Parte I
Capitulo VI
"Eva"
O porto de Nápoles era grande. Navios ancoravam
e zarpavam todos os dias deixando-o cheio de contêineres e mercadorias de
várias partes do mundo, ou seja, trabalho era o que não faltava á Sebastian.
Juntamente com Pietro e Luigi, trabalhava duro, mas com a consciência limpa,
com um trabalho duro, mas honesto.
Era um dia do sol ameno e Sebastian
descarregava um contêiner colocando seu conteúdo num caminhão estacionado ao
lado, tudo isso sozinho. A mercadoria não era tão pesada, além do mais, os
irmãos Tomazi (era assim que Pietro e Luigi
eram chamados, pois andavam sempre juntos) estavam do outro lado do porto
descarregando outro contêiner.
Sebastian já havia descarregado a última caixa
quando olhara para o lado e vira o mar, inconscientemente aproximando-se do
muro de proteção. Colocara a caixa no chão ao seu lado e olhava para as aguas
mais adiante na praia, onde ondas brancas vinham quebrando e via também uma ou
outra gaivota voando. Seria um cenário lindo em outras circunstâncias.
Fechou os olhos ouvindo o barulho das ondas lá
embaixo batendo contra as rochas, sentindo a leve brisa em seu rosto, e isso
tudo o remeteu há tempos atrás quando nadava no rio de sua cidade, na época em
que sua maior preocupação era chegar a casa a tempo do jantar e talvez levar uma
bronca do seu pai. “Ah, se ao menos eu pudesse
dar um mergulho. . .” , pensou. Pareciam séculos desde a última vez,
naquele dia em que. . .
Havia dias em que a tristeza batia mais
forte, outros dias nem tanto, mas ela estava sempre ali como uma tatuagem, para
atormentá-lo, para lembrá-lo sempre de seu juramento. Uma ferida aberta que
nunca cicatrizaria.
Abriu os olhos e contemplou o por do sol mais
bonito que já presenciara. O céu em tons
de laranja mesclado com azul e roxo e as gaivotas voando, dando adeus ao dia
que terminava. Ele jamais se esqueceria desse momento, por outro motivo também.
Saindo
de seu devaneio Sebastian voltara a pegar a caixa de papelão que deixara no
chão e carregara para dentro do caminhão, colocando-a junto das outras. Seu
expediente havia acabado. Iria procurar Luigi e Pietro pelo porto para
receberem o pagamento pelo dia de trabalho, depois voltariam ao beco, para
pagar sua parte á Francesco, mas nesse meio tempo algo aconteceu.
Ao sair do caminhão Sebastian dá uma última
olhada na praia. Estava quase vazia, mas algo lhe chamou a atenção. Uma moça. Era
morena, os cabelos muito compridos e lisos. Usava uma calça jeans e uma bata branca.
Não podia ver seu rosto pois ela estava de frente para o mar, parada em pé, com
água nos tornozelos. Não tinha certeza, mas ela parecia chorar pois não parava
de esfregar as mãos no rosto e em certos momentos ela se curvava para frente em
espasmos. Então Sebastian sentiu algo estranho, uma espécie de sensação ruim,
como sentia sempre que algo errado estava para acontecer. Mas por quê? Ela
poderia ser apenas uma garota triste, como muitas que vinham contar sua dor
para o mar, e depois do desabafo, iam embora limpas de suas tristezas. Porém lá
no fundo sentia que não era só isso, havia algo mais. E realmente havia. Para
sua surpresa, a garota começou a andar para dentro da agua do jeito que estava,
com roupa e tudo e num movimento muito rápido, ela mergulhou.
- Ei, moça! – Sebastian gritou
desesperado do deque.
Saiu correndo pelo porto como louco. Aquela
moça queria se matar, tinha que fazer alguma coisa. Atravessou a praia e
jogou-se no mar também numa atitude desesperada. Sorte dele que sabia nadar
muito bem.
Com braçadas rápidas, nadou boa parte da praia
sem ver qualquer sinal da moça morena. Parou e ficou flutuando, procurando-a com
os olhos no nível das ondas até que a viu, debatendo-se a uns dez metros dele.
O mais rapidamente que pôde nadou até ela, abraçou-a e nadou de volta á margem,
com mais dificuldade, pois ela estava inconsciente agora.
Assim que chegou num ponto raso, no qual podia
ficar de pé, pegou-a nos braços carregando ela até a areia, demonstrando a
força que havia adquirido nesse tempo de trabalho no porto. Deitou-a na areia e
a observou: Era jovem, no máximo devia ter uns vinte anos, tinha no rosto
traços delicados, porém havia também certa dureza, como se sentisse uma grande
tristeza.
- Moça, moça! – Sebastian tentava
reanimá-la com batidinhas leves em seu rosto. – Ah, Jesus, e agora?
Devagar ela abriu os olhos, revelando um
par de olhos de um tom que ao por do sol parecia dourados.
- Tudo bem moça? – Sebastian perguntou
em italiano ruim bem mais aliviado por ela ter finalmente acordado.
Ela ficou em silêncio um tempo olhando
para ele com um olhar espantado e então, sem mais nem menos, ela desatou a chorar,
a chorar incontrolavelmente. Só então Sebastian percebeu que várias pessoas
começaram á rodeá-los, observando aquela cena, e os dois ali encharcados lado á
lado, deixando-o constrangido. A moça falou algo em italiano que ele não entendeu,
deixando ele preocupado.
- Moça, eu não entendo. . . – disse em
sua própria língua, aflito.
Ela
parou de chorar acalmando-se lentamente e olhou bem no fundo dos olhos verdes
dele.
- Eu disse que não era justo que Deus
mandasse um anjo para me impedir. – disse no idioma dele.
- Ah, então eu estava certo, você queria
se matar. O que você tem na cabeça?! – estava bravo.
- Desespero. – respondeu com a voz baixa
por entre lágrimas. – Devia ter me deixado lá.
Ao
ouvir isso Sebastian enterneceu-se e sentiu uma pontada no coração. Podia ver
claramente em seus olhos que havia uma tristeza tão grande quanto o mar no qual
ela queria perder-se á pouco. Sempre achara os suicidas pessoas fracas e
covardes, mas olhando aquela moça, tudo o que via era alguém desesperada,
sozinha e perdida como ele. Não podia ficar indiferente.
- Qual é seu nome? – Sebastian perguntou
mais brando.
- Eva. – ela respondeu soluçando.
- Bem, Eva, meu nome é Chan. . . – hesitou
– Sebastian. – ele disse seu novo nome com o qual ainda se acostumava. - O que
me diz de sairmos daqui? Já chega de mergulhos por hoje.
Levantou-se e estendeu a mão para ajudar Eva
a levantar. Um gesto simples, mas que para ela foi de um significado
importantíssimo:
Quando acordou e deparou-se com aquele garoto
belo de olhos verdes tão penetrantes que acabara de salvar sua vida, Eva
realmente pensou que se tratava de um anjo que fora mandado em seu socorro e
agora vendo ele assim, com a mão estendida para ajudá-la a se levantar, sentiu
que não se enganara. De um modo estranho sentia-se completamente enfeitiçada,
como se ele emanasse um magnetismo que a atraia e tudo o que podia fazer era se
deixar levar. Segurou sua mão e levantou-se, seguindo-o.
Perto dali, saindo da praia, havia um galpão
abandonado que durante muito tempo serviu de depósito para mercadorias roubadas
dos carregamentos que chegavam ao porto, mas desde que a polícia invadiu e
apreendeu boa parte das coisas os criminosos ficaram com receio de
reutilizá-lo. Melhor para Sebastian, Luigi e Pietro que usavam o lugar como
refugio. E foi até lá que Sebastian levou Eva pois a noite já chegava.
A porta estava trancada, claro, e eles usavam
uma janela para entrar. Não era muito alta, porém os garotos tiveram que
improvisar, colocando uma caixa de madeira para ajudar como degrau do lado de
fora e do lado de dentro. Eva foi primeiro, seguida de Sebastian.
O lugar até que era grande, com pilhas e
pilhas de caixas por todos os lados, mas havia um lugar no meio do galpão em
que o espaço era mais aberto e eles ali ficavam, onde não havia goteira e onde
as caixas os protegiam de olhares furtivos, caso um curioso fosse espiar.
Assim que Sebastian fechou a janela pela
qual entrou e desceu da caixa de madeira, foi surpreendido por um grito de
espanto de Eva.
- Tem alguém ali. – ela sussurrou.
- É claro que tem! – Pietro disse vindo
das sombras com uma vela na mão. – Quem é ela? – dirigiu-se curioso a
Sebastian.
- O nome dela é Eva. - disse ele calmo.
– Esse é Pietro, meu amigo.
- Sou tão seu amigo, que convenci o
Guilhermo a pagar o seu dia de trabalho para mim, ou então você iria perder.
Onde esteve? – mesmo com a fraca luz, podia ver um ar contrariado.
- É uma longa historia. – disse
disfarçando ao indicar sorrateiramente a garota ao lado.
- Ah! Entendi. – Pietro sorria
zombeteiro, lançando um olhar malicioso em direção ao amigo. – Vamos, Luigi
está esperando e já aviso, está de mau humor, acho que está de TPM.
Atravessaram um labirinto de coisas até
chegarem ao espaço em que eles dormiam. Como cama, cada um havia feito uma
pilha de tecido de algodão, uma mercadoria a muito esquecida naquele galpão, de
forma que formavam um circulo com uma fogueira no centro que esquentava e
iluminava o lugar. Luigi, que estava sentado em sua cama observava enquanto os três
se aproximavam.
- Onde esteve? – disse ríspido.
- Já é a segunda pessoa que me pergunta
isso em menos de cinco minutos, e antes que me pergunte quem é ela, o nome é
Eva. – Sebastian disse na defensiva.
- Na verdade, o que eu ia te perguntar
era porque trouxe uma estranha pra cá sem nos consultar primeiro? – disse com
visível aspereza. – Aqui não é ponto turístico.
- Foi preciso. – Sebastian argumentou.
- Foi uma atitude imprudente e sabe
disso. – Luigi alfinetou.
- Que
seja, eu não ia deixá-la sozinha do modo como estava. – alterou-se.
Então rapidamente contou tudo o que havia
acontecido desde que parara para ver o por do sol.
- Desculpe-me Eva, - disse Luigi sem
jeito. – mas não podemos confiar em todo mundo nesses dias. Ainda mais quando
nosso amigo aqui ainda não entendeu o conceito de esconderijo. – estendeu a mão
para cumprimentá-la. – Não se preocupe, terá um lugar seguro para ficar essa
noite, não temos muito, mas o que temos dividimos.
- Muito
obrigada. – apertou a mão de Luigi com um sorriso forçado.
- Não liga para ele, é paranoico. –
Pietro sussurrou no ouvido dela, dessa vez arrancando um sorriso sincero de
Eva.
Sentaram-se em volta do fogo. Eva fez questão
de sentar-se ao lado de Sebastian, não sabia por que, mas em meio aquela confusão
em que sua cabeça estava sentia-se bem ao lado dele, protegida.
Os rapazes conversaram durante um bom tempo,
no qual Eva ficara em silêncio absorta em pensamentos, da mesma forma em que
Sebastian a observava e tudo o que podia imaginar era o motivo de tamanho
desatino. Não conseguia entender porque alguém tiraria a própria vida.
Depois de um tempo, quando perceberam que já
estava ficando tarde, os garotos arrumaram para ela uma cama como a deles e se
recolheram.
- Boa noite para os que ficam, - disse Luigi.
– estou cansado demais e temos que levantar cedo amanhã. – disse afastando-se e
indo em direção a sua cama, seguido de Pietro, deixando os dois sozinhos.
Um
silêncio sepulcral pairou entre os dois que observavam a fogueira crepitando.
- Você não está muito a fim de
conversar, não é? – Sebastian disse quebrando o silêncio.
- Eu não estou num dia muito bom. –
ironizou.
- Notei. – disse no mesmo tom. – Quer
conversar sobre isso? – Sebastian disse de um jeito que a fez rir.
- Tenho tantos problemas que nem sei por
onde começar. – olhou bem nos olhos dele. – Deve estar pensando que eu sou
louca ou algo assim, não é?
- Na verdade, eu estava pensando no que
teria acontecido de tão ruim para achar que dar um “mergulho” fosse a resposta. – disse direto fazendo Eva desviar o
olhar.
- É uma historia triste demais, e a
muito tempo deixei de acreditar em finais felizes. – disse ficando com uma expressão muito
triste. Sebastian sabia que ela devia estar sofrendo muito.
- Todos nós aqui temos historias
tristes, - disse serio. – mas nos fazemos nosso final. Não desista por causa de
um tombo apenas, mesmo que seja difícil sempre há um motivo para continuar
vivendo. Mesmo que o motivo não seja dos mais nobres. – pensava em Robert
Murphy e sua promessa de matá-lo um dia.
- Fala por experiência própria? – perguntou
intrigada. – Assim tão jovem?
Sebastian riu forçadamente.
- Eu disse que todos nós temos historias
tristes.
- Qual é a sua? – interessou-se.
- Vamos fazer assim, como nenhum de nós
esta a fim de dar a sua biografia, algum dia desses nos sentaremos e
conversaremos longamente sobre isso. Tudo bem?
- Tudo bem. – ele respondeu.
Os dois estavam sentados lado a lado e num
gesto de cansaço, Eva encostara a cabeça no ombro de Sebastian que enternecido
colocara seu braço em volta dela. Olhando assim ela parecia tão indefesa,
perdida, sozinha, alguém como ele, que precisava de um pouco de carinho. Queria
poder confortá-la, queria poder fazer as coisas que a assustavam irem embora,
mas como, se tinha ainda dificuldade de lutar contra os próprios demônios.
- Tudo vai dar certo, querida. – disse
Sebastian.
Eva o abraçou mais forte nesse momento.
- Eu nunca me senti tão protegida como
estou me sentindo agora. Será que eu estava certa quando te chamei de anjo?
- Não sou anjo.
Abraçados,
eles se olharam por um momento.
- Então, não será pecado se eu fizer
isso.
Com delicadeza, Eva passou os dedos
pelos cabelos negros de Sebastian, descendo até a nuca, então puxou ele para si
beijando-o profundamente. Foi algo tão inesperado, que ele ficara sem reação
por um momento, confuso, apenas deixando-se ser beijado por Eva. Ele era
totalmente inexperiente, fora o beijo na beira do rio. Não sabia como reagir,
nem onde tocar, nada. Ela se afastou um pouco e olhou nos olhos dele, sorrindo
ao notar que ele estava totalmente perdido. De novo ela aproximou-se e beijou
seus lábios, propositalmente entreabertos, incitando-o a fazer o mesmo e quando
ele o fez, ela delicadamente introduziu sua língua na boca dele fazendo-o gemer
baixinho, ao mesmo tempo em que explorava suas costas. Sebastian sentia um
calor subir por sua espinha e uma sensação em seu interior que nunca havia
sentido antes, e quando estava começando a corresponder o beijo, Eva de repente
se afastou.
- É melhor parar antes que eu estrague
tudo. – disse sem jeito. Sebastian apenas assentiu com a cabeça em silêncio. –
Boa noite.
Eva disse antes de se afastar e ir em
direção a sua cama recém-construída e deitou-se deixando Sebastian sozinho.
Ficou um bom tempo pensando nisso. Entendia Eva, ela estava muito carente, só
isso. E um beijo não tinha nada de mais, embora ela tivesse deixado ele de um
jeito que nunca imaginara estar. Foi realmente melhor terem parado antes que. .
. bem, foi melhor assim. Tudo certo. Então
porque ainda estava tremendo?
Foi para a sua cama e tentou dormir para
tirar isso da cabeça e quando acordou de manhã, Eva não estava mais lá. Pietro
disse á ele que ela havia ido embora assim que o sol nasceu.
- Eu não entendi muito bem o que ela
disse, mas deixou um recado para você, ela disse que ia fazer seu “final feliz”. – disse com um olhar
confuso.
Sebastian sorriu, pois sabia que Eva ficaria
bem onde quer que esteja, e que talvez algum dia se encontrariam de novo.
Oi Natália! Gostaria de te dar os parabéns pelo blog, você escreve bem e é muito legal compartilhar seu escritos gratuitamente com todos nós!
ResponderExcluirBeijos!