Negócios são Negócios
- Põe mais uma dose aqui! – Nathan disse para
Russ depois de secar o quinto copo de whisky.
- Cara, você não acha que já está bom por
hoje?- Russ, o barman disse com tom ameno enquanto secava um copo com um pano
de prato branquíssimo.
- Eu to dizendo para encher a porra desse
copo. – Nathan disse ríspido.
Russ olhou com pena para Nathan, seu amigo
(freguês) de longa data. O rapaz não
tinha mais do que vinte e cinco anos de idade, mas parecia mais, por causa de
seu cabelo que exibia já alguns fios brancos, suas olheiras crescentes e sua
feição cansada, de quem levou uma surra da vida.
Nathan não tinha uma vida boa, isso até
Russ podia ver e frequentava o Russel’s Bar á um bom tempo, fazendo de lá seu
confessionário. Nathan era um bom homem, mas as coisas teimavam em dar errado
em sua vida. Fora expulso de casa por seu pai quando era ainda adolescente por
ter se metido com amizades erradas. Comeu o pão que o diabo amassou e conheceu
Mariene uma das únicas coisas boas que já havia acontecido com ele e se
casaram. Um tempinho depois, ele chegou em casa mais cedo e a encontrou com o
zelador porto-riquenho do prédio. Ele não disse nada, apenas fechou a porta,
saiu do prédio e foi até o Russel’s e entornou sozinho uma garrafa de whisky, quando
chegou, ela disse que era culpa dele por ser tão distante e inútil e que queria
o divorcio. Como estavam casados á um bom tempo, ela tinha direito á metade de
tudo que era dele. Por consequência bebera ainda mais e seu chefe estava
prestes á demiti-lo por chegar quase todos os dias bêbado. É, isso que era
classe.
Russ olhou para Nathan e pegou a garrafa
de Jack Daniels.
- Olha, cara, eu vou colocar mais uma pra
você mas depois disso você vai para casa. Já passou da hora de fechar, se você
não reparou só tem você e eu aqui. Você vai para casa, vai dormir, vai tomar
vergonha nessa cara e dar a volta por cima.
Russ encheu o copo com aquele abençoado
liquido dourado com uma expressão muito reprovadora.
- Assim, você não vai cativar seu
clientes.
Nesse momento eles ouviram o telefone
tocando lá longe, no escritório. Russ olhou para trás e olhou para Nathan.
- Eu vou atender o telefone e quando eu
voltar eu vou fechar o bar, está me entendendo?
- Como você é chato.
- Cara, quando você fica bêbado, você fica
intragável.
Russ balançou a cabeça, guardou a bebida
em baixo do balcão e sumiu por uma porta que ficava atrás do balcão. Nathan
ficou sozinho com seu copo de alegria no silencio do bar vazio. Por que as
coisas eram assim? Por que tudo dava errado para ele? Imaginava se havia caído
da arvore do azar e batera em todos o galhos no caminho. Sua vida era uma droga
e essa era a única verdade que conhecia.
- É uma verdade, mesmo. – uma voz soou
atrás dele, grave, fazendo-o se virar.
Olhou para o bar e viu num canto, havia um
homem em uma mesa, na penumbra. Estava muito quieto e ele teria passado
totalmente desapercebido se ele não tivesse falado, tanto que Russ achou que só
estavam ele e Nathan no bar.
- O que? – Nathan disse forçando a vista
para poder ver melhor o homem.
Ele ficou em silencio, então ele se
levantou e veio caminhando na direção do balcão, onde estava Nathan. O homem
era alto e com boa aparência, se vestia muito bem, com um terno que Nathan teve
certeza que era mais caro do que todas essas biritas juntas. Era muito bonito e
tinha uma expressão serena. Ele se aproximou e se sentou ao lado de Nathan.
- Dia difícil? – ele disse com sua voz
macia. Seus olhos eram faiscantes, mas Nathan não conseguiu identificar a cor.
- Parece? – Nathan bebeu um gole da
bebida.
- Quem nunca passou por isso, não é?
- Eu te ofereceria uma bebida, mas. . .
- O que é isso, faço questão.
Do nada, apareceu na mão do homem, uma
garrafa de vidro estranha, não fazia parte do acervo de Russ e parecia velha e o
estranho homem completou o copo de Nathan. Bem, ele estava bêbado, mas ele
percebeu que isso foi para lá de estranho.
- Obrigado. – ele disse ressabiado.
Nathan sorveu um gole do liquido que lhe
desceu queimando mais do que o normal. O homem riu e com o rabo de olho ele viu
que os dentes dele eram um tanto pontudos.
- Mas o que é isso?
- Uma coisinha da minha terra. – ele
sorriu e fez uma pausa – Para beber desse jeito, você deve estar com algum
problema.
- Você sempre chega assim nas pessoas?
- Só quando elas precisam de mim.
- E eu preciso?
- Todo mundo precisa, mais cedo ou mais
tarde. – ele disse com um sorriso compreensivo.
- Qual o seu nome? – Nathan disse
ressabiado.
- Eu tenho vários, mas meu nome, Nathan,
não é importante. O importante, - ele tornou a encher o copo de Nathan que só
então reparava que não tinha dito qual era seu nome. – é que estamos tendo uma
ótima conversa. Agora, me diga o que aflige seu coraçãozinho?
Nathan achou aquilo estranho, mas a voz
daquele homem era tão convidativa, que quando percebeu estava fazendo uma
dissertação sobre a sua vida, que pareceu durar horas. Contou tudo sobre sua
vida miserável, a esposa infiel, o chefe marosco e como tudo dava errado em sua
vida.
- Mas então, diga-me, o que você quer? – o
homem disse.
- Que as coisas fossem diferentes, ué. –
disse em tom irônico. – Que eu acordasse um dia e tudo estivesse diferente, que
a vagabunda da minha esposa não me causasse mais problemas, que meu chefe não
me perturbasse mais e que eu não tivesse que me preocupar se vou ter um lugar
para morar amanha. Daria qualquer coisa por isso.
- Feito.
- O que? – nesse momento o copo que estava
em sua mão se quebrou em lascas, fazendo um corte em sua mão.
- Droga!
- Permita-me.
O homem tirou um pedaço de pano de linho
de dentro do bolso e colocou sobre o corte somente, tirando logo em seguida.
Ele se levantou e colocou o pedaço de pano
de volta no bolso.
- Mas. . .
- Agora me vou, foi um prazer fazer
negócios com você.
- Mas que negócios? – ele disse mais
interessado em pegar um guardanapo que estava ali no balcão para estancar o
sangue que saia de sua mão.
Quando ele virou-se outra vez, o homem não
estava mais lá e não ouvira o som da porta se abrir. Olhou para o bar e uma
sensação horrível lhe passou, um frio na espinha, uma sensação horrorosa.
- Tudo bem? – Nathan ouviu a voz de Russ
atrás de si e deu um pulo com o susto.
- Russ, onde você estava? Você viu aquela
cara? Ficamos conversando por horas.
- Do que esta falando? Só sai por um
minuto. E que cara? Não tem ninguém aqui. – disse com um tom intrigado.
- Mas. . . – ele tentou dizer mas estava
tão confuso quanto poderia estar.
- Você está bêbado, isso sim, vai para
casa. Ele disse por fim.
Sem dizer mais nada, Nathan saiu do bar e
voltou para casa com um sensação estranha no estomago, com se algo muito errado
tivesse acontecido, só não sabia o que. Ele voltou para casa e dormiu no sofá
como fazia desde o dia que pegava a esposa com o zelador. Teve um sonho muito
estranho com aquele homem do bar, onde tudo o que via eram os dentes e os olhos
faiscantes.
Acordou na manhã seguinte com uma dor de
cabeça muito forte, tanto que não abriu os olhos de começo. Esperou alguns
minutos e abriu os olhos relutantemente. Colocou-se sentado e ia esfregar os
olhos, mas deteve-se pois viu que sua mão estava vermelha, não vermelha,
empapada de sangue. Olhou para a outra mão, também estava cheia de sangue.
Levantou-se de um pulo e viu que sua camisa e sua calça de dormir também
estavam cheias de sangue. Apalpou-se á procura de algum ferimento e não
encontrou nada.
- Ah, meu Deus!
Afastou-se e olhou para o chão, havia uma
trilha de sangue que levava até o sofá. Com o coração aos pulos foi seguindo a
trilha de sangue e percebeu que ela vinha da escada lá de cima.
- Não, por favor não. – ele tremia
enquanto subia a escada.
Lentamente ele foi seguindo a trilha de
sangue e com uma dor no peito viu que a trilha vinha do quarto de Mariene. Ele
abriu a porta e olhou lá dentro e caiu de joelhos desesperado. Mariene estava
deitada na cama, havia sangue por toda parte, ela fora atacada no meio da noite
e a faca ainda estava lá jogada no meio do quarto.
Ele se aproximou da esposa, ela estava nua
na cama, com os braços amarrados na cabeceira, o corpo estava todo perfurado,
estava morta, bem morta.
- Você não pode morrer agora, não pode! –
ele pulou na cama e começou a tentar a desatar os nos que prendiam os braços de
Mariene, mas não conseguia. Nesse momento ele ouviu o som de sirenes de policia
se aproximando. Mas que droga!
Os policiais que o encontraram disseram
que ele estava totalmente descontrolado, banhado em sangue e não dizia coisa
com coisa. Fora preso e acusado do assassinato de Mariene, pois a faca tinha
suas digitais, ele estava na cena do crime e o pior, ele tinha motivo.
Ele não se lembrava do que acontecera,
estava bêbado demais para se lembrar, mas uma coisa sabia, ele não tinha feito
aquilo. Por mais que odiasse Mariene, não teria coragem para mata-la, se o
tivesse, teria matado ela no dia em que flagrara a traição, tentara argumentar
isso, mas só piorara as coisas.
Alguns dias depois, um guarda foi á sua
cela, alguns dias antes do julgamento. Nathan estava deitado olhando para o
teto.
- Ai, estripador, tem visita pra você.
Ele se levantou e seguiu o guarda através
dos corredores da delegacia até a sala de visitas e quando entrou não tinha
ninguém lá dentro.
- Ei, não tem ninguém aqui. – disse para o
guarda que não lhe deu atenção e fechou a porta, trancando-o. Ele caminhou pela
sala estranhando tudo isso. Passou pela mesa comprida e voltou até a porta para
chamar o guarda quando ouviu algo.
- E então, as coisas estão diferentes? –
ouviu uma voz familiar e virou-se.
Sentado numa das cadeiras da mesa, estava
aquele homem do bar. Ele deu um pulo e se bateu na parede com o susto.
- O que você tá fazendo aqui? – disse
exasperado.
- Eu vim te ver.
- Guarda! Me tira daqui! – ele gritou se
batendo na porta.
- Que falta de educação. Eu faço o que me
pediu e não recebo nem um obrigado.
Ele parou e virou-se, ele estava ofegante.
- Foi você? – disse por entre dentes e por
resposta recebeu um sorrisinho.
- Ela gritou um pouco, muito, - ele riu. –
Devia ter visto a sua cara enquanto você esfaqueava ela, quantas vezes? Trinta?
- Eu não fiz aquilo!
- Ah, fez sim. Tudo o que eu fiz foi
insuflar um pouco de coragem e criatividade nessa sua cabeça.
- Quem é você?
- Vai me dizer que você não sabe? – ele
disse exibindo um sorriso odioso.
Nathan caiu de joelhos encolhido no canto
tremendo.
- Isso não é verdade, isso não é verdade.
O homem levantou-se e veio caminhando em
sua direção com passos lentos.
- Lembra do que você disse aquela noite? - ele então imitou a voz de Nathan, não era
parecida era a voz de Nathan – “Que as coisas fossem diferentes, ué”. –
disse em tom irônico. – “Que eu acordasse
um dia e tudo estivesse diferente, que a vagabunda da minha esposa não me
causasse mais problemas, que meu chefe não me perturbasse mais e que eu não
tivesse que me preocupar se vou ter um lugar para morar amanha. Daria qualquer
coisa por isso.”
- Eu não. . .
- Fizemos um trato, lembra? – do bolso,
ele tirou o pedaço de pano de linho o jogou na cara de Nathan que o pegou com
nojo e o leu com desespero o conteúdo que estava escrito em uma caligrafia finíssima.
Era um contrato, realmente, dizendo que em
troca dos serviços do Diabo, ele ficaria com sua alma. Isso mesmo, com a alma,
um contrato muito bem elaborado alias, com uma mancha de sangue no espaço da
assinatura. O mesmo pano de linho com o qual ele limpara sua mão cortada.
- Você é o Diabo?! – ele exclamou.
- Que nome antiquado! – ele meneou a
cabeça.
- A minha alma. . . você quer a minha
alma?
- Como você pode ver no contrato, é isso
mesmo.
- Você trapaceou! – Nathan esbravejou.
- Negócios são negócios. – ele sorriu. – O
mundo gira em torno das oportunidades, você vê uma e agarra.
- Meu Deus!
- O nome não é exatamente esse.
- Você matou a minha esposa.
- Era isso o que você queria.
- Não era, você distorceu minha palavras.
- Eu não tenho culpa que você não
especificou exatamente o que você queria. Mas veja por esse lado, na atual
situação, você não tem mais a vagabunda, nem chefe, e nem vai mais se preocupar
se vai ter uma casa amanha.
- Seu desgraçado!
- Tenha uma boa, vida. Daqui alguns meses
virei buscar o que me pertence, sabe, os advogados serão osso duro no seu
julgamento.
Ele sumiu esvanecendo-se no ar. Nathan
começou a gritar como um louco e a se bater na porta. Os guardas chegaram e
foram necessários cinco deles para controla-lo. Nathan foi internado na ala psiquiátrica
da penitenciaria, esperando o dia do julgamento, no qual seria pedida a pena de
morte.
Muito interessante, parabéns!
ResponderExcluirSucesso!
Conto muito bom!!!!
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