segunda-feira, 15 de abril de 2013

1

"O Padre e a Bruxa" capitulo 3

"O Padre e a Bruxa"
CAPITULO III

 



       O cheiro dos bifes fritando e dos legumes no vapor enchiam a cozinha com um aroma muito bom, e era um cheiro realmente muito bom, só não combinava com o cheiro do cigarro que Annabeth fumava sentada á mesa de sua cozinha, com um cinzeiro de louça redondo á sua frente, enquanto esperava os legumes ficarem prontos. Ela usava um avental florido em azul claro, seu cabelo estava preso num coque, más sua franja caía sobre seu olho esquerdo. A casa estava silenciosa, como sempre ficava a essas horas. Seu marido devia estar no bar, aquele bêbado imprestável, e seu filho só chegaria daqui a pouco, sabia disso, pois ligara para seu celular para saber se devia fazer o bife ou peito de frango grelhado. Annabeth não podia negar que não se importava em ficar sozinha, na verdade gostava muito, era um tempo no qual podia pensar e rezar sem que seu marido infiel a interrompesse.

       Annabeth, que quando solteira tinha o sobrenome Davis, vinha de uma família boa e estruturada, tinha duas irmãs mais novas e sempre fora responsável e religiosa. Quando adolescente, ia bem na escola, tinha um comportamento exemplar e tinha boas amigas. Mas uma serie de coisas aconteceram que a deixaram como ela é hoje:

       Seu pai, Norton Davis, morrera quando ela tinha dezesseis anos, em um acidente com a fiação da casa, o que foi um choque para toda a família, que de repente se via sem o marido e sem o pai, uma família de mulheres que não tinham mais ninguém por elas. Ele havia feito um seguro, em nome da esposa, Carol, que lhe garantiria certa estabilidade. No entanto, antes que sua mãe desse entrada em tais papeis, uma mulher bateu em sua porta, com três crianças á tira colo, uma escadinha: um maiorzinho, que devia ter doze anos, um menor, de cinco, e um bebê de um ano no colo.

       Sem o menor constrangimento, na frente dos vizinhos e em alto e bom som para quem quisesse ouvir, Marylin Thorne afirmou para Carol que ela era a mulher de Norton, e as crianças seus filhos, e que tinham direito á sua herança. Carol quase teve uma síncope, e fora acudida por vizinhos, pois as meninas encontravam-se na escola.

       Mais calma, Carol procurou um advogado que lhe explicou que se fosse comprovada a veracidade desse fato, Marylin teria sim direito á tudo. Uma longa briga judicial se seguiu por dois anos, vários exames de sangue que deram positivo para a paternidade das crianças, de todos os três, e todos os bens tiveram que ser vendidos e repartidos entre os bastardinhos. Não sobrou quase nada para a família oficial, pois além de uma segunda família, o desgraçado deixara varias dividas, que a excelentíssima Marylin não quis assumir. Elas tiveram que sair de sua casa, vender tudo o que tinham e o que não tinham. Não havia um só dia que Carol não amaldiçoasse Norton, e que não dissesse ás suas filhas que os homens são todos pecadores, que escolhessem muito bem o infeliz para quem fossem abrir as pernas e que se fossem espertas, não engravidariam.

       Annabeth foi crescendo com isso na cabeça. Começou a trabalhar como assistente num consultório dentário na cidade, com o Dr. Finn. Ele se mostrava muito atencioso com ela, atencioso até demais e num belo dia, já depois do expediente, estando só os dois no consultório, ele a chamou á sua sala e lá ele a forçou. Ela não chorou na hora, nem depois. Não contou para ninguém, pediu demissão no dia seguinte e o Dr. Finn nunca mais a tocara. Se ela já era estranha, esse evento a deixara fria como um iceberg, e uma raiva crescente se apoderasse de seu ser.

       Ela estava procurando por respostas para todas essas coisas que aconteceram em sua vida, procurava na bíblia, onde sempre encontrava conforto. Ela estava mais folheando as paginas, como em transe, sem prestar realmente atenção no que estava fazendo, quando seus olhos passaram por uma única frase e lá se fixaram: Deus lhe fará justiça. Ela não sabia que pagina que era, ou em que passagem estava, a única coisa que via era essa frase, Deus lhe fará justiça, e essa frase ficou ecoando em sua cabeça por dias e dias, até que ela teve uma espécie de epifania, revelação religiosa, surto psicótico ou qualquer nome que quiserem dar a isso.

       Ela começou a ter uma concepção exagerada dessa frase. Ela encarava como um sinal. A justiça Dele cairia como castigo sobre aquelas pessoas que a feriram. Não só elas, mas a todos os pecadores, traidores, mentirosos, violadores e descrentes. Algo muito antigo testamento, onde os puros eram elevados e os ímpios e pecadores sofriam os castigos, regados á muito fogo e ranger de dentes. Algo muito dramático. Sim, e conforme o tempo foi passando ela foi ficando cada vez mais obsessiva.

       Aos vinte e três, casou-se com Ted Downey, um rapaz que era aceitável dado o seu rígido conceito sobre os homens. Contrariando sua mãe, estava gravida em um mês, e aos vinte e quatro dera a luz a Mark, um menino, sim, um pequeno pecadorzinho. Mas como seria criado por ela, ela cortaria esse mal nele, pela raiz. A criação de Mark fora dura e rígida, e quando ele teve idade para entender, ela sabiamente o entretinha com gravuras do inferno em chamas e pessoas queimando, alertando-o que ele iria para lá se não se comportasse e seguisse as escrituras, coisa que foi o maior culpado do declínio de seu casamento, no entanto nenhum dos dois cogitava o divorcio. Para Ted era cômodo ter uma mulher em casa que fizesse sua comida, lavasse sua roupa e que trepasse com ele quando ele se sentisse entediado. Para ela a palavra divórcio era uma blasfêmia e uma mulher divorciada não era nada menos que uma vadia inútil. Para os dois a vida era confortável assim.

       Deu mais uma tragada no cigarro, seu único fraco. Achava que podia se dar a esse luxo, principalmente quando tinha que pensar, e tinha muito no que pensar. Durante todos esses anos, sempre achara Padre Harolds um homenzinho fraco e arrogante, moderninho demais, conivente demais com certas coisas. E agora, fraco como era, iria se esconder com o rabinho entre as pernas em algum lugar no fim do mundo, com a desculpa de ir cuidar da irmã. Mas ela sabia o que ele queria de verdade, queria terminar seus dias em devassidão, como qualquer homem, e nem todos esses anos servindo a Deus foram capazes de mudar sua essência pecadora. Ela sabia que um dia isso acontecer, ele nunca a enganara. Só esperava que esse O’connel fosse diferente, que fosse digno, e se fosse esse o caso, poderiam se dar muito bem. Mas ele era tão jovem, mas ainda assim e até por isso mesmo, fosse mais maleável. Quem sabe.

       Annabeth ouviu um barulho atrás de si, o som de tilintar de metal, era o som de alguém abrindo a porta da cozinha que era também a porta dos fundos, era Mark. Ela só se virou o suficiente para ver o garoto de dezesseis anos entrar e fechar a porta atrás de si e depois parar surpreso ao ver a mãe sentada na mesa fumando um cigarro. Ela não percebeu que os olhos dele estavam vermelhos. Ele era muito parecido com seu pai, com cabelo loiro curto e os olhos verdes. Era pequeno para a média, mas afinal ainda estava em faze de crescimento. Ele usava jeans e uma jaqueta de moletom cinza, e uma mochila de cor indefinida pendia em seu ombro. Mark simplesmente odiava quando ela fazia isso, e ela fazia com certa frequência, se sentar num canto, silenciosa como uma cobra.

       - O dia leva, a noite trás. – ela disse uma frase que sempre usava para elucidar como ele demorara.

       - Ainda são sete horas, mãe, ainda nem anoiteceu direito. – ele respondeu um pouco áspero, detestava quando ela fazia isso.

       - Encontrou seu querido pai por ai? – disse ela ignorando a frase do filho.

       - Não. Eu estava na casa do Donnie.- ele deu de ombros enquanto aproximava-se da mãe e deu-lhe um beijo na testa. – Vou tomar um banho.

       - O jantar estará pronto daqui dez minutos. Quando descer, quero falar com você.

       Mark virou-se para a mãe um instante, os dois se olharam por um tempo, então ele virou-se, saindo pela cozinha e indo em direção á sala, para subir a escada para o segundo andar onde ficava seu quarto. Era uma casa bonita, com uma bela varanda cercada de um jardim que Annabeth cuidava com carinho. A porta da frente era envidraçada, e uma cortina marfim impedia a visão para o lado de dentro. Assim que se entrasse na casa pela porta da frente, havia uma sala de estar ampla, decorada principalmente com mobília de madeira boa, uma vez que Ted era carpinteiro, ele mesmo mobiliara toda a casa. Essa ampla sala se dividia, para também servir de sala de jantar que ficava ao lado da cozinha, onde tinha a porta dos fundos e um lavabo perto da escada. Subindo a escada, havia três quartos, um do casal, um de Mark e um de visitas, todos com banheiro.

       O garoto fechou-se em seu quarto, jogando a mochila encima da cama. Com rapidez se despiu e foi até seu banheiro. Abriu a porta do box e ligou o chuveiro, esperando enquanto a água esquentava. Entrou debaixo do jato de água e deixou que caísse bastante água quente em suas costas. De repente, aquele banheiro parecia tão pequeno e tão silencioso exceto pelo som da água. Ali ele não podia escutar sua mãe, e acreditava que sua mãe também não pudesse escuta-lo, então começou a chorar. Chorou por uns cinco minutos antes de soluçar, engolir o choro, se recompor como podia, desligar o chuveiro e se vestir para o jantar. Era sempre assim: algumas pessoas fazem barraco, algumas pessoas se embriagam, Mark chorava no chuveiro. Se Annabeth perguntasse o porquê dos olhos vermelhos, ele diria que era o sabonete. Mais uma vez jantariam em silencio, mais uma vez tentariam fingir que eram uma família normal. Ignorariam por vinte minutos o fato de que embora fossem mãe e filho e que hipoteticamente deveria haver amor naquele lugar, os dois não aguentavam por muito tempo a companhia um do outro. Depois do teatro, ela lavaria a louça, e ele iria para seu quarto, colocaria seu abençoado fone de ouvido e ouviria Bom Jovi até cair no sono. Mas não era o que Annabeth tinha planejado. Durante a refeição que Mark apenas mordiscava, ela começou:

       - Como foi seu dia hoje? – perguntou em tom forçadamente amável.

       - Normal. – respondeu enquanto brincava com seu bife.

       Ela ficou um tempinho em silencio.

       - Você soube da novidade?

       - Que novidade? – deu de ombros.

       - O Padre Harolds vai nos deixar. – disse com uma animação um tanto maldosa. – Eu sabia que mais dia menos dia, ele ia abandonar o barco.

       - E. . . ? – ele disse, como se para ele isso fosse relevante.

       - E um padre novo chegou hoje.

       - Que bom.

       - Quando digo novo, é novo mesmo, é bem jovem. Deve ter uns vinte e cinco, no máximo. – disse animada.

       - E. . . ? – repetiu, deixando-a com uma expressão seria.

       - E, - ela disse no mesmo tom do garoto -  que eu pensei que vocês dois poderiam conversar, quem sabe, ele parece tão simpático.

       Isso foi o bastante para que Mark largasse o garfo com um tilintar no prato de porcelana e a fitasse realmente incomodado.

       - Mãe, nós já conversamos sobre isso, e eu não vejo necessidade disso.

       - Por Jesus, garoto, conversar não arranca pedaço! – ela disse áspera. – Os dois são jovens, devem falar a mesma língua. Acho que você verá que é uma vida abençoada. . .

       - Eu não vou me tornar padre! – ele esbravejou.

       Annabeth ficou parada calada com os olhos brilhando enquanto observava Mark ofegante que gradativamente foi se acalmando. Ela colocou o garfo que estava em sua mão lentamente sobre a mesa. Ela simplesmente olhava para ele, séria, impassível. Ele odiava isso nela, esse modo de assimilar esse tipo de grosseria e não rebater do mesmo modo, mas sim, menear a cabeça e com um meio sorriso, se colocar no papel de vitima, de mártir, que ela adorava, o que só fazia sua ideia de estar certa crescer, de que estava sozinha lutando em uma cruzada. Era isso o que ela queria, era disso que ela gostava e ele sabia disso.

       - Eu não posso ser padre. – disse de forma mais calma, já arrependido de ter gritado.

       - É claro que não, é tão mundano e descrente quanto seu pai. Mas ninguém pode dizer que eu não tentei te colocar no bom caminho.

       - Mãe, - disse ofendido. – como ousa dizer isso? Eu vou bem na escola, nunca lhe faltei com respeito, como pode dizer que não estou no bom caminho?

       - No caminho Dele! – ela rebateu. – Eu gostaria que alguém mais além de mim nessa casa se importasse com o que o Senhor está pensando sobre toda essa indecência.

       - Do que está falando?

       - Todos nessa casa , na verdade nessa cidade inteira, parece feliz em cultuar o prazer próprio no lugar de se preocupar para onde suas almas estão indo. Eu te digo para onde, para o inferno, é para lá que estão indo. Agindo desmesuradamente, encontrando pretextos para sua devassidão.

       - Eu não vou mais discutir isso. - disse levantando-se.

       - Claro que não. Mas considere isso antes de fazer sua escolha final: se te faz chorar, não deve ser tão bom assim.

       Ele se virou para ela com um olhar alarmado só para observa-la exibir o seu mais irônico sorriso e não conseguiu evitar que as lagrimas viessem aos seus olhos. Annabeth tinha muito disso, de ter essa desconfortável habilidade de aparentemente ler o que havia no mais intimo de seu coração. Ela sempre sabia quando Mark escondia algo, não que ela soubesse exatamente o que era, (ele esperava que não soubesse) mas ela sabia quando havia algo errado com ele. Talvez se ela usasse isso para dar-lhe apoio, tudo bem, mas ela usava principalmente para diminuí-lo, provocá-lo e quase sempre conseguia o que queria. Ele não queria mais ficar ali, se ficasse mais um tempinho que fosse, ela descobriria o que já desconfiava.

       Subiu a escada correndo e fechou a porta batendo-a com um estrondo. Saiu da cena lá embaixo por que não queria brigar. Não queria brigar, por que sabia que isso viraria uma bola de neve que não conseguiria controlar e só iria piorar as coisas. Achava que essa era uma atitude muito bem acertada, embora muita gente achasse que ele deveria ficar e enfrenta-la. Eles não a conheciam, não sabiam como Annabeth conseguia virar o jogo e fazer sua própria guerra santa.

       Annabeth nunca escondeu que seu maior desejo na vida era que seu filho Mark seguisse uma vida como a dela, religiosa e voltada á Deus, e que melhor modo de fazer isso do que se tornando padre? Durante muito tempo ela tentou incutir essa ideia em sua cabeça quando o leva á missa e dizia “Olhe só, imagine você lá na frente.”. Mas ele não queria, não, não podia, esse era o termo certo, não podia, e ela jamais entenderia seus motivos.

Um comentário:

  1. Olá querida, eu acho que você tem um talento para escrever...
    porque não participa da seleção da editora Andross, ele estão selecionando histórias para uma coletânea e podem ser enviados até 30 de abril ! eu acho uma boa oportunidade..kk
    tenta lá, é so entrar no site :

    http://www.andross.com.br/

    beijos
    olha o meu blog:
    http://mundoda-resenha.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir