PREFACIO
Ethan O’connel parou para respirar um
momento, estava esbaforido e suando em bicas e imaginava se por acaso o sol
havia explodido e lançado sua energia em direção á terra, queimando todos os
seres vivos. Não, o sol não havia explodido, era apenas o dia mais quente
naquele verão, mais quente do que o normal. Se você parasse no meio da rua e
ficasse observando, poderia ver o calor subindo em ondas do asfalto, e se você deixasse
cair um ovo no chão, em instantes teria uma bela omelete. Mas aquela quadra de
basquete de rua, sem paredes e sem cobertura, mas com grades apenas para a bola
não voar até a avenida, parecia uma churrasqueira e ele um espetinho. O sol
incidia bem em suas costas e ele parara, com as mãos no joelho, cansado e sem
folego. Seu cabelo negro pingava suor e seus olhos azuis estavam incomodados
com a luminosidade que o chão da quadra refletia.
- Ai, tio, se não consegue acompanhar a
juventude, pode sentar ali, com a turma do xadrez. – Wayne Brown, o rapaz com
quem jogava basquete o provocou com seu costumeiro sorriso e tom descolado,
apontando para o parque do outro lado da rua, onde velhos jogavam xadrez em
mesas de concreto.
- Tio? – disse ofendido - Garoto, eu sou
apenas cinco anos mais velho que você. – Ethan disse se aprumando. – Eu só
preciso de um minutinho para retomar a linha do raciocínio. – na verdade queria
recuperar o folego. Wayne parecia tão inteiro como quando entrou na quadra, uma
hora antes.
Era verdade, Ethan tinha vinte e seis, e
Wayne tinha vinte e um. Os dois jogavam basquete juntos á um ano, e Wayne
sempre o provocava, dizendo que Ethan era lento e velho para acompanha-lo, o
que não era totalmente mentira, mas Wayne tinha realmente certa vantagem. Era
alto e magro, era moreno, e tinha aquele ar de jogador profissional, misturado
com astro do hip-hop. Ele corria pela quadra como um Guepardo e para provocar,
girava a bola laranja na ponta dos dedos, como um jogador da NBA. Ele teria
futuro no esporte, Ethan pensava.
- Se você quiser, eu posso te arrumar uma
bengala. – Wayne provocou sorrindo, batendo a bola no chão.
- Você vai precisar de uma quando eu
terminar com você. – ele retrucou e recomeçaram o jogo.
Todas às vezes eram assim, um provocava o
outro, mas se davam muito bem, dentro e fora da quadra, e nunca dispensavam a
oportunidade de um jogo. Numa jogada mal calculada de Wayne, Ethan conseguiu
roubar-lhe a bola e corria em direção á cesta, para marcar um ponto que
esfregaria na cara de Wayne, mas algo o interrompeu.
- Padre O’connel! – Ethan ouviu uma voz
familiar lhe chamar e virou-se bruscamente para ver de onde vinha, era o Padre
Molina, que estava parado, do lado de fora da quadra, com seu olhar reprovador,
observando-o através das grades de proteção, as mãos nas costas, parecia mais
como um pai chamando um filho para dentro de casa, quando já passou muito da
hora de entrar.
Ele parou e olhou para Wayne, como quem se
desculpa por deixar uma pessoa na mão. Era meio chato ser interrompido assim,
mas tinha suas responsabilidades. Era padre, um padre católico apostólico
romano, o Padre O’connel, o padre novato da igreja de São Miguel, que
congregava ali em Seattle mais ou menos á um ano e que tinha um fraco por
basquete de rua. Ele sabia que não era apropriado, o próprio Padre Molina lhe
dissera isso varias vezes, mas não conseguia evitar.
- Eu tenho que ir. – Ethan disse meio sem
jeito, devolvendo a bola que estava em suas mãos.
- Vai com Deus. – Wayne disse sorrindo e
se despediram com um aperto de mão bem hip-hop. Wayne sabia que quando Padre
Molina vinha chama-lo, ele tinha que ir.
Ethan veio andando calmamente até o portão
da quadra, tendo os movimentos acompanhados pelos olhos atentos do homem de
cabelos brancos e óculos de aro retangular, desproporcionalmente alto e por
isso um pouco curvado usando a calca preta, o casaco preto e a tarja branca no
pescoço que não deixavam duvidas de quem era. Olhou para traz, Wayne fazia
algumas cestas sozinho e não errava uma. Olhou para o horizonte e viu que umas
nuvens negras se aproximavam e ao longe pensou ter ouvido um trovão, o que era
estranho, já que o dia estava tão quente, mas chuvas de verão são assim, chegam
de repente. Eram quatro horas da tarde.
- Sim? – Ethan disse se aproximando.
- Espero não estar atrapalhando. – Padre
Molina disse meio irônico. – Você parecia estar levando uma surra.
- Não, não estava. – disse esboçando um
sorriso. – Mas eu acho que estou ficando lento.
Padre Molina sorriu e fez um gesto de
cabeça, dizendo que queria que Ethan o acompanhasse, ele assim o fez, e os dois
foram caminhando em silencio através da rua movimentada até a igreja de São
Miguel, que ficava apenas a dois quarteirões de distancia da quadra, onde
também ficava a casa paroquial onde os dois moravam. Muito estranho. Padre
Molina normalmente fazia esse percurso fazendo uma longa dissertação sobre
juventude e responsabilidades, e outras coisas que no fim queriam dizer a mesma
coisa: basquete de rua era inadequado á um padre, e ele fazia esse mesmo
discurso nesse um ano em que estava na igreja de São Miguel. Mas naquele dia
ele estava calado e pensativo e isso deixou Ethan apreensivo.
Quando chegaram á igreja, abriram o portão
e caminharam por um caminho de ladrilhos que atravessava o jardim até a casa
paroquial que ficava nos fundos da igreja. Realmente, a chuva só esperara por
eles, pois assim que fecharam a porta atrás de si, a chuva caiu forte.
A casa era pequena, a cozinha se juntava
com a sala, em um único ambiente, separado apenas por um balcão, que fazia o
trabalho de mesa. Havia dois quartos pequenos e um banheiro. Era uma casa
pequena, pobremente decorada, mas era o suficiente para os dois viverem bem,
afinal, eram padres, e não precisavam de muita coisa, além, disso havia o
detalhe do voto de pobreza.
Padre Molina sentou-se pesadamente no sofá
e fez sinal para que Ethan fizesse o mesmo. Ele obedeceu apreensivo. O velho
estava serio e olhando para o vazio, como se procurasse as palavras para
começar um assunto que seria incomodo tanto para ele quanto para Ethan. Esse
tipo de ansiedade fazia se estomago dar pulos.
- Precisamos conversar, Ethan. – ele nunca
o chamava de Ethan, logo percebeu que havia algo errado.
- Padre, há algo errado?
- Há quanto tempo foi ordenando padre?
- Um ano. Assim que fui ordenado, vim para
cá.
O velho pareceu pensar por um momento com
um ar bastante cansado, como se tivesse sido ele á ter jogado basquete á tarde.
- Você será transferido. – disse rápido,
como se quisesse tirar um curativo, rápido, para que não doesse.
Ethan ficou calado por um tempo,
absorvendo a frase que foi dita e tudo o que ela implicava. Transferido, seria
transferido, iria embora dali, mas como, por quê?
- Mas. . . O que esta acontecendo? Eu fiz
algo errado? – alarmou-se
- Não, não fez nada errado. – ele forçou
um sorriso. - O padre da paroquia de São João, em Elder, vai se afastar, é uma
longa historia. A questão é que querem mandar alguém jovem para lá, e seu nome
apareceu como uma opção.
- Mas. . . Eu. . . Tenho um trabalho com os jovens daqui.
- Na quadra de basquete? – Molina o
alfinetou.
- Sim, para tentar alcança-los em seu
ambiente e estou conseguindo. Eles vêm á mim, quando estão querendo conversar,
quando tem problemas. . .
- Em todos os lugares tem pessoas com
problemas, e lembre-se que devemos ir aonde Deus nos manda.
- Eu sei. – Ethan baixou a cabeça. – Mas,
o senhor acha que eu consigo tomar conta de uma comunidade sozinho?
- Não sou eu que tenho que achar alguma
coisa, Ethan, é você. Procure a resposta em Deus, ele te dirá.
- O senhor ficará bem sem mim?
- Eu me viro.
Padre Molina lhe lançou um sorriso e
levantou-se do sofá com certa dificuldade, deixando Ethan ainda sob o efeito do
choque inicial da novidade. Padre Molina era uma boa pessoa, ele o acolhera
quando ele chegara a Seattle e era muito paciente com Ethan em vários aspectos:
sua juventude, sua inexperiência e acima de tudo, sua esperança nos homens.
Claro que ás vezes tinham seus atritos, mas nada muito diferente que um pai
teria com um filho ao mostrar-lhe um caminho.
Ele não dormiu naquela noite, pensando na
conversa com Molina. E depois de muito rezar, como o padre havia lhe dito, a
resposta lhe veio, tão simples que ele não pode acreditar. Em paz ele dormiu e
uma semana depois, estava embarcando para Elder.
CAPITULO I
Ethan O’connel nascera na Irlanda, em mil
novecentos e oitenta e cinco, num bairro pobre de uma cidade pequena. Tinha um
pai forte e uma mãe amorosa, e tinha dois irmãos mais velhos, os quais amava. A
vida naquela época era simples, más muito boa, pois acima de tudo em sua casa
havia amor e paz, de um modo que poucas famílias podiam dizer que desfrutavam.
O pequeno Ethan ia crescendo á olhos
vistos e sua beleza só era ultrapassada por sua bondade, mesmo quando criança,
com seus cabelos negros, olhos de um azul profundo e a pele tão branca quanto
seda, ele parecia um querubim de alguma pintura renascentista, e quem
convivesse com ele e visse seus modos, sua calma, sua delicadeza e cuidado com
as coisas não duvidaria de que realmente o era.
Havia uma igreja católica, uma pequena
capela, á não mais do que três quadras de sua casa, mas que ele nunca havia
visitado. Entendam bem, aquela era a Irlanda, com os conflitos entre católicos
e protestantes em pleno vapor, e seus pais mesmo sendo de formação protestante,
não quiseram impor religião aos filhos, não com o país como estava, preferindo
ficar de fora de tamanho disparate. Eles acreditavam em Deus, é claro, mas não
seguiam dogmas, para eles bastava que os filhos soubessem a diferença entre o
certo e errado, e que se fizessem algo errado, havia algo maior, além de sua
compreensão, que estava vendo tudo, assim como suas boas ações. Aos dez anos,
Ethan não era batizado, nem crismado, nem tinha feito a primeira comunhão, e
ser padre era até então uma ideia meio distante.
Uma certa tarde, estava Ethan e sua mãe
num ônibus, era vinte de junho de mil novecentos e noventa e seis, ele sempre
se lembraria dessa data, foi o dia em que tudo mudou para ele, foi o gatilho
que o fez se tornar o que viria a ser. O ônibus estava vindo do centro da
cidade em direção ao seu bairro, havia pelo menos umas vinte pessoas dentro do
ônibus, ele e sua mãe estavam na parte traseira, perto da porta. Ele saboreava
um sorvete de limão, era verão e estava muito quente naquele dia, estavam
voltando de uma consulta rotineira ao medico, sua mãe e ele, e ela prometera
que se ele se comportasse, ela lhe compraria um sorvete. Chantagem? Pode ser,
mas nunca ninguém vira criança mais comportada naquele consultório medico.
O pequeno olhou para frente um momento e
viu um homem que entrava no ônibus, ele usava uma roupa preta estranha, com uma
tarja branca no pescoço, e ele se lembraria mais tarde que havia achado o homem
muito estranho por que estava muito quente, e aquela roupa não era apropriada,
pois o cobria por completo, mas o que mais lhe chamou a atenção foi a tarja
branca no colarinho.
- Que roupa estranha. – ele comentou para sua
mãe, com o olhar fixo no homem que já se sentava á três bancos de distancia
deles.
- O que foi? – sua mãe perguntou, estava
distraída olhando pela janela.
- Aquele homem, - ele apontou. – por que
ele tem uma tarja no colarinho?
- Ah, Ethan. – ela riu de modo amável. –
Ele é um padre. – ela respondeu com uma naturalidade que o espantou.
O garoto ficou quieto um tempinho, absorvendo
essa palavra que para ele era nova. Padre. Sua cabecinha de criança funcionava
de modo muito objetivo: tudo bem, ele usava aquilo por que era padre, mas. . .
O que era um padre? Era um gênero, uma profissão, o que? E por que ele tinha
que usar aquilo? Isso só fez sua cabeça de criança formular mais perguntas
sobre o assunto. Ele iria fazer á mãe um questionário inteiro sobre o padre quando chegasse em casa, pois
antes que ele percebesse, ela voltara a se distrair com o mundo através da
janela. Isso era uma coisa que ele realmente não gostava nos adultos, quando o
deixavam na curiosidade sobre um assunto. É que as vezes as pessoas se
esqueciam de que estavam tratando com uma criança de dez anos, com o cérebro em
desenvolvimento, com um milhão de perguntas fervilhando em sua cabeça.
Começavam um assunto, e quando Ethan se deparava com uma palavra que não
conhecia, ou algo que fosse inteiramente novo para ele, as pessoas não
explicavam o que aquela determinada coisa significava, e logo elas se esqueciam
e ele ficava com aquilo martelando em sua cabeça, até alguém tocar no assunto
de novo, ou até ele descobrir por si mesmo, o que acontecia na maioria das
vezes e ele pressentia que com o padre não seria diferente. Ethan fez um tipo
de anotação mental para não se esquecer desse nome e para pesquisar sobre elé
quando tivesse a chance. Mas não foi assim que ele ficou sabendo o que um padre
significava, pois se ele tivesse descoberto de outra forma, perguntando ou
pegando a rabeira de uma conversa que seja, a descoberta do que a palavra padre
significava não teria surtido o efeito que surtiu no pequeno.
Alguns minutos e alguns pontos depois do
padre ter entrado no ônibus algo aconteceu. Dois homens subiram no ônibus,
estavam mascarados com aquelas mascaras pretas de esqui, que só deixam os olhos
á mostra. Um deles tinha uma arma automática e o outro tinha duas garrafas de
vidro com um liquido espesso dentro e na boca da garrafa um pedaço de tecido,
coquetel molotov. Eles estavam gritando
e apontando a arma para o motorista e o cobrador, e foi aquele pânico, todo
mundo começou a gritar também, com medo, pois sabiam o que estava acontecendo.
Os protestos estavam ficando cada vez mais violentos, e os jornais noticiavam
que alguns desses baderneiros colocavam fogo nos ônibus, e aparentemente era
isso o que estava acontecendo, pois o que estava com a arma veio andando dentro
do ônibus, gritando para todo mundo sair.
Ethan estava paralisado observando aquilo
e sua mãe o estava empurrando do banco para que ele se mexesse. Tudo parecia
muito bem planejado pelos terroristas, eles estavam de certa forma calmos, até
que viram o padre. Eles ficaram loucos, furiosos, gritavam mais ainda, o que
causou mais pânico nas pessoas que tentavam sair pelas portas semiabertas, pisoteando
umas ás outras como um estouro de manada. Os terroristas puxaram o padre de seu
banco e começaram á espanca-lo com chutes e pontapés, com socos e a esbravejar
que iriam todos morrer queimados, pois estavam acobertando aquele verme. Mais
tarde, Ethan viria a descobrir que aqueles dois malucos eram fanáticos
protestantes. O Padre, no entanto, não revidava, apenas tentava se defender da
forma como podia devido ás circunstancias, encolhendo-se á medida que eles
intensificavam a ofensiva. Num momento em que eles pararam um pouco,
provavelmente para respirar, o padre levantou a mão e falou:
- Sei que vocês entraram aqui hoje
querendo sangue. O meu é suficiente, deixem essas pessoas saírem. – então ele
se virou e olhou bem para Ethan e acrescentou: - Não querem ter o sangue dessa
criança nas mãos. Querem?
- Não tá com medo não, sua bicha? – um
deles gritou meio alterado. – acha que eu não mato você só por que é a porcaria
de um padre?
- Eu sei que vai me matar. – o padre
respondeu com calma. – Mas essas pessoas não precisam morrer também. Seu
problema é comigo, deixe que eles saiam. – ele estava muito calmo, então para
finalizar, ele disse: - Tudo bem, eu perdoo vocês.
Os agressores pararam e se entreolharam.
Deixando o padre lá caído. Eles abriram as portas e começaram a empurrar as
pessoas que ainda estavam dentro do ônibus para fora, uma cascata de pessoas. A
mãe de Ethan o pegou no colo e saiu aos pulos, ela foi a ultima á sair antes
dos terroristas saírem e fecharem a porta deixando o padre lá dentro trancado.
Aquele que estava com as garrafas com o explosivo ascendeu os pedaços de tecido
que saiam pela boca das garrafas e as atirou para dentro do veiculo através de
uma janela quebrada na confusão e o fogo se espalhou rápido nos bancos de
espuma. Mas antes que ele o fizesse, Ethan conseguia ver a figura do padre em
outra janela, olhando para ele com um sorriso, ele não estava com medo. Em
segundos o ônibus era uma bola de fogo no meio da rua.
Os terroristas saíram correndo através das
ruas e logo Ethan ouviu o som do carro dos bombeiros cada vez mais perto. Ele
nunca se esqueceria daquele padre, do olhar dele antes de morrer queimado. O
padre dera sua vida para que ele estivesse vivo, ele se sacrificara. Ele
entendia isso, e além do sentimento de tristeza, ele sentia uma crescente
admiração por aquela pessoa e pelo o que ela tinha feito, antes de morrer ele
perdoara seus assassinos, isso era algo incrível, que o mudou para sempre e com
isso lhe veio a culpa por estar vivo. Como foi dito, foi assim que ele ficou
sabendo o que é um padre, e o que ele significava, e talvez não tivesse se
tornado um se não criasse em sua cabeça desde cedo o conceito de sacrifício.
Por conta própria, Ethan começou a
frequentar a capela católica perto de sua casa e descobriu por si mesmo o que
um padre era: era aquele que falava em nome de Deus. No começo assistia á missa
sozinho, escondido, como se estivesse fazendo algo errado, nem para seus pais
contara o que estava fazendo na rua num domingo cedo e sozinho foi aprendendo o
que significava muitas coisas da doutrina católica. Ali sentado no fundo da
capela ouviu o velho padre falar sobre um menino que havia vivido em uma cidade
chamada Jerusalém, á muito tempo atrás, que era bom e que seu amor pelo próximo
era tanto que havia se deixado morrer crucificado para a remissão dos pecados
do mundo. Seu nome era Jesus, era filho de Deus, seu filho único e amado.
Ouvira que ele havia sido um grande homem, que falava ao povo sobre o amor de
seu pai, sobre perdão, sobre como ele também perdoara seus assassinos na hora
de sua morte. Ouvira como outras pessoas, os santos, falavam em seu nome
através dos tempos, de como morreram por ele também, pela fé que tinham, pelo
amor que tinham á Ele, e vários outros acontecimentos que para ele eram tão
longínquos, mas que ele entendia perfeitamente: tudo isso se resumia ao amor,
amor á Deus, amor ao próximo, era sobre amor, e esse legado continuara através
do tempo e ele estava bem ali, na igreja. O padre assassinado se deixara morrer
por amor á ele. De repente então
compreendera o que o padre fizera e o por que. E seguindo esse raciocínio
logico, imaginara como era perfeito essa coisa que fora toda baseada em amor.
Ethan queria fazer parte disso também,
queria sentir esse amor que era gratuito e maior do que tudo o que ela já havia
visto. De alguma forma sentia que era exatamente ali que deveria estar, que
toda sua vida antes disso era um vazio negro, uma tempestade e que finalmente
agora conhecia o sol. Ele sentiu que havia sido trazido lá por uma força maior,
Deus, e que havia nascido apenas para estar ali, para ama-lo também.
Essa revelação caiu em Ethan de forma
dolorosa, como um amor platônico: ele queria fazer parte da igreja, do fundo do
seu coração infantil e inocente ele queria, mas não sabia como fazê-lo e não
sabia como pedir ajuda. Tinha medo de falar com seus pais sobre isso,
principalmente depois do episodio do ônibus, se sem religião quase morrera,
imagine se começasse á ir á igreja, eles teriam um ataque. E durante muito tempo ele voltou á capela,
sentando-se em seu cantinho lá no fundo, as vezes chorando quando ouvia o padre
falar cada vez mais emocionado.
O padre daquela capela era o Padre Rupert.
Tinha cabelos negros espessos e olhos castanhos um pouco inquisitivos. Tinha
uns trinta anos de idade e uma forma física meio cheia. Era um bom homem de
descendência italiana, e chagara aquela cidade um pouco antes do acontecimento
do ônibus. Um dia, durante a missa, o Padre Rupert o notou, notou aquele menino
de cabelos negros e então reparou que ele sempre vinha, mas não vinha comungar,
nem vinha se confessar, nada, apenas ficava lá no canto assistindo a missa e
depois ia-se embora, invisível como chegara. Reparara nele por que mesmo sendo
tão pequeno e mesmo não participando exatamente da missa, ele era quem
demonstrava maior concentração, digamos maior fé, mais do que algumas pessoas
que iam lá para cochilarem no meio do sermão. Depois que a missa acabou aquele
dia, o Padre Rupert praticamente correu pelo corredor esquerdo da capela para
alcançar o garoto que estava indo embora e o pegou pelo ombro. Rupert estava
arfando quando o alcançara, afinal era não era lá muito atlético e a cena
ficara um tanto cômica.
- Eu não fiz nada! – Ethan disse assustado,
tentando desvencilhar-se. Ele estava com medo, não sabia do que, más estava com
medo.
- Não, garoto, claro que não fez. – Rupert
ainda recuperava o folego. – Eu só queria conversar com você. – disse de forma
amena.
Os dois ficaram em silencio por um
tempinho, se olhando. Ethan analisava o pedido de Rupert com calma. Eles foram
andando e Ethan se deixou ser conduzido até o banco que normalmente ocupava. Os
dois sentaram-se lado a lado. Rupert ficou olhando para ele de forma curiosa.
- Onde está sua mãe?
- Eu vim sozinho.
- É, eu percebi isso, você sempre vem
sozinho, por que?
- Minha mãe não acredita. – disse ele de
cabeça baixa. – Ninguém em minha casa acredita.
Rupert pareceu ponderar sobre essas
palavras e observou o pequeno com as mãos arranhando as pernas da calça, como
normalmente fazia quando estava nervoso.
- Mas você acredita. – ele colocou como se
fosse uma afirmação e Ethan olhou para ele com olhos marejados e para Rupert
isso foi uma confirmação. – Qual é o seu nome, filho?
- Ethan. – disse ele choroso.
- Ethan, por que chora? Não precisa
chorar. – ele tinha um semblante muito calmo e sorria.
- Eu me sinto tão pequeno, eu queria poder
fazer alguma coisa, mas eu não sei como. Ele deu a vida dele por mim, eu não
estaria aqui se não fosse por ele e eu venho aqui todos os dias e não faço
nada. As vezes sinto que deveria estar aqui e a certeza disso me mata, tanto
quando a duvida se isso tudo valeu a pena. – ele chorava, remoendo a culpa que
sentia pela morte do padre e nem Rupert nem ele próprio sabia se ele estava
falando do padre assassinado ou de Jesus.
- É a primeira vez que vejo alguém tão
jovem com tamanha fé e tamanha duvida sobre a fé. – ele sorriu benevolente. –
Me responda uma coisa, Ethan, você acredita em Deus, mas você o ama?
- Amo, sim. – respondeu olhando em seus
olhos.
- Agora, você acredita, tem fé de que Ele
te ama?
- Sim. – ele soluçou
- Então, você tem a sua resposta. – Rupert
tirou um lenço do bolso e o deu á Ethan. - Deus usa caminhos misteriosos para
espalhar seu amor. Seja qual for o caminho que ele usou para te trazer até
aqui, deu certo, valeu á pena. Você não apenas acredita, você o ama e isso é
maravilhoso. Você já chegou até aqui, era o mais difícil a fazer. Agora, você
prefere ficar como está, ou quer fazer alguma coisa?
- Como assim? – ele disse confuso.
- Você é batizado, Ethan?
Conversaram durante um bom tempo no banco
de madeira da capela enquanto a tarde se esvaia. No dia seguinte, Padre Rupert
foi até a casa de Ethan para conversar com seus pais sobre a inclinação cristã
da criança e se eles estavam dispostos a deixar que o filho frequentasse a
igreja católica, que essa era sua vontade e talvez até que ele fosse batizado e
começasse a catequese. Seus pais se mostraram meio arredios á essa ideia, mas
por fim acabaram por deixar a Ethan frequentar a igreja, do jeito certo. Eles
notaram que ele estava feliz assim e acima de tudo eles queriam que ele fosse
feliz. Não passou-se muito tempo, Ethan já estava batizado, fazendo a catequese
para ter a primeira comunhão e logo, era coroinha da capela, ajudando Padre
Rupert nas tarefas da missa.
Ethan foi crescendo e quando foi chegando
a época, sentiu que logo não poderia mais ser coroinha, pois isso era coisa de
criança, mas de forma nenhuma poderia deixar de estar de forma ativa na igreja.
A resposta ele soube a vida inteira e o momento de dizê-la aos quatro ventos
havia chegado. Quando fez dezessete anos, pediu que Padre Rupert o inscrevesse
no seminário, se tornaria Padre. A noticia meio que caiu como uma bomba em sua
casa, principalmente em sua mãe que ainda se lembrava do ônibus incendiado.
Ainda era a Irlanda. Mas sua mãe acabou aceitando a decisão do filho, mas com
uma condição, de que ele não ficasse no pais. Ela sabia que havia esses padres
missionários que vão aonde o dever os chama, e que se ele fosse ser feliz, que
fosse feliz vivo, longe da Irlanda.
Puxa... Comecei a ler o seu texto e não consegui parar até terminá-lo! Você é uma grande escritora, parabéns! Conheci o seu trabalho no Clube de autores, onde eu também tenhp trabalhos publicados. Desejo a você muito sucesso e que o seu trabalho seja reconhecido o quanto antes!!!
ResponderExcluirBeijo!!!
UMA VIAGEM AO FUTURO
http://www.umaviagemaofuturo.blogspot.com.br/
Olá Junior! que bom que gostou do texto, ele ainda está em construção mas logo estará disponivel no "Clube de Autores". Espero em breve estar postando mais sobre essa história que está ficando muito boa!!!
ExcluirBeijos e obrigada pelo carinho!