Parte II
Capitulo V
"Mudanças no Destino"
Sebastian quase não dormira aquela noite,
pensando no que aqueles americanos lhe disseram e em todos os problemas que lhe
corroíam a mente e quando conseguiu dormir, teve um sono agitado. Quando
acordou de manhã não encontrou Eva a seu lado, ressabiado, levantou-se. De
repente um sentimento muito desagradável e familiar tomou conta dele, aquele
mesmo sentimento que teve quando seu pai, há muito tempo o deixou sozinho na
cozinha de sua antiga casa para nunca mais voltar. Um aperto no seu coração que
lhe dizia que algo estava terrivelmente errado.
Saiu do quarto e começou a chamar por Eva sem
obter resposta. Foi abrindo a porta de todos os quartos pelos quais passava,
procurando-a, detendo-se então na porta do quarto de Angelo. Com cuidado abriu
a porta e viu Eva lá, mexendo nos cabelos negros do filho que dormia
profundamente e ao ver o marido ela sorriu. Parecia tudo bem, uma cena normal,
mas seu coração sabia que havia algo errado.
- Eva, está tudo bem? – perguntou
preocupado entrando no quarto, pois via que a palidez havia voltado e seus
olhos tinham olheiras roxas profundas.
- Está. – respondeu baixinho.
Ela estava sentada no chão ao lado da
cama, com um ar estranho, meio apagado, como se a vida estivesse se esvaindo
dela. Mas como? Ela parecia tão bem antes, tão disposta.
- Angelo está bem?
- Claro que está. Eu só queria ficar
olhando para ele um pouco. – voltou a olhar para o garoto – Ele é tão bonito,
espero que também seja feliz.
- Ele será. – Sebastian não sabia se foi
o jeito com que disse, mas isso de repente lhe pareceu uma despedida.
- Me promete uma coisa? – disse ela de
repente em tom muito sério que causou um calafrio em Sebastian.
- Qualquer coisa. – sua mão suava.
- Não fique triste. – essa frase foi
como um punhal em seu coração.
- Não ficar triste, por que diz isso?
- Por que eu não quero que fique triste,
quando chegar a minha hora.
- Pára com isso Eva. - disse
aproximando-se dela e tocando-a, ela estava fria. – Eva, você tá fria. – ele a
pegou no colo e com cuidado a levantou e a carregou nos braços através do
quarto. - Vou chamar o Doutor Bennett, você vai ficar bem. – já saiam do quarto
de Angelo e andavam pelo corredor em direção ao quarto deles.
- Não. - disse ela em voz baixa. – Não
quero. – disse fazendo Sebastian parar ainda com ela nos braços. – É a minha
hora, tá tudo bem, sabíamos que esse dia chegaria.
- Mas Eva. . . – seus olhos estavam
marejados, ela não podia estar partindo assim – Não, não pode me deixar assim.
- Não vou deixar você, eu vou estar
sempre aqui. – ela tocou seu peito. Ele chorava copiosamente. Ela respirou
fundo. – Eu não estou com medo. – sua feição era realmente de quem estava em
paz – Me sinto tão leve. . .
Foi a ultima coisa que ela disse. Um
silêncio mortal pairou naquele corredor em que Sebastian ainda segurava Eva nos
braços, ele não conseguia mais ouvir a respiração dela.
- Eva. . . - Sebastian chamou sem
resposta. – Eva. . . – insistiu, sabendo muito bem que não haveria resposta.
Eva estava morta.
Caíra de joelhos no chão, com Eva nos braços,
chorando desesperado, abraçando-a como se isso pudesse manter seu espirito no
corpo. Perdera aquela que amava, seu anjo havia voltado para o Criador.
Chorava desesperado, a tristeza corroía ele
por dentro. Levantou-se cambaleante, deixando Eva deitada no chão daquele corredor.
Estava perdido, zonzo pelo impacto acontecido. Ouviu então passos subindo a
escada e viu Luigi e Pietro vindo em sua direção. Eles tinham vindo, como
sempre, para irem juntos para o vinhedo e tinham ouvido o choro desesperado de
Sebastian lá da sala e subiram correndo aflitos e se depararam com essa cena:
Sebastian chorando desesperado andando para lá e para cá e Eva no chão.
- Ela morreu. . . - disse com
dificuldade caindo de joelhos no chão outra vez – Ela morreu. . .
Os irmãos se entreolharam chocados e se
aproximaram dele. Luigi abraçou Sebastian e com a cabeça fez sinal para que
Pietro verificasse se Eva estava mesmo morta, enquanto ele o levantava do chão
e caminhava com ele para o quarto do casal.
- Ela se foi, Luigi. . . – soluçava
enquanto o irmão o abraçava tentando acalmá-lo.
- Sebastian. . . eu. . .
Logo depois, Pietro apareceu na porta do
quarto e com a cabeça fez um sinal afirmativo, confirmando a triste realidade.
- Eu sinto muito, Sebastian. – disse Luigi
ao mesmo tempo em que o irmão se aproximava e colocava a mão no ombro de
Sebastian, num gesto terno. Nunca mais nada seria o mesmo
Dois meses haviam se passado desde a morte de
Eva e nesse tempo, os gêmeos notavam um ar perturbador em Sebastian. Um ar meio
desligado, meio sonâmbulo, estranho, como era aquele rapaz que Eva havia
encontrado na frente de certa lanchonete, anos atrás. E naquele dia em especial
esse ar desligado estava pior do que antes, pois o testamento de Eva havia sido
lido naquela manhã, revelando Sebastian e Angelo sendo os herdeiros de uma
grande fortuna. Eva era rica, isso se sabia, boa parte de seu dinheiro era
fruto de seu próprio trabalho, em anos á frente do vinhedo. A outra parte, bem
maior, era o que havia herdado de seus pais. Nunca soube o que fazer com tanto
dinheiro, por isso deixou o parado em uma conta. Agora, inesperadamente
Sebastian e Angelo eram milionários. Angelo não sabia ainda que sua mãe havia
morrido. Como a criança de quatro anos que era, achava que Eva estava em alguma
viagem misteriosa e com essa versão da historia ele ficaria até que tivesse
idade para entender oque acontecera.
Os irmãos Tomazi resolveram passar um tempo no
casarão, para ajudar Sebastian a cuidar de Angelo e para animar o amigo que
parecia estar entrando em depressão.
Sebastian estava sentado num banco de madeira
antiga mas boa, na varanda do casarão, sozinho, enrolado num cobertor. Aquele
era um dia frio, afinal estavam no final do outono, logo chegaria o inverno e
ventava muito por aqueles lados. Estava quieto, apenas olhando para o nada,
pensando em varias coisas. Isso não era justo! Será que nunca seria feliz? Será
que todas as pessoas que amava tinham que acabar sete palmos abaixo da terra?
Não era justo!
Os irmãos, juntamente com a babá de Angelo,
observavam-no do lado de dentro através da janela de vidro da sala.
- Ele está lá desde que o tabelião foi embora.
– comentou a babá Sophia – Já fui lá duas vezes para perguntar se ele queria
alguma coisa e ele só me ignorou, continuou calado, olhando pro nada. –
seguiu-se um silêncio – Será que ele está bem?
- É o que vamos descobrir. – Luigi disse
caminhando através da sala em direção á porta, chamando a atenção de Pietro.
- Ei, Luigi! – Pietro correu até ele,
segurando-o pelo braço, interrompendo-o. – O que está fazendo?
- Vou ver o que ele tem. – disse naturalmente
confuso com a atitude do irmão.
- Não parou para pensar que talvez ele
precise de um momento sozinho? Dá uma folga, ele só está triste.
- Você não reparou na cara dele? É a
mesma cara que ele tinha quando. . . –
hesitou – E se ele estiver pensando em voltar a usar aquelas porcarias? E se já
estiver usando?
- Nós não conseguimos fazê-lo parar
naquela época, o que o leva a pensar que conseguiríamos agora? – Pietro
objetou.
- Poderíamos tentar pelo menos. – disse
sério – Agora ele tem uma vida, um filho, um futuro pela frente. Antes ele não
tinha nada disso. – revoltava-se – Em respeito á memoria de Eva, não vou deixar
que todo o trabalho que ela teve para endireitar esse filho da mãe vá pelo
ralo. – afastou-se e ia em direção á porta outra vez.
- Em respeito á memoria de Eva, vá mais
devagar, irmão. – Pietro jogou a indireta
venenosa – Ainda estamos de luto, lembra?
- O que? – virou-se ao ouvir a
apunhalada – Se tem algo para dizer, irmão, diga logo. Eu estou farto das suas
indiretas. – aproximou-se com ar visivelmente irritado.
- Sabe muito bem oque eu quis dizer. –
disse com sarcasmo, provocando-o.
E Luigi realmente sabia, e isso lhe
doía, no coração. Essa era sua única fraqueza e era triste ver que seu irmão o
provocava desse jeito.
- Eu tenho sim respeito por Eva, eu a
admirava. Foi por causa dela que deixamos aquela vida horrível, e você sabe que
eu nunca. . . – hesitou – Ele é meu
amigo.
- Mas bem que você queria que isso fosse
diferente. – Pietro disse direto dessa vez. – Acorda Luigi, isso não vai
acontecer.
Luigi lançou lhe um olhar de surpresa e
desapontamento tão forte que fez Pietro se arrepender do que disse.
- Vou fingir que você não disse isso. –
disse sério e com a voz pesada – Tenho que cuidar de um amigo agora.
Virou-se, respirou fundo para se controlar
depois dessa conversa e voltou a caminhar na direção da porta de vidro da
varanda. Pietro sentiu-se mal por ter dito aquelas coisas. Isso era um assunto
apenas de Luigi, historia antiga, que não lhe dizia respeito. Odiava discutir
com o irmão, então o seguiu.
Do lado de fora os rapazes foram
surpreendidos por um vento gelado, arrepiando lhes os pelinhos dos braços pois
estavam só de camiseta. Devagar e com cuidado, aproximaram-se do banco em que
Sebastian estava sentado, jazendo quieto como uma pedra.
- Sebastian, - começou Luigi – vamos
entrar, está frio, vai acabar pegando uma gripe se ficar aqui pegando esse
vento. – o amigo continuava absorto em seus pensamentos.
Ao ver que a coisa era realmente seria, Luigi
sentou-se ao seu lado no banco.
- Como você está? – ele perguntou
colocando a mão em seu ombro.
- Como acha que eu estou? – respondeu
ríspido depois de tanto silêncio, deixando Luigi intimamente alegre por ter
arrancado alguma reação do amigo, bruta que fosse.
- Sebastian, você não pode deixar se
abater assim. – tentava animá-lo. – Angelo ainda tem o pai, ele precisa de
você. E você tem seus irmãos aqui, pode desabafar.
Seguiu-se um momento de silêncio sepulcral
entre os três naquela tarde fria. Sebastian parecia estar decidindo se ia falar
ou não, deixando-os apreensivos, mas por fim respirou fundo e começou, sem ao
menos levantar a cabeça para encará-los.
- Eu fiquei aqui, esse tempo todo,
pensando em tudo o que me aconteceu. – disse serio – Uma vez eu disse para Eva
que nós mesmos fazíamos o nosso final. Ela por outro lado acreditava em
destino, Deus, ou qualquer outro nome que queiram dar a isso. Sabem o que ele é? Eu vou dizer, não passa de uma
criança sádica brincando com a gente como se fossemos soldadinhos de
chumbo. E eu estou cansado de esperar
que ele se canse de mim ou que ele me faça justiça, enquanto arranca de mim as
pessoas que eu amo.
- Do que está falando? – Pietro
perguntou desconfiado.
- Eu
tentei, eu juro que tentei não me perder, mas parecia sempre que tinha alguma
coisa me puxando á isso. Eu lutei, tentei ser bom, talvez assim coisas boas
viessem, mas não tem jeito. Parece que quanto mais eu tento me afastar dessa
caminho, mais o destino me chuta. Ele quer que eu jogue o joguinho dele? Então
eu vou jogar.
- Como assim?
- Robert Murphy. – disse por entre os
dentes.
Os irmãos se entreolharam assustados,
conheciam a história de Sebastian e sabiam mais ainda que ele nunca tocava no
nome dele daquele jeito, nem nos seus piores dias.
- Eu prometi ao destino que voltaria a
encontra-lo. Está na hora de cumprir minha promessa. – disse com sarcasmo.
- Sebastian, você não tinha desistido
desse historia de vingança? – Luigi perguntou olhando desconfiado para Pietro.
- Tinha. – ele respondeu meio disperso -
Ela que não desiste de mim. Vou voltar para minha terra, vou encontra-lo e vou
fazer justiça. – disse determinado – Mas preciso da ajuda de vocês dois. – disse
virando-se e encarando os irmãos – Me ajudarão?
- Sim. – Pietro disse sem pensar. – é claro
que vamos com você, irmão.
- Mais do que ninguém a gente sabe o
quanto você sofreu por causa dele. – disse Luigi serio. – Você tem certeza que
é isso mesmo que quer? Uma vez começado, não tem volta.
- Tenho. – disse enfático.
- Então eu vou. – disse Luigi. – Mas o
que tem em mente?
- Vou
destruí-lo. – disse muito calmo. – Quero que ele sofra. Quero que ele saiba o
que “desespero” significa. Ele vai
pagar por cada lagrima derramada, por cada noite não dormida, por cada gota de
sangue que derramou do meu pai. Vou acabar com ele, e não vou ter piedade.
Ele nunca o tinha visto assim com tanto ódio a
sede de vingança cegando-o. Demonstrava uma parte dele que nunca tinha visto,
diabolicamente astuta, perigosa, mas não lhe tiravam a razão. Sebastian era seu
amigo, seu irmão, na época das ruas ele o ajudara de varias formas, pelas quais
era grato até hoje. Não negaria esse favor ao amigo, pois sabia que faria o
mesmo se os papéis se invertessem.