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sábado, 22 de dezembro de 2012

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"Um conto de Natal" - Charles Dickens

Olá Leitores!!
    Como o mundo não acabou, eu volto com as postagens!! kkk
    Como está chegando o Natal, nada mais justo que um texto natalino, e nenhum texto nataliano teve maior impacto no último século do que o velho e bom "Um Conto de Natal" de Charles Dickens. Para quem não está ligando o nome á pessoa, é o conto dos três espiritos de natal e o avarento.
     Esse conto teve varias adaptações em livros e para o cinema, e como este é um blog literário, faço questão de postar o texto na integra. É o meu presente de Natal para vocês, meus leitores!
Boa Leitura!!!!





Uma Conto de Natal  Charles Dicken






PRIMEIRA ESTROFE



O espectro de Marley



Para começar, digamos que Marley tinha morrido.

domingo, 18 de novembro de 2012

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"Ponto Final " , por Natalia de Oliveira

"Ponto Final"
 
    

      Sidney olhava incessantemente para o relógio em seu pulso, eram onze e cinquenta da noite. - Que droga! – esbravejou, tinha perdido o ultimo ônibus. Sidney estava sozinho no ponto de ônibus em frente a lanchonete que ficava perto da casa da sua namorada. Tinha perdido a noção das horas, entretido com os amassos e quando reparou na hora, saiu correndo colocando a camisa e abotoando as calças. É, era isso que dava não ter carro e namorar uma garota que morava longe pra cacete. Poderia dormir na casa dela? Poderia, mas tinha que acordar cedo, bem cedo para ir para o serviço e como não estava prevenido, teria que continuar a linha de raciocínio mais tarde e por hora, estava ferrado. A escuridão daquele lugar era terrível e o silencio era sepulcral. A lanchonete já estava fechada e não passava ninguém na rua. Olhou para a rua, pensou ter ouvido o som de motor, mas tudo o que veio em sua direção foi uma moto que passou muito rápido. Praguejou outra vez, não podia voltar para casa á pé, sua casa era muito longe, tanto que sua casa ficava perto do ponto final, depois que o ônibus desovava o pessoal, ele seguia para a garagem, e isso no fim das contas era um saco.

sábado, 1 de setembro de 2012

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"O mistério das pegadas", por Natalia de Oliveira

O mistério das pegadas

 Não que Alice não gostasse de viagens em família para o campo, mas é que havia um limite entre campo e Terra Media, aquele lugar parecia, como os antigos diziam, o fim do mundo conhecido.

     Era uma cidadezinha no interior do Estado, Pilar, zona rural, com sítios e chácaras. O centro da cidade era tão pequeno que você o cruzava em dois minutos (á pé) e as casas ficavam em estradinhas de terra que saiam da estrada principal. O lugar era tão ermo, que o vizinho mais próximo ficava á um quilometro de distancia, ou seja, se você tivesse um piripaque dentro de casa, ninguém saberia á menos que o vizinho precisasse de um pouco de milho da sua plantação.

     No caso de Alice, seu pai Rafael tinha um sitio na zona rural, onde ele plantava vários tipos de plantas e árvores frutíferas, era seu orgulho, e embora morasse na cidade de São Paulo, aos fins de semana sempre pegava o carro e ia para lá, desfrutar da calma do interior. Alice não gostava muito (entenda não gostava nada), de ir para o mato. Em primeiro lugar, seu celular não pegava; em segundo lugar, a internet não pegava; em terceiro lugar, era chato pra caramba. Mas como já fazia muito tempo que não ia, e havia pegado folga prolongada por conta da semana santa, seus pais fizeram a proposta de viajarem durante o feriado. Teria preferido ficar em casa, mas ah, pelo menos colocaria sua leitura em dia. Na quinta feira á tarde Rafael, Helena sua mãe e Alice arrumaram as malas e pegaram a estrada e chegaram ao sitio ás dez da noite, debaixo de uma chuva daquelas.

     Não havia praticamente nada na dispensa do sitio, levando-se em conta que Rafael só comprava coisas mais “sofisticadas” quando Alice e Helena iam ao sitio, logo se depararam com apenas macarrão e sardinha para o jantar. Na sexta feira de manhã, Alice e Helena pegaram o rumo da estrada de terra. Havia uma pequena vendinha á três quilômetros de distancia, na qual os agricultores que não quisessem se abalar até a cidade poderiam abastecer suas provisões.

     As duas andavam á pé pela estrada deserta, uma vez que seu Rafael havia saído com o carro para buscar mudas de limoeiro no sitio de um vizinho. Eram dez da manhã, mas o sol já estava alto e forte, não havia lama na estrada, apenas terra seca.

     - Ah, mas que droga! – Alice disse pela terceira vez segurando seu celular no alto, procurando rede sem sucesso. – Estamos em Lost, só pode. – disse, fazendo alusão á uma famosa serie de tv em que um avião caia em uma ilha que seus sobreviventes se descobrem em uma realidade paralela.

     - Acho que o fim do mundo para você seria a queda da rede mundial. – Helena zombou.

     - Com certeza, se eu ver mais uma vaca, eu tenho uma sincope.

     - Não seja tão dramática. – a mãe sorriu – Sinta o ar puro.

     As duas continuaram o caminho conversando sobre banalidades, apenas deixando que os pés as levassem. O caminho não era difícil, não tinha como se perder: á partir da porteira, se caminhava reto por um quilometro e meio até uma encruzilhada, lá se virava á esquerda e continuava seguindo reto por mais um quilometro e meio até a vendinha. Era uma boa caminhada, mas mãe e filha eram acostumadas á caminhar longas distancias, então acordaram cedo, colocaram um boné na cabeça, uma garrafinha de agua na sacola e pé na estrada (literalmente).

     - Que horas são? – Helena perguntou á filha que estava com o celular em mãos.

     - Dez horas.

     - Será que conseguimos chegar em casa antes do meio dia? O almoço vai sair muito tarde se. . .

     Nesse momento elas chegaram á encruzilhada e teriam virado á esquerda como de costume, se algo não tivesse chamado sua atenção.

     A chuva da noite anterior fora tão forte que criara enxurradas na beira da estrada, conforme a agua escoava, aquela parte virou um lamaçal. As pegadas deixadas em um local como esse, são bem marcadas e como o sol estava forte e secou o chão rapidamente, as marcas ficam como fosseis, endurecidas e preservadas.

     - Nossa, que pegadas enormes esse cachorro deixou! – Alice comentou olhando uma serie de pegadas no chão endurecido.

     Aparentemente, um cão enorme havia passado por ali, deixando pegadas do diâmetro de uma mão humana. Helena parou para olhar e ficou meio que pasma. Voltou alguns passos para observar com um olhar que pareceu estranho para Alice. Ela parou com um olhar interessado e disse ainda olhando para o céu.

     - Isso não é coisa de cachorro. – ela disse e sorriu. – Vem ver isso.

     Sem entender nada, Alice se aproximou da mãe e procurou no chão o que ela via tão interessada. Não havia reparado quando passara por ali de começo, mas agora via que havia muitas pegadas, que aparentemente vinham de lá de trás, sempre pelo lado esquerdo da estrada. O barro agira como cimento se solidificando e isso foi o que viram:

     Pegadas humanas descalças vinham lá de trás até a encruzilhada, chegando lá, quem quer que tenha formado aquelas pegadas começara á andar em círculos, desesperado, e era aqui que a coisa ficava estranha: as pegadas voltavam á se concentrar no lado esquerdo da estrada, e era uma pegada muito estranha. Quando viu de relance, pensou que fosse uma pegada humana, mas quando observou mais atentamente, percebeu que era bem diferente, era maior, bem maior, a parte que deveria ser o calcanhar, redondo como deveria ser, era triangular, comprida e reta, sem a curvatura da planta do pé, e os dedos eram compridos como dedos da mão e haviam buracos profundos, cinco deles, um na frente de cada dedo, indicando a presença de garras. A pegada era funda, como se o que a tivesse marcado tivesse uns duzentos quilos, bem no centro da encruzilhada. Então, as pegadas se tornavam as de um cachorro enorme e seguiam em frente.

     - Que coisa estranha. – Alice disse espantada.

     - Você não entendeu, não é? – Helena disse olhando bem nos olhos da filha – Um Lobisomem passou por aqui.

     Alice olhou bem para o rosto da mãe e então começou a rir.

     - Criativa a senhora. – a garota disse virando as costas e se afastando.

     - Eu estou falando serio, essas coisas existem! – ela disse apertando o passo para alcançar a filha – Observe, - Helena a puxou pelo braço de volta onde as pegadas humanas estavam. – nesse ponto ele ainda era humano, então a transformação começou, – apontava aonde as pegadas formavam o circulo – e aqui, é ele transformado. – apontou onde as pegadas eram as de cachorro.

     - Que besteira! - ela riu da mãe – Um cara descalço deve ter passado por aqui e depois um cachorro estupidamente grande passou por cima das pegadas dele.

     - Então por que as pegadas humanas de repente somem e só ficam as de cachorro?

     - Sei lá, você tá dando muita importância para uma coisa tão pequena. – ela virou de costas e começou a andar.

     - Se você tivesse ouvido as historias que meu avo contava, você também daria importância. – disse já a alcançando e seguindo de braços dados como eram acostumadas.

     - Mãe, fala serio, isso não faz sentido.

     - Como não? Quer que eu liste as evidencias? Em primeiro lugar, estamos na quaresma, além de ser um período de jejum e penitencia é um período em que os antigos acreditavam que coisas ruins andavam soltas para atrapalhar as orações; em segundo, hoje é sexta, sexta em uma quaresma; em terceiro, é lua cheia; em quarto, as pegadas estavam em uma encruzilhada. . .

     - Tá bom, tá bom. – ela interrompeu, ela não queria discutir, pois sabia que a mãe teceria um monólogo sobre as historias de seus antepassados dos confins de Minas Gerais.

     Porem, instintivamente, foi acompanhando a trilha feita pelo Lobisomem ao longo da estrada. Num certo ponto, a pegada desviava do lado esquerdo, atravessando para o lado direito e sumia num pasto cheio de vacas.

     - Aposto que haviam mais vacas ai ontem. – Helena disse com um sorrisinho, querendo dizer que a criatura teria dado cabo de alguma vaca no meio da noite para matar sua fome.

     Continuaram seu caminho e abruptamente as pegadas apareciam de novo, seguindo dessa vez pelo lado direito da estrada. Faltando uns oitenta metros para chegar á venda que já estava visível com suas inconfundíveis paredes roxas, passaram por uma casa pequena, estava abandonada á muito tempo, pois o teto havia caído e as portas e janelas pendiam quebradas em seus batentes. Essa casa, tão simples, teria passado desapercebida se não fosse o fato das pegadas desaparecerem de novo para dentro do mato, bem na frente da casa.

     - Ele deve estar dormindo ai, depois de se fartar com a pobre vaca.

     - Para com isso mãe! – Alice a repreendeu.

     - Meu avo dizia que eles gostam de dormir em casas abandonadas, onde ninguém vem encher o saco dele até de noite, quando ele acorda para caçar. – disse com um tom forçadamente sombrio.

     Helena gostava de provocar Alice, assustando-a com essas historias do Além Minas, e ria. Sinceramente, nesse aspecto, Alice achava sua mãe muito infantil, querendo assustá-la como se as duas fossem ainda estudantes de quinta serie.

     - Beleza, então vamos entrar ai e ver. – Alice disse parando em frente a casa com um ar desafiador. – Vamos ver se tem um Lobisomem mesmo. Estou com meu celular, se ele estiver ai, eu tiro uma foto, vendemos e ficamos ricas. – disse fazendo pouco.

     - Seria uma atitude pouco inteligente. – Helena se aproximou da filha e a pegou pelo braço gentilmente, puxando-a pela estrada, para longe da casa abandonada. – Se um Lobisomem é descoberto por alguém, ele mata a pessoa que descobriu, para guardar o segredo. E não queremos isso.

     - Você realmente acredita no que está dizendo? – Alice já estava achando aquilo tudo ridículo.

     - Já te disse, se tivesse ouvido as historias do meu avô, também acreditaria.

     Finalmente chegaram á vendinha num lugar tão ermo que, fora a vendinha, o único lugar habitado ali era uma pequena igreja que ficava do outro lado da rua, bem em frente. Compraram tudo o que tinham que comprar e voltaram pelo mesmo caminho, conversando sobre temas mais amenos e chupando um sorvetinho, tentando deixar essas ideias sobre lobisomens e coisas do além para trás. No entanto, toda a convicção que Helena demonstrara deixara Alice intrigada e mesmo que não quisesse, não conseguiu evitar de acompanhar as pegadas com os olhos durante a volta para o sitio.

     Chegaram em casa exatamente ao meio dia e o resto do dia se seguiu normal: Helena ocupada com os afazeres domésticos e Alice em seu quarto, lendo “A hora do Vampiro” de Stephen King. Sim, era um livro de vampiros, nada haver com lobisomens, mas mesmo assim, de tempos em tempos, olhava através da janela de seu quarto, para o matagal.

     Lá pelas seis horas da tarde, os cachorros da propriedade, dois vira-latas de nome Saddam e Mina, começaram á latir. Era Rafael que chegava com cinco peixes que havia passado a tarde inteira para pescar no lago lá embaixo, depois do pomar, estava desapontado por não ter pegado mais peixes.

     Durante o jantar, o assunto doas pegadas surgiu do nada, e não criou outra reação em Rafael senão um ataque de riso.

     - Mas que besteira! – disse por fim, depois de se recuperar das gargalhadas.

     - É, besteira. – Alice comentou cética como o pai, porem com um certo balanço na voz.

     O assunto terminou por ali. Alice ajudou a mãe com a louça e depois foi levar comida para os cães. Nossa, como a noite caía rápido no interior. Colocou a comida nos pratos do Saddam e da Mina, colocou a panela encima da casinha deles e tirou do bolso da calça um maço de cigarros. Fumava fazia alguns meses, escondida da mãe, claro, mas também era bem de vez em quando. Tirou o cigarro e o isqueiro do maço e ascendeu o cigarro, soltado longamente a fumaça. Olhou para o céu escuro, cheio de estrelas, como não dava para ver na cidade. Olhava para as estrelas e sua atenção foi atraída para a lua que realmente estava cheia, redonda e branca. Um calafrio a acometeu. Olhou para os lados e a fraca luz da varanda não iluminava muito além da varanda em si, deixando as arvores á frente sombrias, tortas e enegrecidas. Ouviu o som além delas, o som do farfalhar das folhas caídas, como se algo se movesse ali. Olhou para trás, Saddam e mina estavam mais interessados em seu jantar do que em folhas farfalhando.

     - Que droga! – jogou o cigarro fora e abanou a fumaça.

     Aquele papo de cosas rondando na escuridão deixara Alice impressionada. Pegou a panela em cima da casinha, entrou em casa e trancou a porta, era cedo ainda, mas ninguém mais iria sair (ou entrar).

     Ficou um tempo sozinha em seu quarto, lendo o livro que estava muito interessante e quando deu por si, já eram dez e meia, hora de seu seriado preferido, CSI – investigação criminal, o qual não perdia um capitulo sequer. Foi até a sala onde ficava a única tv da casa e sentou-se ao lado de sua mãe que também apreciava o programa.

     - Eu já ia te chamar. – Helena disse oferecendo á Alice uma bacia com pipoca.

     Mesmo que tentasse, Helena parecia ser a única á prestar atenção aos investigadores que procuravam um assassino que atuava nos cassinos de Las Vegas, á todo momento, Alice olhava por cima do ombro, em direção á janela. Fala serio, sua mãe tinha conseguido deixa-la paranoica. Quando terminou o CSI, começou outro seriado, que sua mãe assistia, mas que Alice não gostava muito, mas como Helena havia pedido para que ela ficasse, só para não assistir tv sozinha, ela ficou, ainda intrigada com a janela. Havia um relógio de parede na sala que dizia que eram onze horas e cinquenta e cinco minutos da noite. Mais tarde, ela descobriria que o relógio estava cinco minutos atrasado.

     - Pra mim já chega! Vou dormir. – Alice disse de repente.

     - Não vai ver o final do Monk?

     - Se segundo Stephen king sete horas é a Hora do Vampiro, meia noite deve ser a Hora do Lobisomem e eu não quero estar aqui para ver.

     Nesse exato momento em que Alice proferiu essas palavras, acreditem ou não, um uivo fez-se ouvir alto, agudo e horripilante. Nunca tinham ouvida nada parecido com isso, e olha que tiveram cachorros a vido toda. Tinham uma vizinha que tinha um Husky Siberiano, e aquele bicho uivava, mas aquilo que escuraram era dez, vinte vezes mais alto e agudo, não se comparava. Então Saddam e Mina começaram á latir enraivecidos, como se quisessem pegar algo, pegar e matar. Mãe e filha se olharam assustadas.

     - Eu te disse. – Helena disse baixo.

     - Mãe. . . – Alice começava á ficar apavorada.

     - Calma, todos nessa casa são batizados, e nenhum de nós está sangrando. Ou está?

     - Claro que não. – disse estranhando a pergunta.

     - Então, não tem com oque se preocupar. – ela disse controlando a voz para parecer calma.

     Outro uivo mais medonho do que o primeiro cortou a noite e os cachorros latiam com fúria do lado de fora e Alice dava graças á Deus por eles estarem ali protegendo a casa. Por Deus, algo queria entrar!

     - É melhor irmos dormir. – Helena disse tentando parecer lógica.

     - E´ ruim que eu vou conseguir dormir com seja lá o que for tentando entrar! – protestou.

     - Os cachorros não vão deixar entrar, mas se você se sente mais segura, vou colocar alho nas janelas e portas. Tá bom pra você? – disse tentando convencê-la.

     - Alho é para vampiros, mãe.- Alice disse confusa

     - É para proteção contra espíritos malignos em geral. – justificou – Até lobisomem.

     Helena foi até a cozinha e pegou no suporte de temperos o pote de alho e uma a uma ela foi colocando alguns dentes de alho nas janelas e nas portas. O latido dos cachorros lá fora continuava e elas não entendiam como Rafael não acordava.

     O quarto de Alice foi o ultimo á ser lacrado com alho.

     - Agora durma, vai ver, isso tudo não passa de imaginação fértil e vamos rir muito disso amanhã. – disse com voz calma.

     As duas abraçaram-se e helena deixou a filha sozinha. Alice trocou de roupa, colocou o pijama, apagou a luz e deitou-se. Naquela escuridão tudo parecia mais sinistro, a luz da lua entrava pela fresta da janela, projetando um jogo fantasmagórico de luz e sombra á frente da cama. É incrível como só reparamos nesse tipo de coisa nas horas mais improprias.

     Alice tentava dormir, mas não conseguia, assim como aquelas pessoas que não conseguem dormir se algo esta fora do lugar, ou não fica sossegado até verificar pela quinta vez que as trancas estão trancadas. E o barulho daqueles cachorros? Sentiu vontade de sair e brigar com eles, mas não era louca de por o pé para fora até que estivesse dia claro.

     Havia um rosário do criado mudo ao lado da cama, Alice o pegou e quando percebeu, estava rezando. Não se lembrava de ter sentido tanto medo em sua vida. Tudo bem, não era exatamente medo, era mais uma espécie de desconforto com uma situação, e o sentia forte, como nunca. Talvez se sentia uma tola pela manhã, mas por hora não soltaria o terço.

     Realmente não o soltou. Não lembrava-se de quando havia pego no sono, só sabia que os cães ainda latiam quando dormiu e quando acordou, ainda segurava o terço na mão. Ainda estava meio sonolenta, esfregava os olhos com a costa da mão quando ouviu batidas na porta.

     - Alice, acorda! Você tem que ver isso! – a voz de Helena soou do outro lado da porta, agitada.

     Num pulo, Alice levantou-se e abriu a porta do quarto, sua mãe esperava em frente, também com roupa de dormir.

     - O que aconteceu?

     - Essa você tem que ver!

     Helena a pegou pelo braço e foi puxando pelo corredor da casa, passaram pela cozinha e saíram da casa. Caminharam rápido pela entrada de carros e seguiram pelo caminhozinho que levava á porteira, onde Rafael e mais dois vizinhos que Alice nunca lembrava o nome estavam, olhavam alternadamente para o chão, para a porteira e cochichavam coisas.

     Quando mãe e filha chegaram perto o suficiente, os homens deram passagem e Alice quase caiu para trás: ali, na porteira, haviam as mesmas pegadas da encruzilhada, além de arranhões na terra e na madeira da porteira, mas não eram simples arranhões, eram talhos na madeira, feitas por garras afiadíssimas ou por um formão.

     As duas entreolharam-se espantadas e no meio de tantas ponderações que os vizinhos faziam, elas sabiam a verdade.

     Com o tempo, Rafael e os vizinhos convenceram-se de que quem tinha feito aquelas marcar teria sido o Mastife do vizinho japonês, Kioshi, que tentara entrar no sitio para comer as galinhas, mas nada tiraria da cabeça de Alice que se tratava de algo muito, muito pior. Ela nunca mais voltou para o sitio depois dessa, pelo menos, não durante a quaresma.

   

terça-feira, 14 de agosto de 2012

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"Um gato no telhado"

     Justin Harrison era considerado um bom homem pelas pessoas que o conheciam. Ela já não era nenhum jovem, aos quarenta e cinco anos de idade, seus cabelos que antes eram castanho claro agora apresentavam mechas grisalhas, no entanto seu porte atlético que conservava desde o segundo grau mantinha-se o mesmo, conferindo-lhe uma disposição adolescente e era por isso que estava no telhado naquela tarde de sol, arrumando algumas telhas quebradas, depois de tanto que sua mulher Madeleine ficou insistindo durante horas e reclamando que chovia mais dentro do que fora de casa. Resultado: estava perdendo seu dia de folga em cima do telhado enquanto podia estar no churrasco que seu amigo Manny estava fazendo e o tinha convidado. E tudo por culpa de quem? Do gato.

     Seu vizinho Henry tinha um gato tigrado de branco, cinza e preto e olhos verdes faiscantes chamado Tiger, claro. Um gato peludo e enorme de aproximadamente sete quilos ou mais, e isso para um gato é muito. Não que ele fosse gordo, ele era grande mesmo, parecia uma espécie de felino selvagem ou coisa parecida. E ele era uma gato estranho, sem raça definida, pois ele tinha a cor de Angorá, pelo denso como Persa mas sem a cara achatada. Henry tinha orgulho em dizer que ele era um gato raro e duvidava que houvesse um igual.

     Tiger, como qualquer gato, tinha uma vida noturna e gostava de passear pelos telhados da vizinhança, e de todos os telhados que ele poderia ter escolhido para ser seu preferido, ele escolhera o telhado da casa de Justin. Todas as noites quando Justin se deitava para dormir, (só deitava, porque dormir era outra historia), ele ouvia o barulho daquele gato estupido perambulando no telhado a noite inteira. Não sabia explicar se era por causa de seu tamanho avantajado, mas aquele gato tinha o péssimo habito de quebrar as telhas e semana passada ele havia quebrado pelo menos umas cinco telhas num encontro amoroso com a gata siamesa dos Leeds.

     Tudo culpa daquele gato!

     Pensava essas coisas enquanto pegava uma telha, dessas pequenas de trinta centímetros por quinze, cor de cerâmica. O sol de domingo queimava sua nuca e tudo o que queria naquele momento era estar no churrasco na casa do Manny, bebendo uma cerveja gelada, aproveitando seu fim de semana como tinha direito. Talvez, quando terminasse até pudesse ir, afinal, ainda era três horas da tarde.

     Começou então á apressar o serviço, empolgado com a possibilidade de aquele dia poder terminar de forma proveitosa. Posicionou a telha no lugar daquela que havia sido removida e em seguida, pegou o martelo para pregar a telha e começou a martelar de forma vigorosa, no entanto, acabou acertando o dedo indicador. No momento, largou o martelo e soltou uma exclamação de dor, segurando dedo machucado. “Mas que droga!” gritou em pensamento, agora isso? Se ele já estava de mau humor, aquilo foi a gota d’agua. Ah, se encontrasse aquele gato. . .

     Nesse momento olhou para frente e o viu á poucos metros dele, ali no telhado. Tiger olhava para Justin com aqueles olhos verdes brilhantes, calmamente sentado sobre as patas balançando sua cauda espessa, apenas olhando para ele com aquele ar de deboche.

     - Ah, só pode ser brincadeira! – Justin disse alto para si mesmo.

     Sentia tanto ódio por aquele bicho como nunca sentira por nenhum ser vivo em toda sua vida. Por causa dele, estava fritando seus miolos embaixo daquele sol escaldante; por causa dele, não estava aproveitando seu dia de folga com seus amigos e ainda por cima, arrebentara seu dedo. Justin olhou para o lado e viu o martelo que havia largado quando se machucara. Ele não havia escorregado e caído lá embaixo, ele estava ali, ao alcance de seu braço. Olhou outra vez para o gato que continuava parado olhando para ele e não pensou duas vezes: Justin pegou o martelo e o jogou na direção do bichano. Ele errou, nunca fora bom nisso, mas o gato se assustou e pulou do telhado.

     - Vá embora daqui! – Justin gritou ao ver o gato pular. – Gato maldito. – resmungou.

     Resmungou fundo, acalmando-se. Só estava nervoso, só isso, ouvira certa vez que jogar coisas acalmava, e era verdade, depois de ter jogado o martelo, sentia-se muito melhor, pelo menos aquele gato não estava mais lá, zombando dele.

     Só então percebeu que havia jogado o martelo longe demais e dessa vez sim, ele havia caído lá embaixo. Que droga! Agora teria que descer para pegar o martelo e ainda faltavam duas telhas para trocar. “Sua besta!”.

     Justin havia colocado uma escada de madeira apoiada na parede para subir no telhado e agora descia por ela. Porque é mais fácil subir do que descer? Ao terminar de descer a escada, olhava para o gramado do seu quintal procurando o martelo que caíra, encontrando-o á três metros da casa, perto da cerca. Com os olhos fixos no martelo, ele aproximou-se do objeto, abaixou-se e pegou-o. Levantou a cabeça por um segundo, não sabia por que e se espantou com o que viu.

     Seu quintal era circundado por uma cerca de um metro e meio de altura, uma cerca de ferro, com lanças pontiagudas. Justin havia colocado essa cerca no semestre passado, quando roubaram o carro de sua sogra da vaga de visitas, e só então vira o que ela podia fazer. Viu uma cena tão horrível que quase gritou: Tiger estava ali, empalado nas lanças. Quando Justin jogara o martelo, o gato se assustara e pulara ás cegas, caindo nas lanças, tendo uma morte prematura. Seu sangue escorria pelo ferro, tingindo de vermelho as margaridas que cresciam junto á cerca. Seus olhos verdes ainda estavam abertos, mas estavam opacos e continuavam olhando para Justin.

     Justin levara a mão á boca para abafar uma exclamação de horror. “Meu Deus! O que eu fiz”. Olhou para os lados, ninguém passava na rua e sua mulher Madeleine passava roupa dentro de casa ouvindo radio e nem se dava conta do que estava acontecendo no quintal. Olhou para a casa ao lado, a casa de Henry. “O que você vai dizer para ele?”, a voz em sua consciência dizia, “O que você vai dizer quando o seu amigo ver o gatinho querido dele no espeto e pronto para o churrasco?”.

     - Foi um acidente. . . – murmurou para si mesmo. – Eu não queria. . .

     - “Claro que queria, afinal, o martelo não deu aquele salto mortal sozinho”- a voz da consciência continuava. - “Você sabe o quanto Henry gostava desse gato.”- a voz em sua mente disse, parecida com a voz de Madeleine.

     - “Você sabe que Henry sabe o quanto você não gosta desse gato.” – uma outra voz cortou a primeira, uma voz que vinha de lugares mais profundos de sua mente, uma voz parecida com a de seu falecido pai. –“Aquele Maricas vai fazer um escândalo.”

     - A culpa é minha. – Justin murmurou sozinho.

     - “Que bom que reconhece.” – a voz de Madeleine o repreendeu. – “Tiger era só um gato, fazendo o que era de sua natureza fazer. Você era o humano, que devia ter o mínimo de autocontrole. . .”

     - “O que?” – cortou a voz de seu pai. – “Aquele gato era um safado, um filho da mãe, ele mereceu!”

     As duas vozes sempre debatiam em sua mente, sua própria versão do diabinho e do anjinho em cada ombro, claro que a voz de Madeleine representava o anjinho e a de seu pai o diabinho. Sempre dava preferencia á voz de Madeleine, mas a voz de seu pai estava mais alta do que de costume.

     - “Pense na tristeza que Henry vai sentir” – a voz de Madeleine soava reprovadora.

     - “Cale a boca!” – seu pai a cortou de novo. – “Pense no lado positivo disso tudo: não vai ter mais gato nenhum para encher o saco.”

     Justin odiava ter que admitir, mas era verdade, e de repente a voz de Madeleine sumiu.

     - Tá, mas oque eu faço com esse gato? Ele não pode ficar ai pendurado para sempre. – Justin sem perceber disse em voz alta.

     - “Tire-o dai.” – a voz de seu pai disse com voz tentadora. – “Esconda-o e não diga nada para o Henry, você estará fazendo um favor para ele, na verdade.”

     - Mas aonde vou escondê-lo?

     - “Seu jardim é grande o suficiente, além do mais, lembra daquelas hortênsias que você ia replantar no chão? Acho que é uma boa hora.”

     Justin olhou para os lados outra vez, a rua continuava deserta e sua mulher provavelmente ainda passava roupa ouvindo radio. Aproximou-se da cerca e observou o animalzinho mais de perto com certa aflição. Ele relutou um pouco, mas com cuidado, conseguiu retirar o gato das lanças e o segurava nos braços. Nossa, como era pesado, e como estava mole. A lança havia perfurado seu peito, deixando um buraco vermelho no emaranhado de pelos brancos do peito. Olhou bem para Tiger, e aquela imagem lhe apertou o coração. Mas não tinha tempo, Henry, havia ido para o churrasco, e logo estaria de volta.

     Ali mesmo resolveu enterra-lo, primeiro deitou-o no chão com delicadeza, então correu até a garagem que estava com a porta aberta e pegou suas ferramentas de jardinagem (seu hobby), e os três vasos de hortênsias que seriam replantados. Voltou correndo até a cerca, onde havia deixado o gato e com vigor começou a cavar. Demorou para cavar um buraco suficientemente grande para comportar Tiger, ainda mais cavando com aquela pazinha minúscula de jardinagem, mas conseguiu. Colocou o gato na cova improvisada e sentiu um calafrio ao ver seus olhos verdes olhando em sua direção. Quando pegou a pá para começar á jogar a terra por cima do defunto ele hesitou e a voz de Madeleine voltou á cutuca-lo.

     - “Você tem certeza de que quer fazer isso? Porque isso não é certo.”

     - Tá bom, o que você sugere que eu faça?

     - “Olha, eu vou estar aqui para cutuca-lo toda vez que você ver um gatinho passando, toda vez que você assistir o Garfield, eu não vou deixar você em paz.”

     - “Você já cavou o buraco, não vai parar agora.”- a voz de seu pai disse enfática, assustando-o.

     - Não, não vou.

     Munido de uma coragem que ele não tinha, continuou o trabalho e meia hora depois, havia um belo canteirinho de hortênsias azuis ao pé da cerca. Justin levantou-se ainda com a pá na mão e passou o antebraço na testa suada. Olhou para a rua e suas pernas ficaram bambas, pois viu o carro de Henry dobrando a esquina e entrando na rua, vindo em sua direção e de repente um pavor tomou conta dele, como o friozinho na barriga que uma criança sente quando faz alguma arte do tipo quebrar o prato preferido da mãe só para vê-la entrar na cozinha segundos depois do acontecido. Mas Tiger não era um simples prato quebrado.

     O carro aproximava-se cada vez mais, resolveu sair dali, entrar em casa, pois não queria se encontrar com Henry, pelo menos não ainda, mas antes que chegasse á porta de garagem, Henry buzinou chamando sua atenção. Justin sabia que era com ele, queria que não fosse, mas era para ele e não teve outra alterativa senão virar-se depois de pregar um sorriso de coringa no rosto.

     - Oi Justin! – Henry disse com um sorriso sincero. – Por que não foi para o churrasco do Manny?

     - Eu. . . fiquei concertando o telhado que quebrou.

     - Com uma pá? – disse reparando na pá ainda em sua mão.

     - A pá? – ele deu um riso nervoso. – Não, é que eu resolvi mexer no jardim um pouco.

     - Então está bem. – sorriu – O pessoal sentiu sua falta, foi uma tarde muito legal.

     Henry ligou o carro e continuou o caminho até sua casa, deixando Justin lá, pensando seriamente na frase de seu pai, “Ele mereceu.”.



     Logo a noite chegou deixando tudo mais sombrio. Em seu quarto, antes de deitar-se para dormir, Justin aproximou-se da janela e ficou olhando para fora durante um bom tempo, mais precisamente para o canteiro de hortênsias que enfeitavam o tumulo de Tiger com certa aflição. Que sinistro era pensar em tudo o que acontecera aquela tarde. Tinha certeza de toda vez que olhasse para aquelas flores sentiria um calafrio. E aquelas lanças? Iria mandar serra-las amanhã mesmo, pois imaginou se invés do gato, se fosse ele que tivesse caído.

     Ouviu o telefone tocar mas não deu importância, a real Madeleine estava lá para atender, e ele estava por demais intrigado com seus próprios pensamentos. Depois de alguns minutos ouviu sua esposa desligar o telefone que ficava no criado mudo ao lado da cama sem nem ter prestado atenção na conversa.

     - Querido, era o Henry. – a real Madeleine disse tirando-o de seus pensamentos.

     - Oque ele queria? – respondeu um tanto áspero sem tirar os olhos do tumulo secreto.

     - Perguntou se você não viu o gato dele, o Tiger. Parece que sumiu.

     - Não, não o vi. – mentiu sentindo um frio na barriga. – Mas gatos somem, não é? É de sua natureza andar por ai.

     - Pode ser, mas aquele gato era muito estranho.

     - Ele é só um bicho, Maddie. – disse afastando-se da janela.

     - Ouvi falar certa vez que gatos são os guardiões das portas do Mundo dos Mortos, e que quando eles somem de nossas vistas, é lá que eles estão.

     - Aonde ouviu essa besteira? – disse intrigado ao sentar-se na cama.

     - Não me lembro. É uma dessas crendices que se ouve quando criança e fica no inconsciente. – sorriu de maneira amena ao ajeitar-se na cama para dormir. – Uma besteira, realmente.

     - Não sei. - disse serio – Quem sabe Tiger não está dando um olá para o James Dean bem agora? – deitou-se.

     - Que horror, Justin! – Maddie disse em tom repreensivo, mas com um tom de humor, pois ela ainda sorria. – Vamos dormir.

     Não se passou cinco minutos, Justin percebeu que Madeleine respirava profundamente, indicando que dormia. Ele ainda ficou acordado olhando para o teto. É, Tiger nunca mais iria ficar andando pelo teto fazendo-o ficar acordado a noite toda. Sentiu uma ponta de culpa, mas foi só. Pensando em outras coisas, logo adormeceu entrando em sono profundo.

     Quando o relógio marcou três e vinte da manhã Justin acordou sobressaltado. Ele tinha ouvido um barulho que parecera tão distante. Não soube se era real ou fruto de um sonho, mas era algo parecido com vidro sendo arranhado. Aprumou-se na cama e olhou para a janela, não havia nada lá, mas sentira uma sensação tão ruim. Ficou um tempo sentado na cama, olhando em direção á janela em silencio, apenas escutando, mas não havia absolutamente nada além do negro da noite. Mas aquele som, estranho, vidro sendo arranhado. Era um som bem característico, era tipo, agulhas ou algo muito fino. Então com horror, algo lhe ocorreu: unhas de gato.

     Não, não podia ser. Levantou-se e caminhou até a janela, abriu-a e olhou para fora. Não viu nada. Estava tudo quieto, na vizinhança todos estavam em suas camas, dormiam o sono dos justos em paz e o silencio era mortal. Nunca em sua vida ouvira (ou não ouvira) um silencio como aquele.

     Olhou então para as hortênsias sinistras: tudo estava como deixara á tarde e como vira da janela momentos antes de dormir. Balançou a cabeça como se isso espantasse esses pensamentos e fechou a janela outra vez, voltando para a cama e deitando-se ao lado de Madeleine que dormia profundamente. “Não é nada, volte á dormir.”, pensou ao fechar os olhos um pouco mais sossegado.

     Miau.

     Justin ouviu um miado prolongado que parecia estar vindo do telhado.

     Miau.

     O miado fez-se ouvir novamente. Era agudo, dolorido e contínuo.

     Miau.

     Repetiu. Então Justin começou á ouvir um som bem familiar, os passos de um certo gato pesado perambulando pelo telhado. Não podia ser, eram os passos que tantas vezes ouvira e tirara seu sono por noites á fio, os passos de Tiger. O gato andava e miava, miava e andava sem parar.

     Justin tapou os ouvidos com as mãos desesperado. Não era Tiger, não era! Tiger estava mortinho, servindo de adubo para suas hortênsias, estava ouvindo coisas que não existiam.

     Miau.

     Ouviu então uma telha partir-se. Será que tudo isso era sua imaginação pregando-lhe uma peça? Sua consciência pesada cutucando-o como ela avisara? Levantou-se ouvindo os passos daquele ser em cima de sua casa e pôs-se á andar pelo quarto. Olhou para Madeleine que dormia profundamente sem se dar conta do que acontecia com seu marido. Pensou em acorda-la para perguntar se ela também ouvia o som que o atormentava. Não, se a acordasse, teria que explicar a historia toda e ela acabaria fazendo um escândalo.

     Pensou que poderia ser até um outro gato, afinal, Tiger não era o único bichano da vizinhança. Mas reconhecia seus passos, por anos ouvira-o perambular por seu telhado e não conhecia outro gato capaz de quebrar telhas. Mas ele estava morto, estava enterrado em seu jardim.

     - “E por que você não vai lá tirar a prova?” – a voz de seu pai ressoou em sua cabeça outra vez.

     - Eu não vou cavar o jardim agora. – rebateu para si mesmo.

     - “Do que está com medo? De encontrar ou de não encontrar o gato enterrado?”

     Não queria ir, mas sabia que essa era a única forma de saber. Pegou um casaco no armário e vestiu-o, saindo do quarto com cuidado para não acordar Madeleine. Desceu até a garagem, pegou seus instrumentos de jardinagem e saiu para o quintal pela porta da garagem.

     A lua iluminava tudo e naquela luz, seu jardim lhe pareceu tão sinistro. Só então algo lhe ocorreu: a cerca de ferro com lanças, flores e uma tumba, seu jardim era um cemitério. Um calafrio percorreu lhe a espinha e arrepiou lhe os pelinhos da nuca, isso foi tão forte que quase voltou para trás. Mas tinha que saber.

     Aproximou-se do pequeno canteiro de hortênsias, ajoelhou-se e começou á cavar. Tirou as flores primeiro e depois começou á cavar com mais vigor. Cavou e cavou durante muito tempo, e quando percebeu, havia cavado mais agora do que havia cavado durante a tarde e nada de encontrar o gato.

     - Não. . .

     Em vão cavou mais fundo, porem, nada de gato.

     - Como ele não está aqui? Eu o enterrei! – disse desesperado – Será que o bicho estava vivo?

     Mas não havia sinal de que nada havia saído, nem de dentro para fora, nem nada fora arrancado. Nesse momento, lembrou-se do que Madeleine disse antes de dormir: “Gatos são os guardiões do Mundo dos Mortos.”.

     Justin estava ali, todo sujo de terra, cavando uma cova vazia na madrugada e sua fisionomia era de alguém transtornado. Ouviu então outra telha quebrar e virou-se para olhar para o telhado. Havia um gato lá, pelo menos a silhueta de um gato enorme e Justin via tudo aquilo horrorizado. Será que era Tiger? Tinha que ter certeza.

     Ele voltou á garagem, pegou a escada que usara de tarde a apoiou na parede. Com cuidado começou á subir e logo alcançou o telhado. Quando conseguiu se equilibrar na beira do telhado, começou a procurar o gato com os olhos. Estava uma noite de lua clara e viu o gato perto dele. Ironicamente, Justin estava no lugar em que vira Tiger e o gato estava no lugar onde Justin trocava a telha.

     Um sentimento de medo e repulsa misturados tomavam conta de Justin. Era Tiger, grande, tigrado, seus grandes olhos verdes, brilhantes de um modo sinistro olhavam fixamente para ele e o ferimento aberto em seu peito ainda sangrava.

     - É você mesmo, Tiger? Você voltou para me atormentar, seu gato maldito?! – gritou fora de si.

     Então Tiger correu em sua direção, pulou e se agarrou em seu pescoço. Justin desequilibrou-se e caiu do telhado naquela noite clara de domingo. Encontraram-no na manhã seguinte, empalado em sua própria cerca de ferro, assim como Tiger, do qual ninguém nunca mais ouviu falar.