sábado, 18 de maio de 2013

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"O Padre e a Bruxa" capitulo 4

"O Padre e a Bruxa"
 capitulo 4
 

       Ethan acordava depois de uma noite um pouco mal dormida naquele sofá na casa paroquial de Igreja de São João, em Elder. O sofá não era tão confortável quanto Harolds dizia. Era uma manhã de quarta feira. Por um momento, antes que sua visão entrasse em foco, ficou meio confuso sobre onde estava, e demorou um pouco para que se lembrasse de que não estava mais em Seattle. Colocou-se sentado um momento, terminando de acordar. Ajoelhou-se no chão fez um sinal da cruz e fez uma prece:

       - “Obrigado, Senhor por mais um dia. Que eu tenha força para seguir seus mandamentos, espalhar sua palavra e viver seu amor. Ilumine meu caminho, Senhor.” – então rezou um terço.

       Fazia isso todas as manhãs desde que se conhecia por católico. Não conseguia começar seu dia se primeiro não tivesse rezado pelo menos um terço. Fez o sinal da cruz de novo e levantou-se. Arrumou sua “cama”, dobrando o lençol e o cobertor que Harolds havia lhe dado e arrumou tudo num canto do sofá, só então olhou no relógio que ficava na parede, eram seis horas da manhã.

       Ethan tinha o hábito de se exercitar, sempre. Mas como não tinha Wayne á mão para jogar uma partida de basquete de rua, teria que ser criativo. Olhou para o lado em que a cama estava e viu que Harolds dormia em paz. Pegou uma calça de moletom e uma camisa básica preta de algodão da mala, roupa que normalmente usava para fazer esportes, juntamente com uma toalha e uma roupa de baixo e foi até o banheiro. Tomou uma ducha rápida, escreveu um bilhete dizendo que ia correr um pouco, que logo estaria de volta e saiu sorrateiro pela porta, para que Harolds não acordasse.

       Ethan não conhecia a cidade, mas enquanto estava no carro com Monty, observou pela janela que antes de entrar pela rua Dodger, havia uma rua que se ligava com uma rua estreita de terra, imaginou que ela podia ser uma boa pista de corrida. Ele saiu pela porta lateral, desceu a escadaria e respirou o ar puro da manhã. Ele se lembraria de que aquela manhã estava muito fria e que sua respiração se condensava em fumaça como se estivesse fumando, mas estava indo correr, se esquentaria, além do mais ainda eram as primeiras horas da manhã que ainda se apegava ao sereno da noite. Havia poucas pessoas na rua aquele horário, algumas estavam ainda abrindo seus estabelecimentos, mas somente aqueles que precisavam ser abertos cedo, como a lanchonete, a confeitaria e o posto de gasolina, ocupadas demais e com sono demais para sequer notar sua presença. Ele começou a correr pela calçada, percebendo como ela estava irregular em alguns pontos. Atravessou a rua e saiu da Rua Dodger. Correu mais uns metros até alcançar a parte em que o trecho de estrada de terra aparecia entre duas lojas, como num cruzamento, mas a despeito do outro lado que era habitado e bem cuidado, o trecho de terra parecia negligenciado. Logo o trecho mostrou-se uma trilha que cortava o bosque, se fechando mais á medida que se ia entrando, com o chão de terra e cascalho, e o mato dos dois lados.

       Corria em velocidade considerável, afinal não era nenhum maratonista, mas para um cooper estava muito bem, achava. Seu corpo alto e esguio não era do tipo montanha de músculos, mas não era nada franzino, tinha um corpo adequado á sua altura e tentava mantê-lo assim com seus exercícios. Ainda respirava sem dificuldade, mas em alguns minutos estaria esbaforido e suando em bicas e logo ele pararia, com a consciência tranquila de ter feito sua parte, que o metabolismo cuidasse do resto.

       Ethan meio que desligava quando se exercitava, entrava em stand by. Era um bom modo de limpar a mente quando se estava preocupado. Tudo o que ele via naquele momento era a trilha de cascalho e as arvores, enveredando por uma curva, depois por outra, rodeado de carvalhos e cedros, a natureza exuberante cada vez mais rica á medida que o bosque se fechava e por um momento esqueceu-se outra vez de onde estava e que não conhecia o bosque, mas alheio á isso, Ethan continuou correndo bosque adentro, sem perceber que estava indo muito para dentro.

       Ele parou depois de um tempo, como o prometido, com as mãos no joelho, tentando respirar depois de tanto esforço físico. O suor lhe caia em gotas pelo rosto, pelo cabelo e pelas costas. Um ventinho mais frio bateu e ele sentiu sua camisa gelada de tão molhada. Aprumou-se e olhou em volta, entendera por que para ali, ali era uma clareira e o fim da primeira parte da trilha, pois logo depois da clareira ele podia ver do outro lado outra trilha mais íngreme, que enveredava mais para dentro agora de uma floresta fechada. Parou e fechou os olhos para ouvir e não ouviu nada, nada além dos sons da floresta: havia pássaros nas copas das arvores, piando, pássaros grandes cantando e pássaros jovens, bebes chamando as mães; o vento batia nas folhas e elas farfalhavam como sinos de vento; tinha um riacho ali perto em algum lugar; havia outros barulhos que ele não conseguira identificar, mas que eram suaves e sorrateiros, os pequenos animais da floresta, alguns esquilos, talvez uma lebre, e sentiu-se realmente em paz, imaginando como Deus era maravilhoso por criar tamanha beleza nessas pequenas coisas como o piar de um passarinho. Então Ethan abriu os olhos.

       De começo ele quase deu um pulo para trás por causa do susto que levara. Á sua frente, a menos de dois metros de distancia estava uma garota. Ela era ruiva, mas não o ruivo vermelho carmim das tinturas de cabelos, que ficava muito artificial e que era moda, era o verdadeiro ruivo irlandês, vermelho acobreado, como um por do sol, muito comprido, vinha até a cintura em cachos soltos embora fosse liso na raiz. Seus olhos eram verde água, sua pele era branca, mas rosada como um pêssego e haviam poucas sardas em seu rosto. Ela usava um casaco verde de lã comprido até os joelhos, uma saia de tecido mole, provavelmente tingida de forma artesanal em tom verde folha. Ela usava uma bolsa bem colorida, de lã ou crochê e havia uma única trança em seu cabelo, fina, uma mecha, parecia hippie e era muito bonita. Ela era jovem, devia ter sua idade, ou menos, e ela estava parada lá, olhando para ele. Mas como ela chegou lá sem que ele ouvisse?

       - Ah, você me assustou. – disse ele depois de se recuperar do susto.

       Ela não disse nada, estava séria e segurava a alça da bolsa com certa força. Então ele reparou que ela estava assustada com a sua presença, ela parecia analisá-lo e não parecia totalmente assustada, só incomodada, embora soubesse que ela correria bosque adentro se ele fizesse algum movimento brusco.

       - Está tudo bem? – ele perguntou intrigado e a expressão da garota parecia cada vez mais curiosa.

       - O que faz aqui? – ela perguntou depois de muito analisa-lo e sua voz soou soberana aos outros sons do bosque que parecia ter ficado em silencio para ouvi-la falar.

       - Eu estava correndo. – ele respondeu de certa forma aliviado por ouvi-la falar. Ela bem que podia ser uma alucinação causada pela endorfina.

       - Do que? – ela perguntou logo em seguida – De quem? – ela ainda estava séria, ainda o analisando e para Ethan essas duas perguntas soaram tão estranhas. “Do que? De quem?”.

       - De ninguém, só correndo. – disse meio ressabiado, e as duas perguntas ainda ecoavam em sua cabeça: “Do que? De quem?”.

       Ela continuava séria olhando para ele e seus olhos verdes pareciam refratar a luz da manhã de tão brilhantes. Ela parecia olhar por trás dos ombros dele, talvez procurando o algo ou o alguém a quem ela se referia, sejam lá quem fossem.

       - Você não é daqui. – disse ela com um meneio de cabeça.

       - Não, eu acabei de chegar, eu. . .

       - Você não devia estar aqui. – ela acrescentou um tanto ríspida e aquilo o pegou de surpresa, tanto que ele perdeu o fio da meada.

       - Bem, me desculpe, eu estava correndo, não vi que tinha ultrapassado algum limite. . .

       - Está perdido? – ela continuou sem parecer ter ouvido

       - Não exatamente. . .

       - Então dê a volta e siga pelo mesmo caminho que você veio. – ela ajeitou a bolsa no ombro. – O bosque pode ser perigoso.

       A garota ruiva deu as costas á ele e atravessou a clareira, entrou na trilha de que era aquela mais fechada que entrava na floresta e sumiu por entre as arvores, deixando-o sozinho sem entender nada do que tinha acabado de acontecer e outra vez a floresta era só silencio além dos sons normais de pássaros, vento e riacho. Mas terminando por achar aquilo tudo estranho demais, deu alguns passou para trás, girou nos calcanhares e voltou pelo caminho no qual viera, correndo, mas não com a avidez de antes, era mais como um trotar.

       Quem era aquela garota? Por que ela era tão esquisita? Bosque perigoso? A coisa mais perigosa que poderia acontecer naquele bosque era tropeçar em alguma pedra no meio do caminho e se estatelar no chão apenas com seu orgulho e talvez a bunda ferida, mas só teriam esquilos para achar engraçado. Perigoso era uma garota como ela se embrenhar sozinha no mato fechado, isso sim. Meia hora depois saíra da trilha, de volta para o conforto do asfalto, mas a garota não saíra de sua mente.

       Voltou para a igreja antes das sete e meia e Padre Harolds estava tomando café da manha na mesa pequena, lendo um livro de capa dura marrom. Ele parecia um tanto serio, atrás dos seus óculos.

       - Bom dia, Padre Harolds.

       - Sente-se, acabei de fazer o café, desculpe se não estiver do seu agrado, eu gosto dele bem forte.

       - Eu também. – respondeu ao sentar-se. Pegou a xicara que estava na mesa, provavelmente para ele, pegou o bule de café e encheu a xicara.

       Padre Harolds abaixou o livro que lia e ficou observando Ethan sorver o liquido quente com uma interrogação no rosto por trás dos óculos.

       - Aonde foi correr? Até onde sei não temos pista de corrida. – parecia curioso.

       - Ah, numa trilha no bosque. – disse sorvendo mais um gole. – Pode me passar aquela torrada?

       - No bosque? – Padre Harolds tinha um ar intrigado ignorando Ethan.

       - Sim. – respondeu meio ressabiado. De repente sentiu como se estivesse fazendo algo errado sem saber que era errado. – Por quê?

       - Bem, - disse ele, de certa forma procurando as palavras para dizer. – você não conhece a cidade, ainda mais o bosque, poderia se perder.

       - A trilha estava boa, é reta, não tive problemas. – esticou o braço e pegou a torrada do prato de porcelana no meio da mesa e começou a mordisca-la, olhando de esguelha para o velho ao lado.

       - Tome mais cuidado por aqui, filho, as coisas não são o que parecem.

       Ethan achou muito estranha essa ultima frase do Padre Harolds, até chegou a abrir a boca para perguntar o que ele queria dizer, mas deteve-se ao ver que ele outra vez abriu o livro e começou a folheá-lo, dando o assunto por encerrado. Ethan decidiu que não se estenderia mais no assunto, não contaria da garota ruiva, não havia necessidade. Como o Padre Molina, ele talvez fizesse um sermão e não estava preparado para isso de novo. Terminaram de tomar o café da manhã em paz e silencio. Depois de outro banho rápido, Ethan colocou sua roupa: a calça e seu casaco escuro, a camisa preta com a tarja branca no pescoço, sua roupa de padre, e preparou-se mentalmente para um novo dia de oficio.

    

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