corpo do pai. Não, não podia ser, não podia estar morto!

       - Pai! – começou a berrar mexendo nele, esperando alguma reação, mas ele havia levado um tiro na cabeça, estava morto.

       - Oque significa isso? – Robert perguntou ainda com a arma na mão.

       - É o filho dele. – Barry disse.

       - Eu sei que é o filho dele, seus idiotas. Peguem ele!

       Barry e Ted adiantaram-se em sua direção, o garoto nem se lembrava de que eles estavam ali de tão desesperado que estava. Só percebeu quando sentiu as mãos dos capangas de Robert o agarrarem pelos braços e o puxarem.

       - Me larga! – protestava desesperado, tentando desvencilhar-se das mãos dos criminosos.

       - Ora, ora, ora. Desmont filho. – Robert aproximava-se dele – Viu alguma coisa?

       - Desgraçado, matou meu pai! – gritava esperneando.

       Robert ficou observando o garoto se debater nos braços de seus capangas com um sorriso sádico.

       - Você é arisco como sua mãe. – disse aproximando-se e tomou seu rosto na mão – E é bonito como ela.

       - Me solta! – Chandler gritava.

       - Não, você sabe demais.

       - Então me mata! Eu juro por Deus, se você me deixar vivo eu te mato! – disse alucinado de ódio.

       - Quando sua mãe morreu, eu cheguei a oferecer dez mil dólares por você. Seu pai não aceitou, claro. - riu – Imaginou que vida poderia ter tido, sendo meu filho?

       Chandler cuspiu na cara dele.

       - Preferia estar morto! – disse com nojo.

       Robert pegara um lenço branco de dentro do bolso do casaco e limpara o rosto, recolocando calmamente o lenço de volta, antes de esbofetear o garoto.

       Tenho algo melhor pra você.

       Robert virou a arma e deu uma coronhada em Chandler, fazendo-o cair inconsciente no chão.

       - O que vamos fazer com ele? – Ike perguntou.

       - Depende. - disse sério – Quanto acham que pagariam por ele no mercado negro?

       Os três capangas se entreolharam.

       - Está falando sério?

       - Mas é claro.

       Ficaram em silêncio. Eles já sabiam qual seria o destino do garoto, mas não sentiam pena dele.  Robert ia voltando para a caminhonete preta quando Ike o chamou.

       - E quanto á oficina?

       Robert virou desdenhoso, olhou deu de ombros.

       - Queime tudo.