"O Padre e a Bruxa"
capitulo 4
Ethan acordava depois de uma noite um pouco mal dormida naquele sofá na
casa paroquial de Igreja de São João, em Elder. O sofá não era tão confortável
quanto Harolds dizia. Era uma manhã de quarta feira. Por um momento, antes que
sua visão entrasse em foco, ficou meio confuso sobre onde estava, e demorou um
pouco para que se lembrasse de que não estava mais em Seattle. Colocou-se
sentado um momento, terminando de acordar. Ajoelhou-se no chão fez um sinal da
cruz e fez uma prece:
- “Obrigado, Senhor por mais um
dia. Que eu tenha força para seguir seus mandamentos, espalhar sua palavra e
viver seu amor. Ilumine meu caminho, Senhor.” – então rezou um terço.
Fazia isso todas as manhãs desde que se conhecia por católico. Não
conseguia começar seu dia se primeiro não tivesse rezado pelo menos um terço.
Fez o sinal da cruz de novo e levantou-se. Arrumou sua “cama”, dobrando o
lençol e o cobertor que Harolds havia lhe dado e arrumou tudo num canto do
sofá, só então olhou no relógio que ficava na parede, eram seis horas da manhã.
Ethan tinha o hábito de se exercitar, sempre. Mas como não tinha Wayne á
mão para jogar uma partida de basquete de rua, teria que ser criativo. Olhou
para o lado em que a cama estava e viu que Harolds dormia em paz. Pegou uma
calça de moletom e uma camisa básica preta de algodão da mala, roupa que
normalmente usava para fazer esportes, juntamente com uma toalha e uma roupa de
baixo e foi até o banheiro. Tomou uma ducha rápida, escreveu um bilhete dizendo
que ia correr um pouco, que logo estaria de volta e saiu sorrateiro pela porta,
para que Harolds não acordasse.
Ethan não conhecia a cidade, mas enquanto estava no carro com Monty,
observou pela janela que antes de entrar pela rua Dodger, havia uma rua que se
ligava com uma rua estreita de terra, imaginou que ela podia ser uma boa pista
de corrida. Ele saiu pela porta lateral, desceu a escadaria e respirou o ar
puro da manhã. Ele se lembraria de que aquela manhã estava muito fria e que sua
respiração se condensava em fumaça como se estivesse fumando, mas estava indo
correr, se esquentaria, além do mais ainda eram as primeiras horas da manhã que
ainda se apegava ao sereno da noite. Havia poucas pessoas na rua aquele
horário, algumas estavam ainda abrindo seus estabelecimentos, mas somente
aqueles que precisavam ser abertos cedo, como a lanchonete, a confeitaria e o
posto de gasolina, ocupadas demais e com sono demais para sequer notar sua
presença. Ele começou a correr pela calçada, percebendo como ela estava
irregular em alguns pontos. Atravessou a rua e saiu da Rua Dodger. Correu mais
uns metros até alcançar a parte em que o trecho de estrada de terra aparecia
entre duas lojas, como num cruzamento, mas a despeito do outro lado que era
habitado e bem cuidado, o trecho de terra parecia negligenciado. Logo o trecho
mostrou-se uma trilha que cortava o bosque, se fechando mais á medida que se ia
entrando, com o chão de terra e cascalho, e o mato dos dois lados.
Corria em velocidade considerável, afinal não era nenhum maratonista,
mas para um cooper estava muito bem,
achava. Seu corpo alto e esguio não era do tipo montanha de músculos, mas não
era nada franzino, tinha um corpo adequado á sua altura e tentava mantê-lo
assim com seus exercícios. Ainda respirava sem dificuldade, mas em alguns
minutos estaria esbaforido e suando em bicas e logo ele pararia, com a
consciência tranquila de ter feito sua parte, que o metabolismo cuidasse do
resto.
Ethan meio que desligava quando se exercitava, entrava em stand by. Era um bom modo de limpar a
mente quando se estava preocupado. Tudo o que ele via naquele momento era a
trilha de cascalho e as arvores, enveredando por uma curva, depois por outra,
rodeado de carvalhos e cedros, a natureza exuberante cada vez mais rica á
medida que o bosque se fechava e por um momento esqueceu-se outra vez de onde
estava e que não conhecia o bosque, mas alheio á isso, Ethan continuou correndo
bosque adentro, sem perceber que estava indo muito para dentro.
Ele parou depois de um tempo, como o prometido, com as mãos no joelho,
tentando respirar depois de tanto esforço físico. O suor lhe caia em gotas pelo
rosto, pelo cabelo e pelas costas. Um ventinho mais frio bateu e ele sentiu sua
camisa gelada de tão molhada. Aprumou-se e olhou em volta, entendera por que
para ali, ali era uma clareira e o fim da primeira parte da trilha, pois logo
depois da clareira ele podia ver do outro lado outra trilha mais íngreme, que
enveredava mais para dentro agora de uma floresta fechada. Parou e fechou os
olhos para ouvir e não ouviu nada, nada além dos sons da floresta: havia
pássaros nas copas das arvores, piando, pássaros grandes cantando e pássaros
jovens, bebes chamando as mães; o vento batia nas folhas e elas farfalhavam
como sinos de vento; tinha um riacho ali perto em algum lugar; havia outros
barulhos que ele não conseguira identificar, mas que eram suaves e sorrateiros,
os pequenos animais da floresta, alguns esquilos, talvez uma lebre, e sentiu-se
realmente em paz, imaginando como Deus era maravilhoso por criar tamanha beleza
nessas pequenas coisas como o piar de um passarinho. Então Ethan abriu os
olhos.
De começo ele quase deu um pulo para trás por causa do susto que levara.
Á sua frente, a menos de dois metros de distancia estava uma garota. Ela era
ruiva, mas não o ruivo vermelho carmim das tinturas de cabelos, que ficava
muito artificial e que era moda, era o verdadeiro ruivo irlandês, vermelho
acobreado, como um por do sol, muito comprido, vinha até a cintura em cachos
soltos embora fosse liso na raiz. Seus olhos eram verde água, sua pele era
branca, mas rosada como um pêssego e haviam poucas sardas em seu rosto. Ela
usava um casaco verde de lã comprido até os joelhos, uma saia de tecido mole,
provavelmente tingida de forma artesanal em tom verde folha. Ela usava uma
bolsa bem colorida, de lã ou crochê e havia uma única trança em seu cabelo,
fina, uma mecha, parecia hippie e era muito bonita. Ela era jovem, devia ter
sua idade, ou menos, e ela estava parada lá, olhando para ele. Mas como ela
chegou lá sem que ele ouvisse?
- Ah, você me assustou. – disse ele depois de se recuperar do susto.
Ela não disse nada, estava séria e segurava a alça da bolsa com certa
força. Então ele reparou que ela estava assustada com a sua presença, ela
parecia analisá-lo e não parecia totalmente assustada, só incomodada, embora
soubesse que ela correria bosque adentro se ele fizesse algum movimento brusco.
- Está tudo bem? – ele perguntou intrigado e a expressão da garota
parecia cada vez mais curiosa.
- O que faz aqui? – ela perguntou depois de muito analisa-lo e sua voz
soou soberana aos outros sons do bosque que parecia ter ficado em silencio para
ouvi-la falar.
- Eu estava correndo. – ele respondeu de certa forma aliviado por
ouvi-la falar. Ela bem que podia ser uma alucinação causada pela endorfina.
- Do que? – ela perguntou logo em seguida – De quem? – ela ainda estava
séria, ainda o analisando e para Ethan essas duas perguntas soaram tão
estranhas. “Do que? De quem?”.
- De ninguém, só correndo. – disse meio ressabiado, e as duas perguntas
ainda ecoavam em sua cabeça: “Do que? De
quem?”.
Ela continuava séria olhando para ele e seus olhos verdes pareciam
refratar a luz da manhã de tão brilhantes. Ela parecia olhar por trás dos ombros
dele, talvez procurando o algo ou o alguém a quem ela se referia, sejam lá
quem fossem.
- Você não é daqui. – disse ela com um meneio de cabeça.
- Não, eu acabei de chegar, eu. . .
- Você não devia estar aqui. – ela acrescentou um tanto ríspida e aquilo
o pegou de surpresa, tanto que ele perdeu o fio da meada.
- Bem, me desculpe, eu estava correndo, não vi que tinha ultrapassado
algum limite. . .
- Está perdido? – ela continuou sem parecer ter ouvido
- Não exatamente. . .
- Então dê a volta e siga pelo mesmo caminho que você veio. – ela
ajeitou a bolsa no ombro. – O bosque pode ser perigoso.
A garota ruiva deu as costas á ele e atravessou a clareira, entrou na
trilha de que era aquela mais fechada que entrava na floresta e sumiu por entre
as arvores, deixando-o sozinho sem entender nada do que tinha acabado de
acontecer e outra vez a floresta era só silencio além dos sons normais de
pássaros, vento e riacho. Mas terminando por achar aquilo tudo estranho demais,
deu alguns passou para trás, girou nos calcanhares e voltou pelo caminho no qual
viera, correndo, mas não com a avidez de antes, era mais como um trotar.
Quem era aquela garota? Por que ela era tão esquisita? Bosque perigoso?
A coisa mais perigosa que poderia acontecer naquele bosque era tropeçar em
alguma pedra no meio do caminho e se estatelar no chão apenas com seu orgulho e
talvez a bunda ferida, mas só teriam esquilos para achar engraçado. Perigoso
era uma garota como ela se embrenhar sozinha no mato fechado, isso sim. Meia
hora depois saíra da trilha, de volta para o conforto do asfalto, mas a garota
não saíra de sua mente.
Voltou para a igreja antes das sete e meia e Padre Harolds estava
tomando café da manha na mesa pequena, lendo um livro de capa dura marrom. Ele
parecia um tanto serio, atrás dos seus óculos.
- Bom dia, Padre Harolds.
- Sente-se, acabei de fazer o café, desculpe se não estiver do seu
agrado, eu gosto dele bem forte.
- Eu também. – respondeu ao sentar-se. Pegou a xicara que estava na
mesa, provavelmente para ele, pegou o bule de café e encheu a xicara.
Padre Harolds abaixou o livro que lia e ficou observando Ethan sorver o
liquido quente com uma interrogação no rosto por trás dos óculos.
- Aonde foi correr? Até onde sei não temos pista de corrida. – parecia
curioso.
- Ah, numa trilha no bosque. – disse sorvendo mais um gole. – Pode me
passar aquela torrada?
- No bosque? – Padre Harolds tinha um ar intrigado ignorando Ethan.
- Sim. – respondeu meio ressabiado. De repente sentiu como se estivesse fazendo
algo errado sem saber que era errado. – Por quê?
- Bem, - disse ele, de certa forma procurando as palavras para dizer. –
você não conhece a cidade, ainda mais o bosque, poderia se perder.
- A trilha estava boa, é reta, não tive problemas. – esticou o braço e
pegou a torrada do prato de porcelana no meio da mesa e começou a mordisca-la,
olhando de esguelha para o velho ao lado.
- Tome mais cuidado por aqui, filho, as coisas não são o que parecem.
Ethan achou muito estranha essa ultima frase do Padre Harolds, até
chegou a abrir a boca para perguntar o que ele queria dizer, mas deteve-se ao
ver que ele outra vez abriu o livro e começou a folheá-lo, dando o assunto por
encerrado. Ethan decidiu que não se estenderia mais no assunto, não contaria da
garota ruiva, não havia necessidade. Como o Padre Molina, ele talvez fizesse um
sermão e não estava preparado para isso de novo. Terminaram de tomar o café da
manhã em paz e silencio. Depois de outro banho rápido, Ethan colocou sua roupa:
a calça e seu casaco escuro, a camisa preta com a tarja branca no pescoço, sua
roupa de padre, e preparou-se mentalmente para um novo dia de oficio.
adorei seu blog...bjihos
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