quarta-feira, 15 de agosto de 2012

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"Donna"


      "- Vamos logo! – Richard apressava sua namorada.

     - Só um minuto! – ela respondeu pela segunda vez.

     Richard estava esperando Donna já fazia meia hora, sentado no primeiro degrau da escada que levava da sala ao segundo andar, onde Donna se arrumava. Chegara cedo demais e ela ainda não estava pronta para o baile. Cedo demais coisa nenhuma, essas garotas gostavam de ficar enrolando, isso sim, ainda mais para o baile do Dia dos Namorados no ultimo anos do Segundo Grau, quando cada minuto era precioso demais para ser desperdiçado. Depois que o ano letivo acabasse, cada um iria para um lado.

     Richard estava elegante parado na escada da casa de Donna, com seu elegante smoking preto Black-tie, seu cabelo loiro penteado para trás, parecia mais um galã de cinema, muito parecido com Robert Redford. Segurava na mão uma caixinha de plástico transparente, com o tradicional arranjo de pulso de flores lilases para entregar á sua namorada, uma cena tão cliché.

     - Estou descendo! – a voz macia de Donna fez-se ouvir lá de cima.

     Então, ela apareceu no alto da escada. Seu cabelo ruivo, liso e muito comprido estava solto, a não ser por uma presilha que prendia uma mecha do lado direito da cabeça. Seu vestido de baile era lindo, lilás num tom bem delicado, tinha o decote tomara que caia e era longo até o chão. Enquanto ela descia a escada e seu vestido esvoaçava, Richard observava extasiado. Nunca em toda sua vida vira algo tão lindo. Richard era apaixonado por Donna desde a sétima serie, mas foi só naquele momento que percebeu o quanto a amava de verdade, e queria passar o resto de sua vida com ela.

     É, o presente que daria á ela, e que estava guardado em seu bolso fora sem duvida a decisão mais acertada que tivera.

     - Desculpe a demora. – ela disse sorrindo, no entanto ele estava ainda meio que entorpecido, então ela emendou um pouco mais seria. – E então, como estou?

     - Maravilhosa. – Richard disse emocionado. – Para você. – ele entregou a pequena caixa de plástico com a flor.

     - Obrigada! – pegou a caixa.

     Donna a abriu e, tradicionalmente, entregou a flor á Richard para que ele a colocasse em seu pulso, oque ele fez com demasiada delicadeza.

     - É linda, e combina com o vestido.

     Os dois se abraçaram e se beijaram longamente.

     - Essa noite será perfeita. – ela disse afastando-se.

     Richard a conduziu até o carro que era um Chevy de segunda mão mas que era o orgulho do rapaz e eles foram alegres até a escola Johnson High School, onde acontecia o Baile do Dia dos Namorados do ano de mil novecentos e setenta e cinco, o ultimo baile.

     Realmente, a noite decorrera de forma fantástica. Aquele belo casal se destacava no salão do ginásio e chamava atenção pela felicidade que demonstrava. Conversaram com os amigos, dançaram, a noite parecia magica.

     Lá pelas onze horas da noite, os dois estavam sentados em uma mesa perto do palco onde a banda contratada tocava os clássicos, tomando ponche e segurando a mão um do outro.

     - Oque você resolveu sobre a faculdade? – ela perguntou.

     - Eu vou estudar Literatura, contrariando a vontade de meu pai, mas é da Literatura que eu gosto.

     - Que bom. Não consigo imaginar você como um engenheiro.

     A banda tocava uma musica agitada, da moda, mas assim que a musica acabou, a banda começou á tocar “Donna” de Richie Vallens:



“I had a girl

Donna was her name

Since she left me

I've never been the same

'cause I love my girl

Donna, where can you be? Where can you be?. . .”



     - Cara, eu adoro essa musica! – Donna disse de repente.

     - Essa musica velha? – Richard disse surpreso.

     - Ela é linda, vamos dançar!

     O casal levantou-se e começou á dançar lentamente, não havia mais ninguém na pista de dança e a banda continuava:



“Now that you're gone

I'm left all alone

All by myself

To wander and roam

'cause I love my girl

Donna, where can you be? Where can you be?”



     - Quando eu era pequena, eu imaginava que essa musica era para mim. – Donna sorria – Imaginava se algum dia alguém me amaria tanto assim.

     - Claro que alguém te ama assim, sou eu.

     Os dois se beijaram na pista de dança enquanto a banda continuava a tocar:



“Well, darlin', now that you're gone

I don't know what I'll do

All the time and all my love for you.”



     - Quer se casar comigo? – Richard disse de repente.

     - Como? – ela parou e ficou seria.

     - Quer casar comigo? Eu nunca tive tanta certeza de algo na vida. Eu te amo, e não consigo imaginar o resto de minha vida sem que você esteja comigo.

     - Richard. . . – Donna disse emocionada e abraçou o namorado. – Sim, eu aceito!

     O casal continuava abraçado no meio da pista de dança ao som da banda. Donna chorava de alegria, porem, naquele momento, Richard não sabia o que ia acontecer.

     Naquele momento, Richard tirou de seu bolso uma pequena caixa preta. Com cuidado a abriu e de lá tirou um anel de noivado com um pequeno diamante quadrado. Delicadamente, Richard tomou a mão de Donna e em seu dedo, colocou o anel.

     - Jamais vou deixa-lo. – Donna disse emocionada.

     Não demoraram muito e saíram do baile. Andavam pelo estacionamento da escola em direção ao Chevy naquela noite escura. Estavam já bem perto do carro quando de trás de uma arvore, das sombras, surgiu um homem de capuz preto, que os abordou.

     - Passa as chaves, vamos! – ele estava armado e parecia transtornado e apontava a arma para Donna.

     - Tudo bem, tenha calma. . . – Richard disse tentando parecer o mais controlado possível.

     Richard colocou a mão no bolso para pegar a chave que estava no mesmo bolso em que estava a caixinha do anel de noivado e conforme mexia no bolso, um pedaço da caixinha ficou á mostra. Aquela luz, e nervoso como estava, o ladrão pensou que a caixinha fosse uma arma. Num impulso, o criminoso disparou a arma acertando Donna e saiu correndo em seguida.

     - Não!! – Richard gritou desesperado ao perceber que Donna caía ao chão.

     Ajoelhou-se desesperado e abraçou Donna. A bala havia atingido seu peito e seu sangue tingia de vermelho seu vestido lilás.

     - Donna, você vai ficar bem. – chorava – Não me deixe.

     - Eu não vou deixa-lo. . . – Donna disse baixinho. Foi a ultima coisa que ela disse.

     Richard só se lembrava de ficar ali chorando, agarrado ao corpo sem vida de Donna durante muito tempo, até que alguém os encontrou no estacionamento depois de ouvir o disparo.

     Por muito tempo policia procurou pelo assaltante de capuz que tirara a vida da jovem Donna, porem, sem uma descrição confiável, não puderam fazer nada e nunca o pegaram.



     O tempo passou, muita coisa aconteceu, e a vida de todos teve que continuar. Trinta anos se passaram, no entanto Richard nunca a esqueceu. Em vários aspectos de sua vida ele evoluíra, superara limites, porem seu coração permaneceria fechado, de alguma forma á espera daquela que ele sabia que nunca iria voltar.

     Richard estudara Literatura e se formara. Depois de vários cursos e trabalho árduo, se tornara professor de Literatura Clássica na faculdade em que estudara e agora, chegando aos cinquenta anos, era um dos professores mais queridos da instituição. Era admirado pelos alunos, paquerado pelas alunas, afinal, ainda estava inteiro.

     O ano letivo enfim começara e vários alunos novos circulavam pelo Campus como baratas tontas e os professores se divertiam com essa cena.

     A classe de Literatura Clássica estava particularmente lotada naquele primeiro dia, principalmente de novatos. A sala era ampla, em formato de auditório e Richard demorou um pouco para se acostumar com essa sensação, ainda mais quando era necessário usar um microfone nas dissertações, parecia que estava em um programa de TV, como a Roda da Fortuna, embora jamais tivesse usado terno em suas aulas. Depois de um tempo acostumou-se, e acabava achando estranho lecionar em uma sala convencional.

     Richard entrara na sala de aula já depois de todos os alunos já estarem acomodados em seus lugares e dera uma rápida olhada nos novos rostos, a maioria recém-saídos do segundo grau.

     - Bom dia, eu sou o Professor Richard Reeves, acho que vocês estão aqui para estudar Literatura Clássica, não é? – disse com um tom forçadamente serio. – Vou avisando, não admito chicletes, celulares, nem livros da saga Harry Potter. – frase que foi seguida de muitas gargalhadas por parte dos alunos. – Mas falando serio agora, em minha aula, tudo o que eu exijo é que deixem a mão escrever o que o coração diz. Quando conseguirem fazer isso, serão escritores.

     Sua aula decorrera divertida durante a uma hora de aula, até que viu sentada no fundo da sala, na ultima fileira, Donna. Richard ficou parado em choque, olhando para aquilo que só podia ser descrito como alucinação. Era ela, o cabelo ruivo, liso e comprido, seus traços delicados, mas como? Ela também olhava para ele e ele achou que estava enlouquecendo.

     Por muito tempo, depois da morte de Donna, Richard pensou tê-la visto pelos cantos quando estava a sozinho, ás vezes podia jurar ter sentido seu perfume, mas depois foi se convencendo de que que isso não passava de sua imaginação com dificuldade para aceitar a perda. Mas o que via agora não era um simples vulto, ele a estava vendo, tão claramente quanto qualquer um de seus alunos. Seria aquilo verdade ou só a sua mente lhe pregando um peça?

     O sinal que avisava o término da aula soou alto, tirando-o de seu devaneio e do contato visual com a assombração. Os alunos, alheios ao que estava acontecendo com o professor, fechavam os livros e deixavam seus lugares rumo á porta. Richard surpreendeu-se, pois, Donna fez o mesmo e vinha descendo pelos degraus da “arquibancada”. Conforme ela foi se aproximando, Richard percebeu coisas diferentes: essa Donna usava roupas modernas, o cabelo era um pouco mais curto e mesmo de longe, ele percebeu um piercing em seu nariz, uma pequena pedra brilhante.

     Donna vinha descendo por ultimo, segurando seus livros nos braços e parecia dar pouca importância ao fato de que Richard a observava fixamente. Ela desviou o olhar e caminhou até a porta, deixando Richard confuso, ela afastava-se dele, sem dar-lhe atenção. Não, não podia deixar que ela se fosse. Num impulso que ele não sabia de onde veio, ele correu e antes que ela saísse, ele segurou seu braço fazendo-a parar.

     - Donna? É você?

     - Sim. – disse ela com um sorriso.

     - Você é real?

     - Claro que sou real, - ela disse em tom jovial. – E você está apertando meu braço. – disse naturalmente.

     - Ah, Donna! – Richard a abraçou impulsivamente, fazendo-a derrubar os livros.

     - Professor, - ela tentava se soltar – Você deve estar me confundindo com outra pessoa.

     Ele a soltou por um momento e viu no rosto dela a expressão de quem não está entendendo nada.

     - Mas. . .

     - Professor, o senhor está bem? – disse com uma feição um tanto preocupada.

     Richard parou e olhou bem para Donna. Ela era Donna, mas não era. Era uma garota jovem, assustadoramente idêntica e com o mesmo nome. Mas era só.

     - Eu achei que você fosse outra pessoa, que eu conheci á muito tempo. – disse envergonhado pela sua atitude precipitada.

     - Então, acho que não sou ela. – ela sorriu compreensiva ao se abaixar para pegar os livros que tinha derrubado.

     - Acho que não.

     A nova Donna pegou seus livros, se levantou, olhou para Richard e lançou lhe um sorriso antes de sair e deixar Richard sozinho com seus pensamentos.

     Aquela garota era tão parecida com seu grande amor, até mesmo seu nome, isso não podia ser apenas coincidência. Qual a probabilidade de uma sósia de Donna, homônima, na mesma faixa de idade, entrar na Faculdade em que ele lecionava, com tantas outras Faculdades para ela escolher. Mas Donna estava morta, morrera em seus braços e antes disso havia prometido que jamais iria deixa-lo.

     Durante algumas semanas Richard ficou observando a nova Donna, que parecia não lhe dar a menor atenção além do normal para uma aluna comum e ás vezes ela lhe dirigia um sorriso educado quando seus olhos se encontravam, mas só. Ah, essa situação era uma tortura, ele não conseguia se concentrar em mais nada, pensava somente naquela moça. Isso tinha que parar, de uma forma ou de outra.

     Para colocar um ponto final nessa historia, um dia Richard tomou coragem e depois de pedir a ela que ficasse depois da aula. A convidou para tomar um café numa cafeteria perto do Campus. De começo, ele estranhou a naturalidade com a qual ela aceitara o convite, porem precisara conversar com ela.

     Richard contou tudo. Tudo sobre a primeira Donna, sua semelhança, tudo o que acontecera no dia dos namorados de mil novecentos e setenta e cinco, a incrível coincidência que era tudo isso e ela ouvia seu relato atentamente.

     - Entende agora a minha reação quando eu te vi?

     - Entendo perfeitamente. – Donna disse tomando um gole de seu café preto. – ela devia ser muito especial.

     - E como era. – ponderou.

     - Isso até parece a letra de uma musica. – ela sorriu – Qual era mesmo? Ah, “Donna”, sem referencia ao meu nome. – os dois não contiveram o riso – Mas eu acho isso bonito. Você pode achar estranho, mas quando eu era pequena, eu imaginava se alguém. . .

     - Te amaria tanto assim. – Richard terminou sua frase espantado.

     - Isso mesmo, como sabia? – disse com uma expressão intrigada.

     - Foi só uma coisa que aluem me disse um dia.

     A Donna que ele conhecia agora era em vários pontos diferente da primeira, mas não menos encantadora.

     Uma amizade começou depois daquele encontro, depois de um começo bem peculiar, decidiram fazer disso uma coisa boa. Começaram a sair juntos, a se conhecer melhor, seus temores, seus defeitos, suas historias mais engraçadas. Em seu coração, Richard sabia que a nova Donna era sim aquela que conhecera na juventude, e nada mudaria essa sensação, isso já era razão suficiente para que tivesse uma empatia automática por ela. O que não esperava era que fosse se apaixonar novamente. Aprendera a amar todas as coisas nela, todas.

    Tudo isso aconteceu em meados de Agosto de dois mil e cinco e conforme o outono foi chegando sua amizade foi ficando mais forte. Richard sabia que não podia perde-la, por isso, em segredo, no natal começaram á namorar serio. Talvez pela diferença de idade, talvez por que Richard fosse seu professor, a questão é que ninguém entenderia essa união. Ambos estavam felizes e apaixonados, um completava o outro, o amor tocara seus corações e era isso o que importava.

     Janeiro foi passando e quando Fevereiro e o dia dos namorados foi chegando, Richard começou á ficar de certa forma apreensivo. Não que estivesse com medo da data, pelo o que acontecera antes, mas um sentimento estranho começava a se formar dentro dele. Não sabia o que era exatamente, mas não era bom.

     Enfim, o dia dos namorados chegou e por todo lugar se via alegria. A decoração vermelha e branca parecia inspirar e na Faculdade não se falava em outra coisa: que presentes iriam dar, que restaurantes estariam disponíveis, onde passariam a noite, essas coisas.

     Donna sempre enrolava para guardar seus livros para ficar sozinha com Richard na sala depois que todos saiam, ele achava perigoso, ela achava picante. Naquele dia, ela ficou por ultimo (de novo).

     - Feliz Dia dos Namorados! – ela disse sorridente ao beijá-lo depois de ter certeza e estarem sozinho, no entanto, Richard ficara serio. – Oque foi?

     - Nada. – disfarçou.

     - Ah, meus Deus, como sou insensível! – disse lembrando-se de toda historia. – Me desculpe. . .

     - Está tudo bem, não é por isso que estou assim. Eu não sei, não estou me sentindo muito bem.

     - Olha, não precisamos fazer nada especial hoje, é só uma data pré-determinada para troca de presentes e afeto, o que podemos fazer nos outros trezentos e sessenta e quatro dias do ano. Afinal, oficialmente, não somos namorados.

     - Você deve achar que eu sou um velho rabugento. Não, vamos sair sim. Aonde quer ir?

     - Não sei, por que não vamos naquela cafeteria perto daqui? Foi lá que começou mesmo. Ás nove horas está bom?

     - Para mim está ótimo. – disse com um sorriso um tanto murcho.

     A tarde se passou lentamente e antes do horário marcado, Richard já estava esperando por Donna, sentado em uma das mesas da Cafeteria, perto da janela. A musica ambiente era mortificante, ele não conseguia engolir esse tal de 50 cent. A noite estava até que agradável, mas por algum motivo não conseguia sentir-se á vontade, aquele sentimento ruim não o deixava em paz.

     Não demorou, Donna chegou á Cafeteria, usava uma roupa perturbadora: usava um vestido de malha, decote tomara que caia, lilás, moderno. Mas como lembrava o vestido de baile de Donna em mil novecentos e setenta e cinco. Usava o cabelo ruivo solto, apenas uma mecha estava presa com uma presilha. Ao vê-la assim, Richard teve certeza de que Donna havia voltado.

     Ela aproximou-se dele sorrindo, porem ela não teve que chegar até a mesa, Richard levantou-se e caminhou ao seu encontro. Abraçaram-se como se á muito tempo não se vissem. Beijou-a profundamente emocionado, ela havia cumprido a promessa.

     - Querido, o que foi? – ela olhou para ele.

     - Eu só não podia mais esperar para dizer que eu te amo.

     - Isso é bom, por que eu também te amo.

     Richard a conduziu até a mesa e juntos passaram uma noite incrível, até que a musica ambiente mudou e começou a tocar uma musica conhecida.



“I had a girl

Donna was her name

Since she left me

I've never been the same

'cause I love my girl

Donna, where can you be? Where can you be?. . .”



     Ao ouvir isso, Richard paralisou-se. Um pavor de repente tomou conta dele sem que ela percebesse.

     - Eu adoro essa musica. – Donna disse sorrindo. – Vem. – Ela puxou ele pela mão.

     - Não.

     - Vamos dançar, vem.

     Donna puxou-o até o meio da Cafeteria onde mais dois casais também dançavam ao som da musica e lentamente começou a dançar.

     Richard não podia acreditar que tudo estava se repetindo. Isso era impossível, trinta anos depois tudo estar se repetindo. Não podia deixar que isso acontecesse, dessa vez as coisas seriam diferentes.

     - Vamos embora. – Richard se afastou, pegou sua mão e foi puxando-a através do estabelecimento.

     - Richard, oque está fazendo?

     - Depois eu explico.

     Saíram da Cafeteria ás pressas. Richard olhava para os lados, procurando por um taxi.

     - Por que não vamos no seu carro? – ela perguntou confusa, via-se que ele estava nervoso.

     - Por que, se eu chegar perto do meu carro, você vai morrer. – disse desesperado.

     - Você está me assustando. – Donna disse com a voz balançada.

     - Está tudo se repetindo. Não sei por que, é você, seu nome. . .

     - Ah, Richard. . . – desacreditava.

     - Não é só isso. É o dia de hoje, o seu vestido, aquela musica. . . – sabia que o que dizia não fazia sentido. – Eu sinto que seu não sairmos daqui agora, você vai morrer.

     Nesse momento, um taxi parou bem á sua frente. Ele abriu a porta traseira e fez com que ela entrasse, batendo a porta. Ele respirou fundo e se abaixou na altura da janela, em silencio ele segurou sua mão.

     - Você não vem?

     - É com você que eu me preocupo. – os dois se beijaram através da janela. – Eu não vou te perder.

     O carro foi saindo, porem Donna ainda teve tempo de dizer:

     - Eu jamais vou deixa-lo. – E com isso o taxi afastou-se e Richard ficou observando.

     Virou-se para ir em direção do seu carro parado no outro lado da rua, quando com horror lembrou-se do que ela disse, “Jamais vou deixa-lo.”, a mesma coisa que disse antes de morrer. Virou-se outra vez, ainda conseguia ver o taxi que parara no sinal vermelho. Teve tempo de ver o taxi antes que um caminhão enorme, vindo da esquerda, batesse no taxi e o arrastasse.

     Richard ficou vendo aquilo acontecer estático. Então começou á correr como um louco naquela direção, totalmente desesperado. Quando finalmente chegara no local, alguns metros adiante, onde já se amontoava um grande numero de curiosos em volta do acidente. Richard atravessou a roda de gente e pode ouvir alguém chamando a ambulância pelo telefone celular. O caminhão havia acertado o taxi em cheio. Ele estava todo retorcido, as janelas quebradas. O motorista havia sido jogado para fora. Donna ainda estava dentro do carro, porém uma barra de ferro atravessava seu peito. Estava morta."


terça-feira, 14 de agosto de 2012

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"Um gato no telhado"

     Justin Harrison era considerado um bom homem pelas pessoas que o conheciam. Ela já não era nenhum jovem, aos quarenta e cinco anos de idade, seus cabelos que antes eram castanho claro agora apresentavam mechas grisalhas, no entanto seu porte atlético que conservava desde o segundo grau mantinha-se o mesmo, conferindo-lhe uma disposição adolescente e era por isso que estava no telhado naquela tarde de sol, arrumando algumas telhas quebradas, depois de tanto que sua mulher Madeleine ficou insistindo durante horas e reclamando que chovia mais dentro do que fora de casa. Resultado: estava perdendo seu dia de folga em cima do telhado enquanto podia estar no churrasco que seu amigo Manny estava fazendo e o tinha convidado. E tudo por culpa de quem? Do gato.

     Seu vizinho Henry tinha um gato tigrado de branco, cinza e preto e olhos verdes faiscantes chamado Tiger, claro. Um gato peludo e enorme de aproximadamente sete quilos ou mais, e isso para um gato é muito. Não que ele fosse gordo, ele era grande mesmo, parecia uma espécie de felino selvagem ou coisa parecida. E ele era uma gato estranho, sem raça definida, pois ele tinha a cor de Angorá, pelo denso como Persa mas sem a cara achatada. Henry tinha orgulho em dizer que ele era um gato raro e duvidava que houvesse um igual.

     Tiger, como qualquer gato, tinha uma vida noturna e gostava de passear pelos telhados da vizinhança, e de todos os telhados que ele poderia ter escolhido para ser seu preferido, ele escolhera o telhado da casa de Justin. Todas as noites quando Justin se deitava para dormir, (só deitava, porque dormir era outra historia), ele ouvia o barulho daquele gato estupido perambulando no telhado a noite inteira. Não sabia explicar se era por causa de seu tamanho avantajado, mas aquele gato tinha o péssimo habito de quebrar as telhas e semana passada ele havia quebrado pelo menos umas cinco telhas num encontro amoroso com a gata siamesa dos Leeds.

     Tudo culpa daquele gato!

     Pensava essas coisas enquanto pegava uma telha, dessas pequenas de trinta centímetros por quinze, cor de cerâmica. O sol de domingo queimava sua nuca e tudo o que queria naquele momento era estar no churrasco na casa do Manny, bebendo uma cerveja gelada, aproveitando seu fim de semana como tinha direito. Talvez, quando terminasse até pudesse ir, afinal, ainda era três horas da tarde.

     Começou então á apressar o serviço, empolgado com a possibilidade de aquele dia poder terminar de forma proveitosa. Posicionou a telha no lugar daquela que havia sido removida e em seguida, pegou o martelo para pregar a telha e começou a martelar de forma vigorosa, no entanto, acabou acertando o dedo indicador. No momento, largou o martelo e soltou uma exclamação de dor, segurando dedo machucado. “Mas que droga!” gritou em pensamento, agora isso? Se ele já estava de mau humor, aquilo foi a gota d’agua. Ah, se encontrasse aquele gato. . .

     Nesse momento olhou para frente e o viu á poucos metros dele, ali no telhado. Tiger olhava para Justin com aqueles olhos verdes brilhantes, calmamente sentado sobre as patas balançando sua cauda espessa, apenas olhando para ele com aquele ar de deboche.

     - Ah, só pode ser brincadeira! – Justin disse alto para si mesmo.

     Sentia tanto ódio por aquele bicho como nunca sentira por nenhum ser vivo em toda sua vida. Por causa dele, estava fritando seus miolos embaixo daquele sol escaldante; por causa dele, não estava aproveitando seu dia de folga com seus amigos e ainda por cima, arrebentara seu dedo. Justin olhou para o lado e viu o martelo que havia largado quando se machucara. Ele não havia escorregado e caído lá embaixo, ele estava ali, ao alcance de seu braço. Olhou outra vez para o gato que continuava parado olhando para ele e não pensou duas vezes: Justin pegou o martelo e o jogou na direção do bichano. Ele errou, nunca fora bom nisso, mas o gato se assustou e pulou do telhado.

     - Vá embora daqui! – Justin gritou ao ver o gato pular. – Gato maldito. – resmungou.

     Resmungou fundo, acalmando-se. Só estava nervoso, só isso, ouvira certa vez que jogar coisas acalmava, e era verdade, depois de ter jogado o martelo, sentia-se muito melhor, pelo menos aquele gato não estava mais lá, zombando dele.

     Só então percebeu que havia jogado o martelo longe demais e dessa vez sim, ele havia caído lá embaixo. Que droga! Agora teria que descer para pegar o martelo e ainda faltavam duas telhas para trocar. “Sua besta!”.

     Justin havia colocado uma escada de madeira apoiada na parede para subir no telhado e agora descia por ela. Porque é mais fácil subir do que descer? Ao terminar de descer a escada, olhava para o gramado do seu quintal procurando o martelo que caíra, encontrando-o á três metros da casa, perto da cerca. Com os olhos fixos no martelo, ele aproximou-se do objeto, abaixou-se e pegou-o. Levantou a cabeça por um segundo, não sabia por que e se espantou com o que viu.

     Seu quintal era circundado por uma cerca de um metro e meio de altura, uma cerca de ferro, com lanças pontiagudas. Justin havia colocado essa cerca no semestre passado, quando roubaram o carro de sua sogra da vaga de visitas, e só então vira o que ela podia fazer. Viu uma cena tão horrível que quase gritou: Tiger estava ali, empalado nas lanças. Quando Justin jogara o martelo, o gato se assustara e pulara ás cegas, caindo nas lanças, tendo uma morte prematura. Seu sangue escorria pelo ferro, tingindo de vermelho as margaridas que cresciam junto á cerca. Seus olhos verdes ainda estavam abertos, mas estavam opacos e continuavam olhando para Justin.

     Justin levara a mão á boca para abafar uma exclamação de horror. “Meu Deus! O que eu fiz”. Olhou para os lados, ninguém passava na rua e sua mulher Madeleine passava roupa dentro de casa ouvindo radio e nem se dava conta do que estava acontecendo no quintal. Olhou para a casa ao lado, a casa de Henry. “O que você vai dizer para ele?”, a voz em sua consciência dizia, “O que você vai dizer quando o seu amigo ver o gatinho querido dele no espeto e pronto para o churrasco?”.

     - Foi um acidente. . . – murmurou para si mesmo. – Eu não queria. . .

     - “Claro que queria, afinal, o martelo não deu aquele salto mortal sozinho”- a voz da consciência continuava. - “Você sabe o quanto Henry gostava desse gato.”- a voz em sua mente disse, parecida com a voz de Madeleine.

     - “Você sabe que Henry sabe o quanto você não gosta desse gato.” – uma outra voz cortou a primeira, uma voz que vinha de lugares mais profundos de sua mente, uma voz parecida com a de seu falecido pai. –“Aquele Maricas vai fazer um escândalo.”

     - A culpa é minha. – Justin murmurou sozinho.

     - “Que bom que reconhece.” – a voz de Madeleine o repreendeu. – “Tiger era só um gato, fazendo o que era de sua natureza fazer. Você era o humano, que devia ter o mínimo de autocontrole. . .”

     - “O que?” – cortou a voz de seu pai. – “Aquele gato era um safado, um filho da mãe, ele mereceu!”

     As duas vozes sempre debatiam em sua mente, sua própria versão do diabinho e do anjinho em cada ombro, claro que a voz de Madeleine representava o anjinho e a de seu pai o diabinho. Sempre dava preferencia á voz de Madeleine, mas a voz de seu pai estava mais alta do que de costume.

     - “Pense na tristeza que Henry vai sentir” – a voz de Madeleine soava reprovadora.

     - “Cale a boca!” – seu pai a cortou de novo. – “Pense no lado positivo disso tudo: não vai ter mais gato nenhum para encher o saco.”

     Justin odiava ter que admitir, mas era verdade, e de repente a voz de Madeleine sumiu.

     - Tá, mas oque eu faço com esse gato? Ele não pode ficar ai pendurado para sempre. – Justin sem perceber disse em voz alta.

     - “Tire-o dai.” – a voz de seu pai disse com voz tentadora. – “Esconda-o e não diga nada para o Henry, você estará fazendo um favor para ele, na verdade.”

     - Mas aonde vou escondê-lo?

     - “Seu jardim é grande o suficiente, além do mais, lembra daquelas hortênsias que você ia replantar no chão? Acho que é uma boa hora.”

     Justin olhou para os lados outra vez, a rua continuava deserta e sua mulher provavelmente ainda passava roupa ouvindo radio. Aproximou-se da cerca e observou o animalzinho mais de perto com certa aflição. Ele relutou um pouco, mas com cuidado, conseguiu retirar o gato das lanças e o segurava nos braços. Nossa, como era pesado, e como estava mole. A lança havia perfurado seu peito, deixando um buraco vermelho no emaranhado de pelos brancos do peito. Olhou bem para Tiger, e aquela imagem lhe apertou o coração. Mas não tinha tempo, Henry, havia ido para o churrasco, e logo estaria de volta.

     Ali mesmo resolveu enterra-lo, primeiro deitou-o no chão com delicadeza, então correu até a garagem que estava com a porta aberta e pegou suas ferramentas de jardinagem (seu hobby), e os três vasos de hortênsias que seriam replantados. Voltou correndo até a cerca, onde havia deixado o gato e com vigor começou a cavar. Demorou para cavar um buraco suficientemente grande para comportar Tiger, ainda mais cavando com aquela pazinha minúscula de jardinagem, mas conseguiu. Colocou o gato na cova improvisada e sentiu um calafrio ao ver seus olhos verdes olhando em sua direção. Quando pegou a pá para começar á jogar a terra por cima do defunto ele hesitou e a voz de Madeleine voltou á cutuca-lo.

     - “Você tem certeza de que quer fazer isso? Porque isso não é certo.”

     - Tá bom, o que você sugere que eu faça?

     - “Olha, eu vou estar aqui para cutuca-lo toda vez que você ver um gatinho passando, toda vez que você assistir o Garfield, eu não vou deixar você em paz.”

     - “Você já cavou o buraco, não vai parar agora.”- a voz de seu pai disse enfática, assustando-o.

     - Não, não vou.

     Munido de uma coragem que ele não tinha, continuou o trabalho e meia hora depois, havia um belo canteirinho de hortênsias azuis ao pé da cerca. Justin levantou-se ainda com a pá na mão e passou o antebraço na testa suada. Olhou para a rua e suas pernas ficaram bambas, pois viu o carro de Henry dobrando a esquina e entrando na rua, vindo em sua direção e de repente um pavor tomou conta dele, como o friozinho na barriga que uma criança sente quando faz alguma arte do tipo quebrar o prato preferido da mãe só para vê-la entrar na cozinha segundos depois do acontecido. Mas Tiger não era um simples prato quebrado.

     O carro aproximava-se cada vez mais, resolveu sair dali, entrar em casa, pois não queria se encontrar com Henry, pelo menos não ainda, mas antes que chegasse á porta de garagem, Henry buzinou chamando sua atenção. Justin sabia que era com ele, queria que não fosse, mas era para ele e não teve outra alterativa senão virar-se depois de pregar um sorriso de coringa no rosto.

     - Oi Justin! – Henry disse com um sorriso sincero. – Por que não foi para o churrasco do Manny?

     - Eu. . . fiquei concertando o telhado que quebrou.

     - Com uma pá? – disse reparando na pá ainda em sua mão.

     - A pá? – ele deu um riso nervoso. – Não, é que eu resolvi mexer no jardim um pouco.

     - Então está bem. – sorriu – O pessoal sentiu sua falta, foi uma tarde muito legal.

     Henry ligou o carro e continuou o caminho até sua casa, deixando Justin lá, pensando seriamente na frase de seu pai, “Ele mereceu.”.



     Logo a noite chegou deixando tudo mais sombrio. Em seu quarto, antes de deitar-se para dormir, Justin aproximou-se da janela e ficou olhando para fora durante um bom tempo, mais precisamente para o canteiro de hortênsias que enfeitavam o tumulo de Tiger com certa aflição. Que sinistro era pensar em tudo o que acontecera aquela tarde. Tinha certeza de toda vez que olhasse para aquelas flores sentiria um calafrio. E aquelas lanças? Iria mandar serra-las amanhã mesmo, pois imaginou se invés do gato, se fosse ele que tivesse caído.

     Ouviu o telefone tocar mas não deu importância, a real Madeleine estava lá para atender, e ele estava por demais intrigado com seus próprios pensamentos. Depois de alguns minutos ouviu sua esposa desligar o telefone que ficava no criado mudo ao lado da cama sem nem ter prestado atenção na conversa.

     - Querido, era o Henry. – a real Madeleine disse tirando-o de seus pensamentos.

     - Oque ele queria? – respondeu um tanto áspero sem tirar os olhos do tumulo secreto.

     - Perguntou se você não viu o gato dele, o Tiger. Parece que sumiu.

     - Não, não o vi. – mentiu sentindo um frio na barriga. – Mas gatos somem, não é? É de sua natureza andar por ai.

     - Pode ser, mas aquele gato era muito estranho.

     - Ele é só um bicho, Maddie. – disse afastando-se da janela.

     - Ouvi falar certa vez que gatos são os guardiões das portas do Mundo dos Mortos, e que quando eles somem de nossas vistas, é lá que eles estão.

     - Aonde ouviu essa besteira? – disse intrigado ao sentar-se na cama.

     - Não me lembro. É uma dessas crendices que se ouve quando criança e fica no inconsciente. – sorriu de maneira amena ao ajeitar-se na cama para dormir. – Uma besteira, realmente.

     - Não sei. - disse serio – Quem sabe Tiger não está dando um olá para o James Dean bem agora? – deitou-se.

     - Que horror, Justin! – Maddie disse em tom repreensivo, mas com um tom de humor, pois ela ainda sorria. – Vamos dormir.

     Não se passou cinco minutos, Justin percebeu que Madeleine respirava profundamente, indicando que dormia. Ele ainda ficou acordado olhando para o teto. É, Tiger nunca mais iria ficar andando pelo teto fazendo-o ficar acordado a noite toda. Sentiu uma ponta de culpa, mas foi só. Pensando em outras coisas, logo adormeceu entrando em sono profundo.

     Quando o relógio marcou três e vinte da manhã Justin acordou sobressaltado. Ele tinha ouvido um barulho que parecera tão distante. Não soube se era real ou fruto de um sonho, mas era algo parecido com vidro sendo arranhado. Aprumou-se na cama e olhou para a janela, não havia nada lá, mas sentira uma sensação tão ruim. Ficou um tempo sentado na cama, olhando em direção á janela em silencio, apenas escutando, mas não havia absolutamente nada além do negro da noite. Mas aquele som, estranho, vidro sendo arranhado. Era um som bem característico, era tipo, agulhas ou algo muito fino. Então com horror, algo lhe ocorreu: unhas de gato.

     Não, não podia ser. Levantou-se e caminhou até a janela, abriu-a e olhou para fora. Não viu nada. Estava tudo quieto, na vizinhança todos estavam em suas camas, dormiam o sono dos justos em paz e o silencio era mortal. Nunca em sua vida ouvira (ou não ouvira) um silencio como aquele.

     Olhou então para as hortênsias sinistras: tudo estava como deixara á tarde e como vira da janela momentos antes de dormir. Balançou a cabeça como se isso espantasse esses pensamentos e fechou a janela outra vez, voltando para a cama e deitando-se ao lado de Madeleine que dormia profundamente. “Não é nada, volte á dormir.”, pensou ao fechar os olhos um pouco mais sossegado.

     Miau.

     Justin ouviu um miado prolongado que parecia estar vindo do telhado.

     Miau.

     O miado fez-se ouvir novamente. Era agudo, dolorido e contínuo.

     Miau.

     Repetiu. Então Justin começou á ouvir um som bem familiar, os passos de um certo gato pesado perambulando pelo telhado. Não podia ser, eram os passos que tantas vezes ouvira e tirara seu sono por noites á fio, os passos de Tiger. O gato andava e miava, miava e andava sem parar.

     Justin tapou os ouvidos com as mãos desesperado. Não era Tiger, não era! Tiger estava mortinho, servindo de adubo para suas hortênsias, estava ouvindo coisas que não existiam.

     Miau.

     Ouviu então uma telha partir-se. Será que tudo isso era sua imaginação pregando-lhe uma peça? Sua consciência pesada cutucando-o como ela avisara? Levantou-se ouvindo os passos daquele ser em cima de sua casa e pôs-se á andar pelo quarto. Olhou para Madeleine que dormia profundamente sem se dar conta do que acontecia com seu marido. Pensou em acorda-la para perguntar se ela também ouvia o som que o atormentava. Não, se a acordasse, teria que explicar a historia toda e ela acabaria fazendo um escândalo.

     Pensou que poderia ser até um outro gato, afinal, Tiger não era o único bichano da vizinhança. Mas reconhecia seus passos, por anos ouvira-o perambular por seu telhado e não conhecia outro gato capaz de quebrar telhas. Mas ele estava morto, estava enterrado em seu jardim.

     - “E por que você não vai lá tirar a prova?” – a voz de seu pai ressoou em sua cabeça outra vez.

     - Eu não vou cavar o jardim agora. – rebateu para si mesmo.

     - “Do que está com medo? De encontrar ou de não encontrar o gato enterrado?”

     Não queria ir, mas sabia que essa era a única forma de saber. Pegou um casaco no armário e vestiu-o, saindo do quarto com cuidado para não acordar Madeleine. Desceu até a garagem, pegou seus instrumentos de jardinagem e saiu para o quintal pela porta da garagem.

     A lua iluminava tudo e naquela luz, seu jardim lhe pareceu tão sinistro. Só então algo lhe ocorreu: a cerca de ferro com lanças, flores e uma tumba, seu jardim era um cemitério. Um calafrio percorreu lhe a espinha e arrepiou lhe os pelinhos da nuca, isso foi tão forte que quase voltou para trás. Mas tinha que saber.

     Aproximou-se do pequeno canteiro de hortênsias, ajoelhou-se e começou á cavar. Tirou as flores primeiro e depois começou á cavar com mais vigor. Cavou e cavou durante muito tempo, e quando percebeu, havia cavado mais agora do que havia cavado durante a tarde e nada de encontrar o gato.

     - Não. . .

     Em vão cavou mais fundo, porem, nada de gato.

     - Como ele não está aqui? Eu o enterrei! – disse desesperado – Será que o bicho estava vivo?

     Mas não havia sinal de que nada havia saído, nem de dentro para fora, nem nada fora arrancado. Nesse momento, lembrou-se do que Madeleine disse antes de dormir: “Gatos são os guardiões do Mundo dos Mortos.”.

     Justin estava ali, todo sujo de terra, cavando uma cova vazia na madrugada e sua fisionomia era de alguém transtornado. Ouviu então outra telha quebrar e virou-se para olhar para o telhado. Havia um gato lá, pelo menos a silhueta de um gato enorme e Justin via tudo aquilo horrorizado. Será que era Tiger? Tinha que ter certeza.

     Ele voltou á garagem, pegou a escada que usara de tarde a apoiou na parede. Com cuidado começou á subir e logo alcançou o telhado. Quando conseguiu se equilibrar na beira do telhado, começou a procurar o gato com os olhos. Estava uma noite de lua clara e viu o gato perto dele. Ironicamente, Justin estava no lugar em que vira Tiger e o gato estava no lugar onde Justin trocava a telha.

     Um sentimento de medo e repulsa misturados tomavam conta de Justin. Era Tiger, grande, tigrado, seus grandes olhos verdes, brilhantes de um modo sinistro olhavam fixamente para ele e o ferimento aberto em seu peito ainda sangrava.

     - É você mesmo, Tiger? Você voltou para me atormentar, seu gato maldito?! – gritou fora de si.

     Então Tiger correu em sua direção, pulou e se agarrou em seu pescoço. Justin desequilibrou-se e caiu do telhado naquela noite clara de domingo. Encontraram-no na manhã seguinte, empalado em sua própria cerca de ferro, assim como Tiger, do qual ninguém nunca mais ouviu falar.


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

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Livro "Uma carona no Escuro"

Olá, pessoal!
        Hoje estou aqui para falar um pouco sobre minha nova obra, Uma carona no Escuro, que é um conjunto de contos de terror, que está publidado no www.clubedeautores.com, assim como o livro anterior, Sebastian.
      Verdade seja dita, esse site é uma inovação no mundo da literatura, pois dá a oportunidade para os autores que nunca publicariam por varios motivos, como altos valores de revisão e diagramação, a imensa lista de espera das grandes editoras e ainda a possibilidade da recusa. O Clube de Autores permite ao autor publicar seu proprio livro, editar a capa, disponibiliza-lo para venda no site, sem exigir nenhum tipo de pagamento, totalmente gratuito e ainda o autor recebe os ganhos dos direitos autorais.
www.clubedeautores.com
 
 
Sobre o livro
 
     "Uma carona no escuro" é uma obra que eu queria ter feito á muito tempo. É um apanhado de contos de terror que eu escrevi conforme o tempo foi passando usando as caracteristicas desse segmento que são um tanto cliché, mas são historias originais:


  • Um gato no telhadoDonna
  • Uma carona no escuro
  • Eles estão vindo!
  • O misterio das pegadas
  • Maldita bonequinha de porcelana
  • Milagres
  • Negocios são negocios
  • Não mexa com quem está quieto.
 
 
      Um homem dá carona á um estranho sem imaginar suas reais intenções. Uma gato que é alvo da furia de um homem. Um amor que ignora os limites da morte. Uma garota que é pega de surpresa pelo fim do mundo como o conheçemos. Adolescentes que não deviam mexer com o que não conhecem. Esses são alguns dos temas desses contos eletrizantes: Vampiros, lobisomens, Zumbis, os montros que fazem parte do imaginario popular, descrito de forma dinamica e até sarcastica, por que não? Voltando ás minhas raizes do submundo do terror.