Parte I
Capitulo V
"O caso é fechado"
Davis lia atentamente mais uma vez, o dossiê
do caso Desmont no escritório do necrotério antes de começar a examinar o
cadáver exumado. Como o prestativo delegado avisou-lhe, achou na entrada do
necrotério do outro lado do balcão o porta-chaves com as demais chaves do
recinto.
O escritório era simples, claro, mas o que o
diferenciava de sua própria sala em Washington era aquele cheiro frio, aquele
cheiro de morte. Mesmo desativado por meses, o cheiro forte permanecia e
incomodava. Não era éter misturado com desinfetante, cheiro dos hospitais que
conhecia. Era formol e sangue. Um odor característico, inebriante, sinistro,
digamos assim.
Havia armários dos dois lados da sala, do
tipo arquivos. Á frente uma porta e atrás a única janela, com uma vista
incrivelmente sinistra dos túmulos lá fora, dos cidadãos mortos de Aaron River.
Como era de noite, a luz do teto estava acesa e a luminária na mesa também e
mesmo assim havia penumbra.
O
dossiê tinha uma capa amarelo-palha padrão com uma etiqueta na frente dizendo “Caso Desmont”, e era isso o que havia
em seu interior: Uma foto da oficina queimada; uma foto de Kevin Desmont e de
seu filho Chandler juntos, numa tarde de sol em frente á oficina; uma cópia do
boletim de ocorrência informando a tragédia e um pequeno relatório que dizia
assim:
12 de Abril de 1983
“No dia
11 de Abril, aproximadamente ás 20:30 p.m., teve inicio um incêndio no n° 52 da
Rua Savior Street, um sobrado que era uma estabelecimento comercial (Oficina
de Autos Desmont) no primeiro andar e
residência habitada no segundo andar. A causa do incêndio: desconhecida,
possivelmente criminosa”
“Vitimas: 2. Uma falecida e uma desparecida.
Falecida: Kevin Scott Desmont, 36 anos, causa
da morte: Carbonização.
Desaparecida: Chandler Scott Desmont, 13
anos, paradeiro: desconhecido vivo ou morto.”
Esse
relatório era uma piada, ridículo, um insulto á sua inteligência! Do jeito que
estava, só podia ter sido escrito pelo imprestável do Delegado Piston. Jogou o
papel na mesa pensativo. Porque a criança estava desaparecida? Aonde poderia
estar? Como o fogo começara? Remoía essas ideias tentando achar alguma resposta
para esse caso tão obscuro, tão estranho. Na verdade, estava lá para tentar
encontrar essa criança, viva ou morta. Pegara então a foto em que pai e filho
se abraçavam em frente à oficina. Os dois eram de fato muito parecidos, os olhos
principalmente. Tinha que achar a criança, poderia estar perdida na floresta,
ferida, faminta, assustada, precisando de ajuda. Iria encontra-la de qualquer
modo.
Arrumou os papéis de volta na pasta e
deu um longo suspiro antes de levantar-se da poltrona. Caminhou pelo escritório
e saiu deixando a porta aberta, o necrotério estava vazio. Passava pelo
corredor que levava ás salas de necropsia 1 e 2, e nesse corredor havia também
uma porta com uma placa pendurada dizendo “almoxarifado”.
Chegou à sala 2 onde o corpo de Kevin estava e abriu a porta.
Os coveiros, muito prestativos, tiraram o
corpo de Kevin do caixão e o colocaram sobre a mesa cirúrgica. Ele havia sido
enterrado nu, coitado.
Tudo já estava arrumado para o procedimento. A
bandeja com os instrumentos cirúrgicos previamente esterilizados se encontrava
junto á mesa, a luz forte estava focada no corpo, estava tudo pronto. Davis
encontrara um avental e já o estava usando. Dirigiu-se á pia que ficava no
canto da sala, subira as mangas da camisa e começara a lavar as mãos com
sabonete antisséptico. Fechara a torneira, enxugara as mãos numa toalha
esterilizada também. No balcão da pia encontrava-se uma caixa de luvas
descartáveis de borracha, colocara uma por uma, voltando-se para a mesa em
seguida.
De seu bolso, Davis pegara um pequeno gravador
e o depositara na bandeja de instrumentos. Parou um pouco, para observar o
corpo de Kevin, respirou fundo, fechou os olhos concentrando-se. O que esperava
encontrar ali? A causa da morte parecia obvia, obvia demais para seu gosto.
Virou-se, dirigindo-se agora para um pequeno armário atrás dele com portas de
vidro que mostravam ampolas com substâncias diversas, caixas com gazes,
mascaras e luvas. Abriu a porta e pegou a caixa com as mascaras cirúrgicas,
rapidamente abriu a caixa e pegou uma, amarrando-a cuidadosamente em seu rosto
antes de voltar á mesa. Pegara então o gravador, apertando o botão rec e o aproximara do rosto.
- Agente
Clark Davis, caso Desmont, necrotério de Aaron River, quinze de maio de mil
novecentos e oitenta e três, sete e vinte e cinco da noite, iniciando a necropsia
de Kevin Scott Desmont, homem branco, 36 anos. – afastou o gravador por um
minuto, observando o corpo.
Colocara outra vez o gravador na bandeja e
voltou a observá-lo.
- Em primeira observação, o corpo está
totalmente queimado, mas não carbonizado, ele não está em posição de boxer. Vou poder examinar os órgãos
internos. – começou a apalpar a perna direita, depois a perna esquerda e depois
subiu para os braços, indo depois para as costelas. – Há sinal de fratura na
costela. Começarei a necropsia fazendo uma incisão na caixa torácica, á procura
de algum órgão rompido, mesmo a vitima tendo entrado em óbito há vários dias.
Pegara o bisturi e olhava mais uma vez para o
cadáver. Era uma visão horrível, lembrava-se do homem belo da foto e olha para
o corpo irreconhecível, tostado. Apertava-lhe o coração imaginar qualquer
pessoa tendo um fim como esse. Imaginava se Kevin ainda estaria vivo quando o
fogo começou a tomar conta do coitado. Algo lhe dizia que não, e era baseado
nisso que iria examiná-lo. Depois de cortar a carne torrada como um churrasco,
pegara o costótomo, (que era algo
parecido com uma tesoura, utilizado para cortar as costelas dos cadáveres) e
com o instrumento abrira a caixa torácica de Kevin com certa dificuldade.
Observava atentamente os órgãos, todos pareciam em ordem, sem fissura.
Realmente, uma costela estava fraturada.
- Encontrei apenas uma costela
fraturada, os órgãos parecem normais. . .
Como queria saber se Kevin estava morto
antes do fogo começar, Davis se concentrou no aparelho respiratório dele, a
faringe, a laringe, traqueia, pulmões, procurando por sinais de fuligem e para
sua surpresa, estavam limpos.
Observava os órgãos e constatava que não havia
sinal de fumaça, ou material estranho, nem nada que levasse á conclusão de que
Kevin houvesse inalado fumaça, via isso perplexo. Tudo indicava que Kevin
estava morto antes do fogo ter começado, pois, não havia como uma pessoa morrer
asfixiada sem que seu pulmão fosse afetado.
- Kevin Desmont não morreu asfixiado
pela fumaça. – disse subitamente. – Então. . .
Olhava para ele implorando uma resposta,
fixando seu olhar atento á cada parte do corpo, tentando achar alguma coisa.
Afinal, se não morrera no incêndio, como morrera?
- Anda meu amigo, me diz oque aconteceu.
– Davis disse baixo demais para ser gravado.
Só então reparou na cabeça completamente
torrada de Kevin e só agora notara aquilo, que não havia percebido até então,
mas que quase o fez cair para trás.
- Há um orifício no crânio, na têmpora
direita. . .
Pegara uma pinça grande e inseriu no
orifício, guiado pelo instinto, procurando qualquer coisa, e achou, a pinça
agarrou algo duro e pequeno. Davis puxou o objeto com cuidado e tirou de dentro
da cabeça de Kevin, uma bala prateada. Admirava seu achado, segurando-o ainda
com a pinça.
- Encontrei no crânio de Kevin Scott
Desmont um projétil de pistola semiautomática. A vítima foi assassinada. - com a mão que estava livre apertou o botão
stop do gravador e continuou a observar a bala.
- Eu sabia. – sorriu, falando consigo
mesmo, satisfeito com seu trabalho.
Agora com essa nova evidência, toda a
investigação tomaria um novo rumo e Davis tinha certeza de que iria mexer com o
perigo. Porque um simples comerciante havia sido assassinado? Certamente tinha
alguém querendo encobrir seus rastros, mas quem?
No dia seguinte á essa descoberta, que
causaria uma reviravolta no casa Desmont, outra reviravolta acontecera logo
pela manhã. O Agente Davis hospedara-se numa modesta pensão no centro da
cidade, sentia que passaria um bom tempo em Aaron River. Não havia dormido,
tamanha a excitação que aquele simples objeto de metal causara, fazendo duas
palavras martelarem em sua cabeça durante a noite toda: quem e por quê.
Outra coisa que o preocupava agora, será que
o garoto havia presenciado o crime? Será que era por isso que estava
desaparecido? Será que fora também assassinado e jogado em algum lugar da
floresta, num buraco, ou no fundo do rio? Esse fato novo dava inicio a várias
especulações, sem respostas fáceis.
O quarto daquela pensão era mais do que
simples, era o necessário: uma cama, um criado mudo, uma mesa com quatro
cadeiras e um armário, só. Davis estava sentado á mesa com aquele dossiê que já
havia se tornado inútil á sua frente e lembrava-se com saudade do seu
apartamento em Washington.
Olhou para o relógio de pulso e viu que eram
oito e meia da manhã. Só então que reparou que, além de não ter dormido, também
não havia tomado banho nem comido nada. Resolveu que iria tomar um banho e
depois iria sair para comer alguma coisa em alguma lanchonete.
Depois
de ter tomado o banho, colocou uma roupa limpa, outro terno bem alinhado,
claro. Não era porque estava onde Judas perdera as botas que deixaria de se
vestir de acordo com sua posição. Calmamente desceu as escadas que levavam á
recepção da pensão em que estava, que era bem acolhedora. Dirigiu-se ao
balconista que era um senhor já de idade, com os poucos fios de cabelo branco
que lhe restavam e um olhar simpático.
- O senhor me recomenda algum lugar para
tomar um bom café da manhã?
- Sim, a lanchonete do Soyer, a umas
duas quadras daqui. Não tem como errar. – disse com um sorriso simpático.
- Pode me avisar se alguém vier
procurando por mim?
-
Pode deixar.
- Obrigado. – já ia saindo quando se
voltou outra vez para o velho. – Pode me dizer também, se não for pedir demais,
onde fica a oficina de Kevin Desmont?
O velho ficou sério, todo aquele ar
alegre que ele demonstrava se esvanecera, dando lugar á uma expressão séria.
- É do outro lado da cidade, -
respondera sombrio. – perto do bosque. Pegue a Avenida Comercial e virando a
direita, entre na Savior Street. É a ultima casa da rua.
- Obrigado outra vez. – agradeceu antes
de sair de lá surpreso com a mudança de humor do velho homem.
No estacionamento pegara o carro que havia
alugado e saiu, observando as casas ao redor. Notara que, conforme passava, as
pessoas o olhavam de um modo estranho. Será que a notícia de que exumara o
corpo de Kevin Desmont para examiná-lo já se espalhara, ou simplesmente não
gostavam de estranhos?
Realmente tomara um ótimo café da manhã na
lanchonete do Soyer, que o velho balconista lhe indicara e lá, sentado numa das
mesas perto da janela de vidro, tomou uma decisão: iria até a oficina, queria
ver o local em que tudo acontecera e iria sozinho. O certo seria ir acompanhado
do Delegado Piston, mas se ficasse dependendo da boa vontade dele, jamais iria
concluir essa investigação.
Dirigia pela Avenida Comercial, cheia de
estabelecimentos, lojas e lugares assim, observando a cidade. Aaron River era,
sem dúvida, uma cidade pequena típica: senhoras de idade conversando nas
varandas, crianças brincando nas calçadas, observadas pelas mães que faziam
croché em bancos na praça. Nada parecido com o movimento de sua cidade, onde as
coisas aconteciam rápido demais para poder acompanhar, ali ao contrário, tudo
parecia fluir lentamente.
Virou á direita e logo na entrada vira uma
placa que dizia Savior Street. Seguiu por ela, ouvindo o barulho do rio que não
devia estar muito longe e ao final da rua, pôde ver os escombros de uma
construção incendiada, só podia ser ali, então, estacionou o carro, atravessou
a rua, adentrando a área isolada com aquela fita amarela sem ao menos ser
percebido. Não havia movimento naquela rua.
Quase não restara nada da casa, tudo eram
vigas e pilastras queimadas, o esqueleto morto do que um dia fora uma casa.
Impressionante, o fogo acabara com quase tudo, menos o que era de metal, como
os instrumentos de trabelho de Kevin. O cheiro de queimado ainda persistia no
local, fazendo-o imaginar o momento em que o incêndio começara. Havia se espalhado
rápido, vendo o estrago que causara.
Davis andava pelo lugar, analisando cada
parte, mas era difícil caminhar naquele terreno. Observava tudo, tentando achar
algo que sustentasse sua mais nova teoria de que o incêndio era criminoso.
Deparou-se com uma parte da oficina que ficara de pé: meia parede com um
armário com as portas abertas. Davis abaixou-se e viu que dentro do armário
havia latas de óleo lubrificante e outros produtos usados na oficina e notou,
quem diria, que alguns eram inflamáveis e isso já era alguma coisa.
Davis começou então a ponderar que talvez um
desses produtos tivesse sido usado para começar o fogo. Olhou bem para todas as
latas no armário e notou que estavam intactas e cheias. Mas a porta estava
aberta, e alguns estavam tombados, a última pessoa a mexer ali estava com
pressa.
Começou a procurar pelo chão e viu que os
fundos da casa davam para um bosque. “Só
pode estar lá.”, pensou. Foi entrando no bosque, olhando para o chão
atentamente, procurando por qualquer coisa que pudesse ter sido usada no
incêndio, quando a uns dez metros bosque adentro viu algo brilhar. Correu até
lá e viu que era uma lata de tiner. Havia
sido furada com um objeto pontiagudo, num orifício comprido e fino como uma
faca faria, e o melhor, estava completamente vazio. Não é necessário dizer que tiner é totalmente inflamável.
Tinha agora a prova que faltava. Isso já
deixara de ser considerado acidente há muito tempo, agora era oficialmente
assassinato com de ocultação de cadáver, e nenhum juiz negaria isso. Como
Piston deixara isso passar? Que ele era muito incompetente, isso era óbvio, mas
havia algo errado. Parecia propositalmente negligente com relação a esse caso.
Ele seria investigado também, isso era questão de tempo.
Ouviu um barulho como o de folhas secas sendo
pisadas por alguém leve. Levantou a cabeça e viu uma menina de cabelos loiros,
usando uma calça jeans e uma camisa de beisebol com mangas amarelas. Ela era
linda e olhava diretamente para ele com uma expressão séria.
- Você é o cara do FBI? – April
perguntou.
- Sou o Agente Clark Davis. – respondeu
levantando-se e deixando a prova no chão. – Quem é você?
- Pode me chamar de April. –
aproximou-se caminhando por entre as árvores. – Oque descobriu até agora?
- Esse é um assunto de policia, uma
garota da sua idade não devia estar. . .
- “Bisbilhotando”?
– riu forçadamente. – Só queria ver á quantas anda essa investigação com você,
porque o delegado daqui é uma negação.
- Conhecia as vitimas?
- Conhecia. – disse com visível pesar.
- Sabe de alguma inimizade que pudessem
ter? Alguém que não gostava deles?
- Fora todo mundo? – disse em tom de
sarcasmo.
- Como assim?
- Eles eram de fora, intrusos, o povo
daqui não gosta de estranhos. Já devia ter percebido isso. Pouca gente aqui vai
sentir falta deles.
Ele ficou um tempinho absorvendo essas
palavras.
- Você sabe de alguma coisa, não sabe? –
Davis disse o obvio.
- Só sei o que você já sabe. – April disse
dando á entender que já tinha conhecimento que Kevin havia sido assassinado. –
Nada mais.
April dera as costas a Davis e afastava-se,
voltando para o bosque.
- April, espere. – Davis chamou-a,
sentia que ela sabia de mais coisas, mas que não queria contar.
- Não quero atrapalhar. – virou-se
sorrindo. – Mas boa sorte. Seria bom ver um pouco de justiça sendo feita por
aqui.
E virando-se outra vez, entrara no
bosque e sumira por entre as árvores sob o olhar atento de Davis. “Quem era ela?”, pensava. Aquela garota
chegara do nada e lhe dera uma boa informação e desaparecera tão repentinamente
quanto chegara. Davis percebera em seu olhar certa indignação a respeito da “justiça”. Queria vê-la de novo.
Bem, com a bala encontrada no cadáver de
Kevin, a lata de tiner no terreno e essa conversa misteriosa com April, o caso
mudava de figura. Agora teria que descobrir quem era o responsável por esse
crime. Teria que descobrir onde estava a arma do crime e ligá-la a alguém. Mas
quem? O pior é que nada disso levava ao paradeiro de Chandler Desmont.
Recolheu a lata de tiner furada com todo
o cuidado e saiu da propriedade, atravessou a rua e colocou a lata em um saco
plástico antes de colocá-lo no porta-malas do carro. Iria para a delegacia
imediatamente.
Já era quase meio-dia quando Davis
chegou à delegacia. O dia estava ensolarado como todos os dias daquela
primavera e embora o dia estivesse lindo do lado de fora, o clima fecharia dentro
da delegacia. Davis entrou no recinto carregando sua pasta e o saco plástico no
qual colocara a lata. Entrara na sala de Piston abarrotada de arquivos e
fichas, encontrando o delegado sentado em sua poltrona, estava analisando
alguns papeis com uma expressão particularmente preocupada.
- Delegado Piston, - disse ao entrar –
eu sabia que você não é muito ligado em detalhes, mas deixar isso passar é
demais. – disse jogando a prova na mesa, assustando-o.
- Mas o que é isso? – disse Piston sobressaltado.
- É a diferença entre você e eu: eu faço
o meu trabalho. Encontrei isso no terreno do Desmont, agora a pouco, e fora
isso, encontrei uma bala na cabeça dele. A causa da morte te parece clara
agora? – disse com aspereza.
- Eu já sabia, - disse sério, fazendo
Davis ficar com uma expressão intrigada.
- Como? – perguntou pasmo. – Como já
sabia? Fiz a necropsia ontem, o meu relatório ainda não está pronto.
- Uma testemunha veio à delegacia um
pouco antes de o senhor entrar como um tiro, fazendo esse escândalo todo. Veio
com um depoimento bastante esclarecedor. – disse com a expressão mais séria que
encontrou.
- Uma testemunha? – ainda absorvia essa
informação.
- Sim
- E por que ela só apareceu agora? – indignou-se.
- Por que só agora você chegou à cidade,
deixando ela segura para falar.
Davis precisou sentar-se numa cadeira a frente
da mesa do delegado
- O que ela disse?
- Segundo ela, ela estava com problemas
no carro e foi até a oficina do Desmont. Ela viu no momento que chegou, ainda
de dentro do carro Chandler Desmont atirar no pai, furar uma lata de Tiner,
espalhar em volta da casa e atear fogo.
Essa informação deixara Davis mais chocado
ainda. A menção desse nome como assassino fez ele quase cair da cadeira.
- O garoto? Não pode ser.
- Por que não? Não o conhecia. – disse
em tom superior. - Veja:
Piston entregara á Davis os papéis que
estava analisando quando ele chegara. Eram várias passagens de Chandler pela
delegacia por perturbação da paz, depredação, e outras violações que lhe
conferiam o status de delinquente.
- Para tudo! Mas oque é isso? Além da
imaginação? Como não fui informado disso antes? Está me dizendo que Chandler Desmont
era na verdade um delinquente e assassino? – disse chocado.
- Eu também não queria acreditar que
aquele garoto cometeu esse crime terrível, até que eu achei isso aqui.
O delegado jogou para ele outro boletim de
ocorrência, com data de um mês atrás, reportava o furto de uma arma
semiautomática de propriedade de Robert Murphy.
- Creio que a bala que você encontrou no
cadáver bate com o modelo dessa arma
- É. – respondeu pensativo. – Bate.
- A vítima não soube dizer quem havia
roubado a arma. Na época, eu não dei importância ao caso, não achei que
tivessem ligação, mas depois desse depoimento, juntando as peças fica claro,
não acha? Está tudo ai, em suas mãos: as ocorrências em que ele estava metido;
o boletim do roubo da arma; o depoimento da testemunha. – o delegado suspirou –
O pequeno Chandler Desmont é um assassino.
Davis tinha que admitir que pela primeira
vez, o que Piston dizia fazia sentido. Mas uma coisa não encaixava.
- Se ele fez mesmo isso, onde ele está?
- Morto. – Ele recostou-se na poltrona -
A testemunha disse que depois de incendiar a casa, ele correu até a margem do
rio e com a arma que havia matado o pai, deu um tiro na própria cabeça, caindo
na água. O rio o levou e a arma também.
- Morto? – ainda não acreditava. Será
que todo esse tempo achando que Chandler Desmont era uma vitima inocente estava
errado? – Mas porque ele faria isso?
- Como eu disse, você não o conhecia.
Ele era um horror, briguento e sem mãe. – disse com calma - Talvez culpasse o
pai pela morte dela, talvez o pai abusasse dele á noite, sei lá. O fato é,
Agente Clark Davis, que a meu ver este caso já esta esclarecido. Ele será
arquivado. – continuava o teatro sem ao menos ficar vermelho. – Volte para
Washington tranquilo, não há mais nada a ser feito.
Abalado ainda, Davis levantou-se da
cadeira em que estava e dirigiu-se á porta de saída. Mas deteve-se e virou-se
outra vez para o delegado.
- Se tudo o que disse for verdade, deve
ser um alívio para vocês.
- O que? – disse sem entender.
- Eles mesmos lhes pouparam o trabalho
sujo de enxotá-los para fora.
Girou nos calcanhares e saiu, deixando Piston
sozinho no eco daquelas últimas palavras.
- Eu sei que vou queimar no inferno por
isso. – sussurrou finalmente desmanchando a feição seria dando lugar a uma
consternada.
- Todos nós vamos. – Robert Murphy saía
de trás de um daqueles armários de arquivos que lotavam a sala, estivera
ouvindo a conversa o tempo todo, escondido como a cobra que era. – O importante
é que o caso está encerrado e estaremos livres desse estorvo do FBI pela manhã.
– ele caminhava pela sala com o sorriso mais vitorioso que já exibira.
- Não foi nada fácil mentir para ele se
quer saber. Ele sabe que tem alguma coisa errada. Eu te disse que ele é
esperto, ele não vai engolir.
- Mas você foi convincente. Até eu quase
acreditei que você fosse uma autoridade dedicada e responsável. – zombava. –
ele vai engolir essa história sim, fique tranquilo.
- Até quando isso vai durar? –
desesperava-se. – Até quando vou ter que forjar documentos e mentir por você?
- Até a hora que eu disser para parar. –
Robert sibilou com um olhar felino e respirou fundo. – Menos um problema, mas
como tenho milhares deles, não posso ficar aqui perdendo meu preciosíssimo
tempo com você. – disse antes de sair da sala, deixando Piston sozinho.
- Que Deus tenha piedade de nós. – disse
aflito.
Mas Robert não pensava assim, para ele, nada
aconteceria, jamais seria pego. Não se importava com o fim que Chandler Desmont
levara, nem se importava agora com o que iria acontecer em seu futuro. Só
pensava que era rico, poderoso, e que tinha controle sobre tudo e todos. A vida
era maravilhosa assim e não deveria mudar. Durante anos, foi a última vez que
pensou nos Desmont.
Davis demorou a voltar para a pensão depois de
todas aquelas revelações. Almoçou em um restaurante e deu uma volta na cidade,
sempre sob o olhar atento dos outros. Olhava para eles e sentia uma ponta de
raiva. Eram tão atrasados, não gostavam de forasteiros e mudanças e certamente
não se abalaram nem um pouco com esse crime. Podia até apostar que se
procurasse, encontraria alguma bandeira nazista.
Voltou para a pensão quase ás seis da tarde. Passou
pelo balconista velho com o qual conversou de manhã e percebera que ele dormia
sentado em sua cadeira do outro lado do balcão. Passou direto e subiu as
escadas para seu quarto. Ao abrir a porta de seu quarto, a primeira coisa que
fez foi procurar a foto de Kevin e Chandler, encontrando-a em cima da mesa,
junto com os outros papéis.
Chandler
Desmont era o causador de tudo? Não podia ser. Tinha algo muito estranho
naquele depoimento repentino. Olhava para a foto em que pai e filho apareciam
juntos, se abraçando. Era uma dupla de amigos, Kevin não parecia ser do tipo
que espancava o filho e aqueles olhos verdes não podiam ser tão dissimulados e
esconder uma personalidade psicopata. Não se conformava.
Porém
não importava o quanto seu instinto lhe dissesse que Chandler era tão vitima
quanto Kevin, as provas diziam o contrário. Tinha que aceitar e continuar em
frente, de volta a Washington.
Ouvira
então alguém bater na porta de seu quarto. Intrigado, caminhou em direção á
porta e a abriu, deparando-se com a garota loira que havia encontrado aquela
manhã no bosque, April.
- April, o que faz aqui? – Davis disse
surpreso.
- Eu te segui. Pode deixar, ninguém me
viu. O velho lá em baixo está dormindo.
- É, eu sei. – ele deu um meio sorriso,
imaginando a cena: April passando de mansinho na ponta dos pés enquanto o
balconista roncava alto.
- Posso entrar? – disse um tanto aflita.
Davis olhou para um lado, depois para o
outro, viu que ninguém via e abriu passagem para ela, fechando rapidamente a
porta em seguida. Se já olhavam torto para ele só por ele ser de fora, imagina
se o vissem recebendo uma garotinha no seu quarto.
- É bom eu não me arrepender de ter
deixado você entrar. – ele disse em
tom de brincadeira enquanto fechava a porta.
- Não acredite neles! – disse ela
suplicante de repente, fazendo-o ficar sério. – Aquilo não é verdade!
- Do que está falando?
- Eu te segui lembra? Ouvi tudo oque
aquele delegado meia-boca disse sobre
Chandler ser o assassino e não é verdade!
- Há documentos provando o que ele
disse. - parecia tensa sua expressão. – Não posso ir contra isso.
- Chandler tinha lá seus problemas, mas
jamais mataria alguém, muito menos o próprio pai. Continue investigando e vai
ver.
- As provas. . . – Davis tentava fazer
com que a garota entendesse sua posição.
- Que se danem as provas, eu sei o que
falo! Não sou nenhuma menininha idiota que não sabe o que acontece por aqui! –
parecia furiosa.
Davis olhava para aquela criança tão
persistente com um aperto no coração. Queria poder ajudá-la, mas o caso fora
fechado. Ela parecia ter certeza que havia algo errado nessa investigação que
quase o convencia. Não, estava começando a se envolver de mais.
- Olha, o caso está fechado e eu vou
voltar para Washington amanhã.
Via a garota a sua frente com os olhos azuis
marejados de lagrimas caminhar até a mesa, puxar uma cadeira e sentar
derrotada. Davis fez o mesmo, sentando-se em uma cadeira em frente á ela. Não
gostava de vê-la chorar assim e sentia-se mal por decepciona-la.
- Pelo o que eu estou vendo, você
gostava muito deles.
- Chandler era importante para mim. –
April limpava o rosto com as mangas da blusa. – Nós éramos muito parecidos,
meio estranhos, um compreendia o outro, se me entende. – ela suspirou
pesadamente. – Nunca mais vou conhecer ninguém como ele.
- Você pode achar que houve negligência
da policia e pode até ter havido. Mas você vai poder olhar para trás depois e
dizer que você não foi negligente. –
disse tentando confortá-la. – Aonde quer que esteja, Chandler deve estar feliz
por saber que você não desistiu dele.
- Mesmo assim, não consegui trazê-lo de
volta.
April levantou-se, passou a mão nos cabelos e
dirigiu-se á porta do quarto devagar, mas parou no meio do caminho e voltou-se
para Davis de cabeça erguida. Ele viu quando sem falar mais nada ela abriu a
porta e saiu deixando Davis com a desconfortável sensação de que a
decepcionara.
Arrumou tudo antes de dormir. Os papéis, a
mala, todos os documentos, e antes de pegar no sono era naquela menina que
pensava. Na manhã seguinte partira de Aaron River, levando consigo a lembrança
de April saindo decepcionada pela porta e lá no fundo, a dúvida que aquela
garota conseguira plantar: Seria Chandler Desmont realmente um assassino? Por
mais que quisesse afastar esses pensamentos eles sempre voltariam, uma vez ou
outra, nos anos que vieram.
Oi, Natália!
ResponderExcluirVocê passou no meu blog e agora estou retribuindo a visita! Já estou seguindo também. *-*
Adorei saber que você também escreve histórias próprias... Assim que eu tiver mais tempo, vou lê-la!
Volte sempre ao meu blog.
Beijos,
Louise.
http://www.caderno-de-bolso.blogspot.com.br/
boa tarde minha querida amiga Natalia, estou linkando seu blog, alias esse maravilhoso blog que é o seu, bjs e sucesso
ResponderExcluirse possivel faça um comentario em seu link ...
http://wopys.blogspot.com.br